Mulheres que “fazem” Igreja

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09 Março 2021

 

"A recepção da palavra teológica das mulheres abrirá novas perspectivas interpretativas da experiência da fé cristã e da compreensão eclesial: a teologia não se formula independentemente do contexto, da condição de vida, da história, da tradição da qual participa o teólogo/a", escreve Serena Noceti, teóloga, eclesióloga e vice-presidente da Associação Teológica Italiana (Ati), em artigo publicado por Settimana News, 08-03-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.

Trecho retirado de Serena Noceti, “Donne che “fanno” Chiesa. Via per una possibile e necessaria corresponsabilità”, em Orientamenti Pastorali [2020]. Retirado do site do Centro di Orientamento Pastorale (Roma).

 

Eis o artigo. 

 

Várias vezes no documento final do Sínodo sobre a Amazônia (2019) são lembrados o "papel central, de suma importância" e a liderança das mulheres na vida pastoral das igrejas da região pan-amazônica.[1] Uma observação que levou muitos, leigos e bispos, a pedir para abrir os ministérios instituídos do leitorado e do acolitado às mulheres, superando a atribuição apenas aos homens conforme afirmado em Ministeria quaedam, e deu esperança a outros por uma retomada da pesquisa sobre a ordenação de mulheres ao diaconato.

O Papa Francisco, desde o início de seu pontificado, mostrou atenção ao necessário reconhecimento da subjetividade das mulheres para a vida e renovação da Igreja: o documento programático do pontificado Evangelii gaudium prevê a necessária escuta das mulheres e seu envolvimento ativo (nos n. 103-104); são numerosas as nomeações de mulheres em cargos importantes no Vaticano; aumentou o espaço dado nos contextos participativo-decisório, como os sínodos ou a sua preparação.[2]

Ao mesmo tempo, é inegável que, embora haja sinais de maior envolvimento, ainda nos encontramos diante de um reconhecimento parcial da subjetividade das mulheres como elemento estruturante da vida eclesial como um todo.

Corresponsabilidade

"Vejo o surgimento de tempos em que não haverá mais razão para subestimar espíritos virtuosos e fortes simplesmente porque pertencem às mulheres":[3] assim escrevia Teresa de Ávila, empenhada em uma árdua e contestada tarefa de reforma no Igreja. Ainda hoje, 500 anos depois, essas palavras ressoam como apelo profético, ao reconhecimento real das mulheres e à necessária transformação eclesial. De que forma podemos contribuir para a mudança? Que passos são necessários para que a subjetividade das mulheres seja reconhecida segundo uma linha de corresponsabilidade para a Igreja?

O que está em jogo não é tanto a reivindicação de direitos para as mulheres; nem podemos limitar-nos a uma ideia de "igualdade" como perspectiva básica, pensando em estratégias implementadas a favor do grupo "desfavorecido" das mulheres (eliminação das causas da marginalização, promoção da participação). Essas etapas são relevantes, mas não suficientes. Trata-se de trabalhar não tanto ou apenas pelas mulheres, mas sim atuar pela transformação mais ampla da Igreja, partindo precisamente da promoção de espaços, de oportunidades significativas, de "cooperação entre homens e mulheres" e do exercício da "corresponsabilidade".

Os modelos de relações e de organização social precisam ser repensados, adotando políticas adequadas de "igualdade de oportunidades" para todos os sujeitos sociais: a solução não está em integrar as mulheres nas estruturas existentes, mas em transformar relações e estruturas desiguais para permitir uma participação justa de todos. Mais especificamente, no plano da visão antropológica, se tratará de pensar sobre o que ainda parece ser um verdadeiro ponto de repressão: o tema da masculinidade [4] e a relação entre masculinidade-poder-sagrado.

Diferença de gênero

Em segundo lugar, ao nível da estruturação das relações eclesiais, a partir de uma análise das formas de diferença de gênero no contexto educacional, participativo, celebratório e decisório, parece necessário trabalhar para eliminar aqueles gargalos que impedem o cumprimento da vocação batismal das mulheres e promover experiências corajosas e antecipatórias da mudança intuída.[5]

A possibilidade de rever o que está estabelecido em Ministeria quaedam e implementado no Código de Direito Canônico, segundo o qual os ministérios instituídos de leitorado e acolitado são reservados apenas para homens, com acesso também para mulheres, vai nesse sentido.[6]

A presença de mulheres nos percursos de formação do clero, iniciais e permanentes; a criação de equipes pastorais mistas, compostas por homens e mulheres com diversos ministérios, carismas e vocações; a contratação de mulheres em tempo integral para a animação pastoral das paróquias, para a direção da pastoral diocesana ou em nível nacional, são modalidades facilmente realizáveis de transformação da estrutura e da mentalidade eclesial, com forte valor simbólico e funcional.

Teologia e diaconato

Em terceiro lugar, a recepção da palavra teológica das mulheres abrirá, sem dúvida, novas perspectivas interpretativas da experiência da fé cristã e da compreensão eclesial: a teologia não se formula independentemente do contexto, da condição de vida, da história, da tradição da qual participa o teólogo/a.

Por fim, o tema da ordenação diaconal de mulheres deve ser retomado e debatido o quanto antes: uma figura ministerial que a Tradição da Igreja dos primeiros séculos nos atesta pode ser restaurada hoje em relação às novas necessidades pastorais e às inéditas formas de subjetividade das mulheres.[7]

A Igreja é chamada hoje não só a refletir sobre a mulher, sobre a "questão feminina", mas sobre a sua própria forma de comunidade de crentes, homens e mulheres (cf. Gl 3, 26-30), a questionar-se sobre o evangelho a anunciar, sabendo que o que está em jogo é o exercício da sua missão e a sua face pública, como o próprio Papa Francisco nos exorta a fazer (EG 103-104), na consciência de que o homem e a mulher, juntos, são e fazem Igreja, de acordo com sua especificidade de gênero, com seu peculiar carisma e ministério.

Trecho retirado de Serena Noceti, “Donne che “fanno” Chiesa. Via per una possibile e necessaria corresponsabilità”, em Orientamenti Pastorali [2020]. Retirado do site do Centro di Orientamento Pastorale (Roma).

 

Referências 

[1] Cf. S. Noceti, “Una Chiesa tutta ministeriale. Il sinodo per l’Amazzonia e la riflessione sui ministeri che ‘fanno chiesa’”, in Urbaniana University Journal 73(2020) II, 117-148.

[2] Cf. S. Noceti, “Per una Chiesa inclusiva (EG 103-104). Principi di una re/visione ecclesiologica”, in K. Appel – J.H. Deibl (ed.), Misericordia e tenerezza. Il programma teologico di papa Francesco, San Paolo, Cinisello B. 2019, 363-376.

[3] Teresa de Ávila, Caminho da perfeição, IV, II

[4] Cf. S. Ciccone, Essere maschi. Tra potere e libertà, Rosenberg & Sellier, Torino 2009.

[5] Cf. S. Noceti, "Il rapporto uomo-donna: le evidenze culturali odierne e le ricadute ecclesiologiche”, in Rivista Liturgica 104(2017), 13-28.

[6] Apenas três meses após a publicação deste artigo, em 21 de janeiro de 2021 o Papa Francisco estabelecia com um motu próprio que os ministérios do leitorado e acolitado fossem a partir daquele momento abertos também às mulheres, de forma estável e institucionalizada com um mandato específico.

[7] C. Simonelli - M. Scimmi, Donne diacono? La posta in gioco, Messaggero, Padova 2016; Cf. o volume coletivo editado por S. Noceti, Diacone. Quale ministero per quale chiesa?, Queriniana, Brescia 2017; Ph. Zagano, “Giustizia per la vita della parrocchia. Ripristinare il diaconato ordinato femminile”, in Concilium 53(2017), 345-354; Ph. Zagano, Holy Saturday: An Argument for the Restoration of the Female Diaconate in the Catholic Church, Crossroad, London 2000; S. Martínez Cano – C. Soto Varela (ed.), Mujeres y diaconado. Sobre los ministerios en la Iglesia, Editorial Verbo Divino, Estella 2019.

 

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