Um direito penal mais forte depois do escândalo dos abusos na Igreja. Entrevista com Filippo Iannone

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02 Junho 2021

 

O presidente do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos apresenta a nova Constituição Apostólica “Pascite gregem Dei”. Para o Vatican News: “Se a vida na Igreja se realiza no respeito pelos direitos recíprocos e no cumprimento de cada um dos deveres, conserva-se a comunhão, objetivo último da Igreja”.

Uma reforma "necessária e há muito esperada" para "revigorar" o direito penal canônico, também à luz dos escândalos recentes, em particular dos "episódios desconcertantes e gravíssimos de pedofilia" na Igreja. O presidente do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, monsenhor Filippo Iannone, assim enquadra a nova Constituição Apostólica Pascite gregem Dei, com a qual o Papa Francisco modifica o Livro VI do Código de Direito Canônico. Uma decisão, esta, do Pontífice que tem o objetivo de “tornar as normas universais cada vez mais adequadas à tutela do bem comum e dos fiéis, mais congruente com as necessidades de justiça e mais eficazes e adequadas ao contexto eclesial atual", certamente diferente da década de 1970, época em que os cânones do Livro VI, agora revogados, foram redigidos, explica monsenhor Iannone na conferência de apresentação na Sala de Imprensa do Vaticano.

E, em sua apresentação, destaca “um princípio fundamental que é o da proporcionalidade da pena: crimes diferentes não podem ser punidos com a mesma pena, seja leve ou rígida. Para cada crime é necessário aplicar uma pena proporcional, caso contrário, haveria o risco de cometer injustiças. Devemos buscar a justiça sem correr o risco de cometer injustiças”. Com o Vatican News, Monsenhor Iannone aprofunda e explica as novidades e mudanças que a reforma do Pontífice agora introduz.

A entrevista é de Giancarlo La Vella, publicada por Vatican News, 01-06-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.

 

Eis a entrevista.

 

Para cada crime é necessário aplicar uma pena proporcional, correr-se-ia o risco de cometer injustiças. Devemos buscar a justiça sem cometer o risco de cometer injustiças. Quais são as principais mudanças?

Estão previstas novas penas, como multas, indenizações de danos, privação total ou parcial da remuneração eclesiástica, de acordo com regras então estabelecidas pelas várias Conferências Episcopais. Além disso, foi dada maior atenção a listar as penas com mais ordem, com mais detalhes, a fim de permitir aos superiores, à autoridade eclesiástica, identificar aquelas mais adequadas e proporcionais aos delitos individuais.

Algumas penas que antes eram previstas apenas para os clérigos, agora são estendidas a todos os fiéis, em consequência do fato de que hoje existe uma maior participação também na vida da Igreja com o exercício de ministérios e ofícios por parte de não clérigos. Consequentemente, há uma disposição que a suspensão também possa ser acionada para eles. Estão previstos também instrumentos de intervenção mais idôneos para corrigir e prevenir delitos, porque a possibilidade de prevenir delitos é uma das finalidades do ordenamento penal. A normativa sobre a prescrição também foi revisada para reduzir os tempos dos processos. Outras modificações dizem respeito à configuração dos crimes, à introdução de novos crimes que respondem a mudanças nas situações sociais e eclesiais.

 

O que muda no caso de abuso contra menores e para os crimes de natureza patrimonial?

No que se refere à normativa sobre o abuso contra menores, há uma novidade que indica o desejo de destacar a gravidade desses delitos e também a atenção a ser dada às vítimas. Os crimes relativos ao abuso contra menores, no código anterior, encontravam-se no capítulo: “Delitos contra obrigações especiais dos clérigos”. Hoje, esses crimes estão listados no capítulo: "Delitos contra a vida, a dignidade e a liberdade do ser humano". Além disso, foi introduzido o crime de abuso contra menores cometido não só por clérigos, mas também por membros de institutos de vida consagrada e por outros fiéis.

No que diz respeito à questão patrimonial, várias são as inovações que pretendem colocar em prática, traduzir em normas, os princípios aos quais o Papa Francisco retorna continuamente. Em primeiro lugar, o princípio da transparência na administração dos bens, depois o princípio da gestão correta da administração dos bens: punem-se os abusos de autoridade, a corrupção - tanto o corrupto como o corruptor – são punidas as apropriações indébitas, a "mala gestio" do patrimônio eclesiástico. É também punida a atividade dos administradores que, em benefício próprio ou de outrem, administrem bens sem respeitar as normas previstas. Digamos que em matéria patrimonial existem mais novidades em relação ao código de 1983.

 

No novo texto, qual a relação entre misericórdia e justiça?

Eles não são dois conceitos a serem contrapostos, mas são conceitos intimamente ligados. São Paulo VI dizia que a justiça é a menor parte da caridade. Santo Tomás, ao comentar São Mateus nas Bem-aventuranças, diz que a justiça sem piedade conduz à crueldade, mas a misericórdia sem justiça conduz à dissolução da ordem.

Recordemos que o Código de Direito Canônico conclui afirmando que a salvação das almas deve ser sempre a lei suprema na Igreja. A salvação de almas requer que aqueles que cometeram crimes também expiem a culpa. Portanto, punir aqueles que cometeram atos criminosos torna-se um ato de misericórdia para com eles. Essa é a responsabilidade dos pastores. A misericórdia requer que aqueles que erraram sejam corrigidos. A finalidade da pena são essas. Já no Código atual, as penas servem para restabelecer a justiça, punir ações e indenizar quem foi vítima de uma violência.

Afirma o Papa: “Promulgo o texto (...) na esperança que resulte um instrumento para o bem das almas e que as suas prescrições sejam aplicadas pelos Pastores, quando necessário, com justiça e misericórdia, na consciência de que compete ao seu ministério, como dever de justiça - eminente virtude cardeal - impor penas quando o bem dos fiéis assim o exigir”. Portanto, deseja-se que este texto seja aceito pela comunidade eclesial, pelos pastores e pelos fiéis, no sentido desejado pelo Papa, ou seja, o Papa dá uma indicação clara aos bispos e superiores para que não se deixem condicionar por um infundado contraste entre a misericórdia e o direito e as penas.

Os superiores, quando necessário, devem intervir e aplicar o direito penal, tendo em vista que estão exercendo o munus pastoral naquele momento. Ao aplicar o direito penal, estão se comportando como pastores. E o Santo Padre diz: ajam com serenidade, porque ser pastores também significa isso. Portanto, se a vida na Igreja se realiza no respeito pelos direitos recíprocos e no cumprimento de parte de cada um dos próprios deveres, creio que se pode dizer que conserva a comunhão, o fim último da Igreja.

 

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