03 Novembro 2020
Se o padre é apresentado como a figura de Cristo Cabeça, por que não imaginar que ele possa estar sujeito, como Jesus, às tentações no deserto? Vejamos... com um pouco de humor e caricatura...
O comentário é de Jean-Luc Lecatin, em artigo publicado por Garrigues et Sentiers, 28-10-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis então Satanás que leva vocês, vocês padres, ao centro de uma reunião dominical; e vos pergunta: “Vocês que se dizem configurados a Cristo Cabeça, se sentem seduzidos pela ideia de serem os únicos que podem transformar o pão no corpo de Cristo? Vocês querem continuar a ser os únicos dignos e aptos a reunir os fiéis em volta da mesa do Senhor? Não é maravilhoso ser os únicos que podem dar o perdão de Deus? Não é evidente que as mulheres devem ser excluídas?"
E vocês poderiam responder: “Nós, padres, não aceitamos tais propostas, mesmo que as tenhamos aceito durante séculos! Não queremos mais nos apropriar dos poderes que são de todos”.
Então Satanás procura outra coisa para vos tentar! Aqui está, nesse período repleto de escândalos da Igreja (sexo, poder, dinheiro), Satanás, diante de uma imensa multidão reunida, novamente vos provoca: “Vocês que se dizem representantes de Cristo, se quiserem, podem continuar a usufruir de influência e autoridade sobre a maioria desses seres humanos. Não é extraordinário vê-los suspensos a seus lábios? Não é inebriante proclamar-vos especialistas em humanidade, detentores da verdade e do erro, especialistas naquilo que Deus quer ou não quer? ...” E vocês respondem a esse Satanás sedutor: ”Não entendeu nada! Podemos ter nos deixado seduzir por todas essas grandezas e poderes, mas desta vez, Satanás, você não vai nos pegar! Não fomos instituídos para dominar, nem para esmagar os outros com a nossa superioridade, estamos aqui para servir, para nos colocar em relação, para permitir que cada mulher e cada homem acredite em si próprio e se sinta protagonista! Estamos em caminho com todos os batizados ... como todos os seres humanos, nem mais nem menos!”.
Mais uma vez, Satanás não aceita a derrota! E sussurra no fundo do coração dos padres: “Mas vocês, que se consideram sinal de Cristo Cabeça, não querem continuar a fruir dos privilégios e honras atribuídos ao vosso estado? Vocês não têm sede de respeito e admiração, às vezes até servil, devido ao seu ofício? Não é embriagante essa escuta e essa obediência temerosa ou resignada de todos os batizados? E a vossa autoridade, a pompa e a consideração, não seria frustrante renunciar a isso? Vocês não têm vontade, gosto e orgulho de continuar a usufruir disso tudo?"
E vocês, padres, respondem gritando: “Para trás Satanás!! Seus pensamentos, suas solicitações são todas oneradas pelo interesse, pelo orgulho, pelo prazer do domínio! Não têm nada a ver com o desígnio de Jesus que pensamos que devemos viver! São apenas miragens, desejos de grandeza e ilusão de ser mais que os outros, diferente dos outros ... Vá embora! Chega!"
"Caramba, como resistem esses padres", exclama Satanás. “Mas vocês vão ver, eles não vão resistir muito mais! Tenho uma arma segura: os fiéis, seus devotos paroquianos e tantas vezes bajuladores ...”.
“Sim”, argumenta Satanás novamente, “vocês padres, continuam a se deixar sacralizar e adormecer por todos esses laicos que vos rodeiam, tão felizes por cuidar de vocês (“Precisa de alguma coisa, Sr. pároco?”, “ Padre, o que posso fazer pelo senhor?”, “Não devemos incomodá-lo, ele tem tantas coisas para fazer!", "A vida dele não é fácil, principalmente porque ele está sozinho!"...). "Aqui estão", exulta Satanás, “os meus melhores aliados! Os fiéis! Eles realmente querem que vocês continuem sendo os padres que eles sempre conheceram"... "Vamos lá, leigos, continuem a sacralizar e superproteger os vossos padres para que eu possa mantê-los sob meu poder!"
E vocês, padres, ficam assombrados. “Satanás, chega! Saia! Pare com seus enganos! E vocês, irmãos e irmãs, chamados laicos, batizados como nós, não se deixem enganar pelo pseudo respeito que vocês nos devem, nem por uma consideração infantilizante: somos seres humanos como vocês, apaixonados por Jesus Cristo. Ousem nos contradizer, nos contrariar, ousem ser vocês mesmos! Não tenham medo de fazer o contrário do que gostaríamos ou esperamos, mas aceitem nos escutar, sem se deixar acorrentar pelas nossas palavras e pelas nossas escolhas! Somos todos, vocês e nós, seres humanos batizados em caminho, em busca de vida e de humanidade! Paz e liberdade a vocês!”.
Tendo exaurido todas as formas de tentação, o diabo vai embora.
“Jesus, fica conosco! Nessa jornada cheia de tempestades, ondas, gritos, instabilidade e turbulência, venha em nosso auxílio! Não nos deixe naufragar! Abra-nos mais ao nosso século, ao nosso mundo de hoje, aos seus valores e necessidades! Permita que vivamos essa aventura, batizados com os batizados! Dai-nos o pão de cada dia! Livrai-nos do maligno”.