Canadá. Bispo defende pedido de desculpas por documentos papais que justificaram a opressão indígena

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09 Julho 2021

 

O bispo Douglas J. Lucia, cujo escritório no centro de Syracuse, nos Estados Unidos, está situado nas terras ancestrais da Nação Onondaga, espera se encontrar com o Papa Francisco para “reexaminar” os documentos do Vaticano do século XV que justificaram a colonização, a apropriação de terras e a opressão contra os povos indígenas.

A reportagem é de Renée K. Gadoua, publicada em Catholic News Service, 07-07-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Na última década, inúmeras congregações, denominações e organizações religiosas – incluindo várias comunidades religiosas femininas – instaram o Vaticano a repudiar a Doutrina do Descobrimento, que afirma a superioridade e o poder do cristianismo europeu sobre outras terras.

Dom Lucia talvez seja o primeiro bispo católico dos EUA a apelar publicamente para que o Vaticano e a Igreja Católica do país reconheçam os danos que esses documentos causaram e peçam desculpas por prejudicar os povos indígenas dos EUA.

Começando pela bula Dum Diversas, de 1452, várias bulas papais delineiam as diretrizes que as nações cristãs e os monarcas europeus usaram para tolerar a conquista das Américas e de outras terras.

“Basicamente, ela removia o direito de propriedade. Literalmente. Ela subjugava essas pessoas. Elas se tornavam cidadãos de segunda categoria”, disse Dom Lucia ao The Catholic Sun, o jornal diocesano. “Hoje, falamos da supremacia branca. Isso também era supremacia branca.”

Representantes vaticanos disseram que os documentos e as desculpas papais subsequentes mostram que a Igreja não apoia mais a Doutrina do Descobrimento.

As preocupações do bispo, anteriormente relatadas pelo National Catholic Register e pelo Religion News Service, tornaram-se públicas no dia 17 de junho, durante a reunião da Conferência dos Bispos dos EUA (USCCB, na sigla em inglês), quando os prelados discutiram uma proposta para elaborar uma nova declaração formal e uma visão abrangente sobre a pastoral com os povos originários dos EUA e do Alasca. Eles aprovaram a proposta por 223 votos a 6.

Um rascunho poderá ser revisado na assembleia geral da USCCB em novembro, disse Dom Lucia.

A USCCB emitiu pela última vez um plano pastoral para os povos originários dos EUA em 1977. Cerca de 20% dos povos originários do país são católicos, e cerca de 3,5% dos católicos dos EUA são nativos americanos, de acordo com o site da USCCB.

“Os bispos estavam falando sobre os internatos”, disse Dom Lucia. “Meu simples comentário foi no sentido de que eu acho que devemos abordar a Doutrina do Descobrimento, porque são questões conectadas. Eu queria estar ciente disso.”

Desde maio, três comunidades indígenas do Canadá descobriram mais de 1.000 sepulturas não identificadas perto de antigos internatos católicos para crianças indígenas.

A Conferência dos Bispos do Canadá anunciou no dia 29 de junho que estava organizando uma delegação de povos indígenas para se encontrar com o Papa Francisco em dezembro.

Dom Lucia ficou sabendo da Doutrina do Descobrimento por meio dos jesuítas do Le Moyne College, que têm trabalhado com a Nação Onondaga desde 2016 para curar a relação entre os Onondaga e os jesuítas. O nome da instituição homenageia o Pe. Simon Le Moyne (1604-1665), um jesuíta francês que visitou o território Haudenosaunee (iroquês) várias vezes nos anos 1650.

O bispo espera se encontrar em breve com os líderes Onondaga e os membros da Indigenous Values Initiative, uma organização com sede na Universidade de Syracuse.

Anteriormente, ele esperava entrar em contato com o Vaticano para tratar das preocupações dos Onondagas sobre a Doutrina do Descobrimento. “Como agora a própria Conferência está preparando o rascunho do documento, eu acho que também devo consultá-los”, disse ele.

Os povos indígenas denunciam há décadas a Doutrina do Descobrimento, mas os documentos do século XV têm atraído um exame minucioso nos últimos anos. O fato de mudar de ponto de vista sobre os mascotes esportivos que usam representações de indígenas americanos e as estátuas em homenagem a Cristóvão Colombo levantou novas preocupações sobre a relação entre a Igreja Católica e os povos indígenas.

O prefeito de Syracuse, Ben Walsh, anunciou em outubro de 2020 que a cidade removeria e realocaria a estátua de Colombo que fica em frente à Catedral da Imaculada Conceição desde 1934.

Dom Lucia e o Mons. Neal Quartier, reitor da catedral, atuam na Comissão Consultiva do Parque Heritage, composto por 23 membros e anunciada em maio.

Um segundo grupo, a Força-Tarefa Ítalo-Americana da Estátua de Colombo, foi nomeada para aconselhar a cidade de Syracuse sobre a realocação da estátua de Colombo e sobre como reconhecer os ítalo-americanos que estão na região há muito conhecida como Columbus Circle [Círculo de Colombo].

Em maio, a Columbus Monument Corporation processou a cidade de Syracuse, alegando que Walsh não tem autoridade legal para remover a estátua.

Steven Newcomb, um cidadão da tribo Shawnee/Lenape e autor de “Pagans in the Promised Land: Decoding the Doctrine of Christian Discovery” [Pagãos na Terra Prometida: decodificando a Doutrina do Descobrimento Cristão” (Chicago Review Press, 2008), ficou satisfeito pelo fato de um bispo católico estar interessado no assunto.

“Eu acolho qualquer esforço por parte de Dom Lucia, de Syracuse, para abordar essa questão da dominação que foi desencadeada pelo Vaticano ao longo de muitos e muitos anos”, disse ele ao RNS. “Eu acho isso ótimo.”

A doutrina tem sido um conceito presente na lei dos EUA desde 1823. Em 2005, a juíza da Suprema Corte Ruth Bader Ginsburg citou-a no caso City of Sherrill versus Oneida Indian Nation of New York. A decisão da reivindicação da posse de terra sustentava que os Oneidas, uma das seis nações do Haudenosaunee, não podiam recuperar a soberania sobre as suas terras tribais tradicionais.

Em 2014, a Ir. Maureen Fiedler, das Irmãs de Loretto, entregou pessoalmente uma carta ao embaixador do Papa Francisco em Washington, instando o pontífice a renunciar à doutrina. Naquele ano, a Leadership Conference of Women Religious (LCWR) aprovou majoritariamente uma resolução conclamando o Vaticano a repudiar a doutrina.

Em 2013, 10 organizações religiosas não governamentais das Nações Unidas – a maioria católicas – assinaram uma carta ao papa solicitando o repúdio da doutrina, de acordo com uma lista mantida pela Indigenous Values Initiative. Organizações ou congregações de pelo menos 11 denominações, assim como o Conselho Mundial de Igrejas (que representa 350 Igrejas em mais de 110 países), renunciaram publicamente à doutrina, de acordo com o site da Indigenous Values Initiative.

Dom Lucia não tem certeza do que fará em seguida. Mas uma declaração, disse ele, não é suficiente.

“Para buscar a reconciliação, é preciso haver algum diálogo”, disse ele. “Também é preciso haver um pedido de desculpas. Não podemos retroceder, mas podemos avançar.”

 

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