Catequese: serviço de especificidade própria entre os demais serviços pastorais. Artigo de Benno Brod

Imagem: Cathopic

Por: Benno Brod | Edição: João Vitor Santos | 24 Mai 2021

 

“Que a catequese seja por todos incentivada e reconhecida como um serviço de especificidade própria, entre os demais serviços pastorais. Que na transmissão da fé em diversas etapas, desde o anúncio querigmático à instrução iluminadora, esse precioso ministério, exercido por testemunhas de fé profunda, por 'testemunhas de santidade' (como escreve o Papa), por mestres com maturidade humana, por acompanhantes fraternos, de participação ativa na comunidade, seja reconhecido como um serviço eclesial estável”, escreve Benno Brod.

 

Que ainda destaca, nesta breve reflexão, preparada a pedido do Instituto Humanitas Unisinos - IHU, “no meio do texto do Motu proprio, uma frase também muito importante do Papa é quando fala do papel dos pais na educação da fé dos filhos. São os primeiros a catequizar. Conhecemos os livros que o Papa tem escrito sobre a família e sua função imprescindível na transmissão da fé”. No texto, ele ainda destaca dois grandes exemplos de catequistas, entre tantos, além de analisar a instituição da catequese como Ministério no contexto do pontificado de Francisco.

 

Benno Brod, sj (Foto: Santuário Sagrado Coração de Jesus)

 

Benno Brod é padre jesuíta, atua em trabalhos pastorais junto ao Santuário Sagrado Coração de Jesus, também dedicado ao Padre Reus, em São Leopoldo (RS). Graduado em Filosofia e Teologia no Colégio Cristo Rei, em São Leopoldo, foi ordenado presbítero em 1963. Tem longa experiência em trabalhos pastorais, entre eles a catequese. Foi por longos anos professor de teologia pastoral no Colégio Cristo Rei, em São Leopoldo, RS e também em Belo Horizonte. Nas últimas décadas foi pároco em São Leopoldo, Paróquia São José Operário, Fião,  Nova Petrópolis, RS, Nova Trento, SC, Itapiranga, SC tendo atuado também na Vila Duque, São Leopoldo, RS, morando numa inserção com estudantes de teologia, antes de ser tornar a Paróquia. O trabalho consistiu em fomentar e incrementar o trabalho das Comunidades Eclesiais de Base - CEBs.

 

Eis o artigo.

 

Pediram-me uma reflexão sobre Catequese. Motivo é, com certeza, a assinatura que o Papa Francisco acaba de fazer, no dia 10 de maio, da Carta Apostólica Motu Proprio “Antiquum Ministerium”, pelo qual instituiu o Ministério dos Catequistas leigos na Igreja. Desejo que esta reflexão seja uma conversa familiar, repassada de veneração para com todos os catequistas que trabalharam comigo nas paróquias onde fui pároco.

 

Como início da minha reflexão, ocorre-me uma expressão que ouvi muitas vezes nas paróquias quando organizávamos encontros de formação, planejamento, avaliação com catequistas. A expressão, em toda a sua inocência poética, contém uma grande beleza mística. É a seguinte: “A catequese é a menina dos olhos da Igreja.”

 

Ocorre-me também irresistivelmente, no início desta reflexão, a figura de umas pessoas que para mim são verdadeiros “ícones catequéticos”. Deixando uma dessas pessoas para o fim desta reflexão, cito outra, que é daqui de perto, de São Leopoldo, cuja lembrança ficou no coração de milhares de admiradores e devotos: o Padre Reus, em seu ministério pastoral e catequético, quando foi pároco da então vasta paróquia de São Leopoldo, há mais de cem anos, em 1913.

 

 

 

Na Autobiografia que escreveu por ordem dos superiores, ele se refere a duas tarefas catequéticas que ele tomou muito a peito. Uma, sair a cavalo, duas vezes por semana, para dar catequese nas 20 escolas que havia na paróquia. A outra tarefa de grande alcance catequético popular: as visitas que fazia às famílias, rua por rua, família por família, fossem famílias católicas ou protestantes. Naquele ano em que foi pároco, visitou 250 famílias. Em cada família ouvia as histórias das pessoas, rezava, benzia, animava; enfim, era o pároco catequista “em saída”, como diz o Papa Francisco.

 

A renovação e o empenho na catequese

 

Ah, a catequese! Quantas tentativas de renovação, de adaptação a sempre novos tempos e novas exigências! Quantos novos “manuais”, tipo “livro do catequista” e “livro do catequizando”! Quantos congressos, quantos documentos da CNBB, quantos Diretórios de Catequese! Quantas “Fichas Catequéticas”! Quanta dedicação, quanto carinho e esforço por parte de catequistas, de religiosas, de agentes de pastoral, quanto apelo a novos recursos didáticos! Quantas turmas de crianças, de adolescentes, vindo cada semana, por três, quatro, cinco anos, aos encontros, para se prepararem para receber a primeira comunhão ou a crisma, ou aos encontros de “perseverança”!

 

E, apesar de tudo isso, e de muito mais que se planejou, propôs e investiu, sempre persistiam incertezas, inseguranças, hesitações. A catequese parecia não dar frutos duradouros! Feita a crisma, muitos adolescentes sumiam. Havia, claro, os que continuavam participando e mesmo atuando na Igreja. Mas, os problemas estavam à vista. Até hoje.

 

Não dá para negar que há crise de catequese. Por outro lado, a lembrança que guardo de muitas catequistas, nas paróquias onde trabalhei, até hoje me emociona. Quantas diziam, apesar das dificuldades com certas crianças, com certos jovens, certas turmas, com certos pais: “Adoro dar catequese! Adoro vir aos encontros de formação. Quanto já aprendi para minha vida! Enquanto puder, vou ser catequista.” E aqui me ocorrem os nomes de duas catequistas que, sem interrupção, deram catequese por mais de 40 anos. Uma delas, 45 anos. Felizes, orgulhosas e gratas por o terem sido!

 

Motu Proprio

 

E eis que agora vem, em boa hora, o nosso Papa Francisco e nos brinda com sua Carta Apostólica Motu Proprio “Antiquum Ministerium”! O Papa afirma que ele escreveu por iniciativa própria, por impulso pessoal dele, ideia que veio à cabeça (e ao coração) dele, sem ter sido solicitado por ninguém. É isso que significa a expressão latina “Motu proprio”. Grande Papa! Ele sentia o drama, ele ouvia tanta gente pedindo, como aquele macedônio que de longe, por cima do Mar Egeu, da Europa para a Ásia, gritava para Paulo: “Vem nos ajudar!” O Papa sente Jesus falando aos discípulos e discípulas, na hora da despedida, lá sobre um monte na Galileia: “Ide por toda a terra! Ensinai! Ensinai a todos tudo que vos ensinei! Tornai-os discípulos!”

 

O Papa tem coração pastoral. Nesse Motu proprio, ele diz, com palavras simples, mas carismáticas, com nova carga de vigor, aquilo mesmo que sempre se procurou: que pela catequese queremos dar a conhecer Jesus ao mundo, ao mundo de cada novo tempo, pela palavra e pelo testemunho, para que a fé dos fiéis tenha “vigor e solidez”, que a fé se torne vivência esclarecida.

 

Que, por isso, a catequese seja por todos incentivada e reconhecida como um serviço de especificidade própria, entre os demais serviços pastorais. Que na transmissão da fé em diversas etapas, desde o anúncio querigmático à instrução iluminadora, esse precioso ministério, exercido por testemunhas de fé profunda, por “testemunhas de santidade” (como escreve o Papa), por mestres com maturidade humana, por acompanhantes fraternos, de participação ativa na comunidade, seja reconhecido como um serviço eclesial estável. Tudo é graça. Tudo é dom do Espírito Santo. A gente sente a vibração com que o Papa escreve, parecendo ter diante dos olhos, num quadro vivo, o que ele chama de “exército de catequistas”, “multidão incalculável de leigos e leigas”, Ordens Religiosas, “longa série” de testemunhas do Evangelho através dos séculos da história da Igreja.

 

No meio do texto do Motu proprio, uma frase também muito importante do Papa é quando fala do papel dos pais na educação da fé dos filhos. São os primeiros a catequisar. Conhecemos os livros que o Papa tem escrito sobre a família e sua função imprescindível na transmissão da fé, seus livros e suas catequeses.

 

Inspirações em Jesus e na Tradição

 

Em seguida, recorda os esforços que sempre, mas especialmente nestes preciosos tempos pós-Concílio Vaticano II, se têm realizado e continuam se realizando, do que são exemplo os sucessivos Diretórios, os Documentos Pontifícios, entre os quais o Papa destaca Catechesi Tradendae, de João Paulo II, as orientações das Conferências Episcopais, os Catecismos: o comum para toda a Igreja Católica, os nacionais e locais. A fonte inspiradora de todo esse esforço de ensinar para que a fé dos fiéis adquira sempre mais “vigor e solidez”, está antes de mais nada no exemplo de Jesus, como lemos nos quatro evangelhos, em São Paulo, nos Santos Padres e Doutores da Igreja, enfim, em toda a tradição cristã.

 

A catequese concreta de Francisco

 

E aqui lembramos, com muita gratidão, o exemplo que o próprio Papa Francisco nos dá, não só por seu ensino oral, por suas catequeses, mas, de maneira toda especial, por seus gestos catequéticos, proféticos, tão admirados, desde os primeiros meses de seu pontificado, com o que surgiu uma bela bibliografia sobre esses gestos de Francisco.

 

Lembremos o seu rosto sorridente, a simpatia comunicativa, feliz, que sempre transmite no encontro com as pessoas. E seu rosto sério, recolhido, concentrado, quando celebra a missa. Lembremos gestos como o daquele dia, já nos primeiros meses de seu pontificado, quando desceu do carro que o transportava pela Praça São Pedro, no meio de uma multidão de fiéis, e foi abraçar e beijar aquele homem doente, de corpo inteiramente deformado e ferido, ou quando lavou, enxugou e beijou os pés a detentos numa prisão numa cerimônia do lava-pés de Quinta-feira Santa, e tantos semelhantes exemplos. Por exemplo, mais um: quando ainda era arcebispo de Buenos Aires, numa missa com as Mães da Praça de Maio, rezando pelos filhos desaparecidos na ditadura militar, vendo uma mãe chorando inconsolável, sentada num dos bancos da igreja, ele interrompeu a missa, deixou o altar e foi sentar ao lado daquela senhora, colocou o braço sobre o ombro dela e procurou consolá-la.

 

 

 

Pois bem, é este o Papa que nos entrega seu Motu proprio sobre o santo ministério dos catequistas leigos e leigas. É das mãos dele que somos convidados a receber o Motu proprio.

 

Irmão Cecchin

 

Assim como iniciei estas reflexões lembrando o Pe. Reus, de batina preta, sentado sobre o cavalo e indo dar catequese em mais alguma das escolas no município de São Leopoldo nos idos de 1913, desejo encerrar estas reflexões com a lembrança de outro ícone catequético que sempre nos empolgou, com quem sempre aprendemos muito, e que, infelizmente, nos deixou há poucos anos: o irmão marista Antônio Cecchin. Ele era “um dos nossos”, nas lides pastorais na grande Porto Alegre e pelo Rio Grande.

 

Sempre disponível. Mergulhado até o peito na realidade gaúcha, brasileira e latino-americana, era de uma incansável capacidade de doação. Era um catequista em todo o seu perfil, de alto a baixo (e era bem alto de estatura!), nas palavras e nas obras. Catequista num sentido bem vasto, abrangente. Transmitia a vibração evangélica de que vivia, sonhando sempre, incentivando, planejando, resistindo diante de contradições.

 

Foi um mestre catequético. Morreu aos 89 anos, quando já merecia descansar e receber o galardão, mas, achávamos que ainda não devia ter morrido. Sua voz calou, voz que não era forte, não era um vozeirão, mas ecoava na gente, como convocação: “S’imbora!” foi o estimulante título que deu a seus livretos catequéticos.

 

 

 

O que o caracterizava era o fogoso alcance político que perpassava toda a sua atuação. Havia dentro dele um grande projeto político de libertação. Seus gestos, suas palavras, tinham uma base, um chão concreto no cotidiano de sua catequese: entre a população da região das ilhas do Guaíba, na periferia de Porto Alegre. Mas seus longos braços como que abraçavam a amplidão e se estendiam aos Acampados Sem Terra, para a participação ativa nas Romarias da Terra.

 

Seu inesquecível refrão “S’imbora continua a convocar para construirmos um mundo diferente, cristão, humano, em que haja, como entre os primeiros cristãos, acolhida, partilha, participação, sem excluídos e sem necessitados, e onde, como lembrava o irmão Cecchin, referindo-se às Reduções Guaranis, “cada um dá o que pode, e cada um recebe o que precisa”, enfim, um outro mundo, sempre utópico, mas sempre possível. A catequese deve ser tudo isso.

 

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