Sete anos de Francisco: sonho e profecia. Artigo de Marcello Neri

Mais Lidos

  • “A destruição das florestas não se deve apenas ao que comemos, mas também ao que vestimos”. Entrevista com Rubens Carvalho

    LER MAIS
  • Povos Indígenas em debate no IHU. Do extermínio à resistência!

    LER MAIS
  • “Quanto sangue palestino deve fluir para lavar a sua culpa pelo Holocausto?”, questiona Varoufakis

    LER MAIS

Revista ihu on-line

Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

Edição: 552

Leia mais

Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

Edição: 551

Leia mais

Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

Edição: 550

Leia mais

10 Março 2020

O dia 13 de março marca o sétimo aniversário da eleição de Bergoglio como bispo de Roma. Por ocasião da data, a editora EDB publicou o livro “Profezia di Francesco. Traiettorie di un pontificato” [Profecia de Francisco. Trajetórias de um pontificado], com contribuições de D. Menozzi, P. Sequeri, S. Morra, P. Benanti, A. Zani e K. Appel.

Trata-se da abordagem de um caminho realizado pela província dehoniana do norte da Itália que havia dedicado a esse tema a “Semana de Formação Permanente” em 2018.

A redação do Settimana News, 08-03-2020, apresenta o livro publicando a introdução, escrita pelo teólogo e padre italiano Marcello Neri, professor da Universidade de Flensburg, na Alemanha.

A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

O alívio histórico do pontificado de Francisco é frequentemente coberto pelo zumbido dos murmúrios da oposição, pelos disparos antiaéreos lançados pelos seus estrênuos defensores e pelo desânimo daqueles que imaginavam uma repentina e verticalista transformação dogmática e canônica do corpo da Igreja.

Na disposição dos fronts que caracterizam hoje a Igreja Católica, o que corre o risco de se perder é precisamente o senso histórico de um ministério petrino determinado a fazer as contas evangelicamente com uma mudança de época que já começou há muito tempo.

Porque o ponto de ruptura em relação aos seus dois antecessores não está tanto, ou não apenas, na visão da Igreja, mas, acima de tudo, na consciência histórica do fim de alguns processos seculares e do início de outros que estão levando a transformações profundas da socialidade humana e da antropologia moderna.

Francisco age e pensa a Igreja precisamente a partir dessa consciência incômoda: a modernidade, como europeização do mundo e tudo o que isso inclui, já acabou há quase um século (P. Prodi).

Com essa modernidade, a Igreja instruíra uma relação dialética, que fez a sua história configurando as suas principais instituições que a marcaram e a moldaram. Em virtude dessa dialética, constitutiva e constitucional ao mesmo tempo, o fim da modernidade também significa chegar ao término de uma época da Igreja Católica.

O fim da modernidade

Em suma, em comparação com João Paulo II e Bento XVI, Francisco não pensa e não age mais como se a modernidade ainda existisse; e, portanto, começa a delinear uma visão da Igreja e do catolicismo coerente com a efetividade histórica dentro da qual eles projetam a sua fidelidade ao evangelho do Reino e à criação desejada por Deus. Fidelidade que não pode mais ser unívoca e uniforme, a mesma e idêntica onde quer que a fé se encontre sendo vivida no cotidiano dos homens e das mulheres de hoje.

Desde o início, a adesão comum à história de Jesus, como presença palpável do cuidado incondicional de Deus pela criação e pelas suas criaturas, pode ser efetivamente tal somente na medida em que se despedaça em uma série de relatos constitutivamente abertos sobre a retomada da fé e da sua imaginação, que os conjuga em contextos culturais e sociais extremamente diferentes entre si.

A decisão de Francisco é exatamente esta: apoiar a saída da Igreja Católica da luta contra os moinhos de vento da modernidade, reativando, no coração institucional da Igreja, a dinâmica original da notícia evangélica de Deus. Por muito tempo, a condição histórica permitiu que o catolicismo latino (aquele que se espalhou por todo o mundo) construísse um aparato conceitual, institucional, canônico e pastoral que podia renunciar formalmente ao corpo a corpo cotidiano com as Escrituras testemunhais.

O tempo novo

A intuição à qual Francisco permanece firmemente ancorado não é apenas o fato de que essa tática de ocultação não funciona mais, mas que a sua reproposição em uma nova condição histórica faria com que a Igreja Católica corresse o risco de se transformar em uma espécie de seita eletiva, por um lado, e em um agrupamento caracterizado por uma etnia cultural, por outro.

Tudo isso às custas daquela destinação universal e hospitaleira da fé, que é a razão (divina) da existência da Igreja Católica. Não há abertura, gesto, intenção, processo, expectativa no ministério de Francisco que não se enquadre no espaço luminoso desta persuasão fundamental: a hospitalidade do divino cristão tem o dever de cuidar da justiça e da dignidade da existência humana sobre a terra desejada por Deus – sem distinções e sem pré-seleções. Todos, indiscriminadamente, são os destinatários dessa boa notícia; e é dever da fé fazer com que possam percebê-la exatamente como tal.

Sem ingenuidade alguma, porque Francisco sabe muito bem que as potências mundanas se alimentam do gozo perverso de contradizer esse desejo de destinação do Reino de Deus. Mas, com a teimosia evangélica, recusa-se a deixar a elas a última palavra, travando uma batalha em favor da justiça que deve ser feita ao humano, sem a qual a sua dignidade corre o risco de permanecer apenas como uma declaração de intenções, que se expõe à ira e à vingança daquelas mesmas potências.

Firme no leme

E aqui, na brecha desse confronto de armas brancas, Francisco permanece bem firme, intercedendo por todos, especialmente por aqueles que são descartados sem piedade alguma pela lógica do gozo ilimitado de lucros especulados sobre o destino dos mais fracos e frágeis.

Atrair sobre si a violência das potências – e a de uma oposição eclesial que parece não se dar conta do risco de se colocar a seu serviço –, para que todos possam ter uma vida em abundância e aspirar à justiça esperada, é o pano de fundo cristológico ao qual o ministério petrino nunca deveria abrir mão.

Podemos ou não concordar com Francisco sobre muitas coisas, mas é exatamente isso que ele está fazendo por nós – independentemente daquilo que nós pensamos dele.

Por isso, o seu ministério merece ser compreendido e apoiado, enquanto assumimos o fardo daquela parte que ele não desempenha por nós, porque só pode ser realizada do modo desejado por Deus, mediante as práticas da nossa fé mais pessoal.

Nessa ótica, pareceu-nos oportuno reunir no livro que o leitor tem em mãos as conferências proferidas durante a Semana de Formação Permanente da Província Dehoniana do norte da Itália sobre o tema da “Profecia de Francisco”.

Capa do Livro "Profezia di Francesco" (Foto: Divulgação Settimana News)

Como aquela semana, este livro também não olha para o passado, mas para o tempo que vem: estar à altura da intenção evangélica de um pontificado também nos tempos em que ele será uma história que nos precedeu.

Leia mais

Comunicar erro

close

FECHAR

Comunicar erro.

Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

Sete anos de Francisco: sonho e profecia. Artigo de Marcello Neri - Instituto Humanitas Unisinos - IHU