Sínodo de 2018. Palavras jovens e procedimentos velhos. Artigo de Andrea Grillo

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08 Outubro 2018

“Conceber um ‘direito a voto’ estendido também para algumas mulheres presentes no Sínodo não é ‘mudar o evangelho’, mas começar a compreendê-lo melhor. Significa incluir o povo de Deus – precisamente todo ele, sem discriminações – nos processos decisórios do caminho eclesial.”

A opinião é do teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma, do Instituto Teológico Marchigiano, em Ancona, e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Giustina, em Pádua.

O artigo foi publicado em Come Se Non, 06-10-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Com a abertura da XV Assembleia Ordinária do Sínodo dos Bispos sobre o tema “Os jovens, a fé e o discernimento vocacional”, já vimos em ação uma espécie de “deslocamento temporal” da assembleia.

Por um lado, como já se tornou tradição recente nas últimas assembleias ordinárias e extraordinárias, o Papa Francisco, na homilia inicial, já “deu o tom” dos trabalhos e fez isso como “melhor teólogo”. Elegância de palavra, amplitude de olhar e força de pastor se sobrepuseram, criando as melhores premissas para o trabalho na assembleia. Nota-se, em particular, o “fôlego conciliar” do texto.

A memória rejuvenesce e faz sonhar

Particularmente, chama a atenção a estrutura virtuosa da parte final da homilia. Para se dirigir aos jovens, Francisco evoca a si mesmo – em comunhão com os bispos reunidos – quando era jovem. Relato por inteiro esse texto literal e afetivamente de grande valor, em que o Concílio Vaticano II é relembrado com solenidade e participação:

“Padres sinodais, muitos de nós éramos jovens ou dávamos os primeiros passos na vida religiosa, enquanto terminava o Concílio Vaticano II. Aos jovens de então, foi dirigida a última mensagem dos Padres conciliares. Fará bem para nós repassar novamente com o coração aquilo que ouvimos quando jovens, recordando as palavras do poeta: ‘Que o homem mantenha aquilo que, quando criança, prometeu’ (F. Hölderlin).

“Assim nos falaram os Padres conciliares: ‘A Igreja, durante quatro anos, trabalhou para rejuvenescer o próprio rosto, para corresponder melhor ao desígnio do seu Fundador, o grande Vivente, o Cristo eternamente jovem. E, ao término dessa importante ‘revisão de vida’, ela se dirige a vocês. É para vocês, jovens, especialmente para vocês, que ela, com o seu Concílio, acendeu uma luz, que ilumina o futuro, o futuro de vocês. A Igreja deseja que a sociedade que vocês se preparam para construir respeite a dignidade, a liberdade, o direito das pessoas: e essas pessoas são vocês. (…) Ela tem confiança (…) que vocês saberão afirmar a fé de vocês na vida e naquilo que dá um sentido à vida: a certeza da existência de um Deus justo e bom. É em nome desse Deus e do seu Filho Jesus que nós os exortamos a alargar os seus corações segundo as dimensões do mundo, a entender o apelo dos seus irmãos e a pôr corajosamente as suas energias juvenis a seu serviço. Lutem contra todo egoísmo. Recusem-se a dar livre curso aos instintos da violência e do ódio, que geram as guerras e o seu triste cortejo de misérias. Sejam generosos, puros, respeitosos, sinceros. E construam com entusiasmo um mundo melhor do que o atual! (Paulo VI, Mensagem aos jovens ao término do Concílio Vaticano II, 8 de dezembro de 1965).

“Padres sinodais, a Igreja olha para vocês com confiança e amor.”

Ouvindo essa passagem, um católico poderia se perguntar: em que ano estamos? Talvez em 2118?

Procedimentos tornam-se velhos e inadequados

Mas, ao mesmo tempo, após o relatório introdutório bastante formal e genérico, ouvindo as discussões sobre as preciosas questões processuais, que sempre qualificam uma grande assembleia eclesial, foram levantadas razoáveis questões, que não podem ser contornadas de modo algum e que eu gostaria de resumir assim:

a) Como é evidente, o Sínodo “dos bispos” tem os bispos como sujeitos;

b) A inclusão de sujeitos diferentes, na qualidade de “auditores” e “especialistas”, constitui uma valiosa novidade, introduzida a partir do Concílio Vaticano II e que qualificou as assembleias ao longo do tempo;

c) Os critérios da escolha desses “auditores” evidentemente são bastante variados e, de algum modo, também inevitavelmente arbitrários. Às vezes, aconteceu que os “leigos” presentes fossem apenas minimamente representativos da realidade eclesial na sua complexidade real;

d) Por outro lado, se o direito a voto foi concedido a sujeitos não episcopais, subordinando-o, porém, ao sexo masculino, isso é uma questão de inadequação dos regulamentos sinodais em relação à afirmada exigência de reconhecer a autoridade feminina dentro de uma experiência eclesial realmente sinodal. Uma espécie de interferência, como um rumor de fundo, entre “compreensão do ministério ordenado” e “colegialidade sinodal do povo de Deus” tende a frustrar a saída da Igreja de um modelo ainda clerical e autorreferencial demais, do qual o Papa Francisco pede para se libertar;

e) O pedido de uma “presença com direito a voto” por parte das mulheres – mas também por parte de muitos homens – nada mais é do que a aquisição de uma Igreja que, valorizando o ministério episcopal na sua irredutibilidade a outro, pode concebê-lo não apenas “na frente” ou “no meio”, mas também “atrás” e “no fundo” do povo de Deus, que, na sua articulação de homens e mulheres, e precisamente graças a essa articulação, tem um “fato” para a verdade, que os bispos devem saber ouvir e seguir. Um dos modos dessa escuta é lhe dar “palavra” e “voto”;

f) Ouvir verdadeiramente esse “povo de Deus”, masculino e feminino, significa dar a ele, nas formas e na medida possível e mais adequada, as mesmas oportunidades de expressão e de determinação, sem discriminar em razão do sexo; se até mesmo a um único homem, não ordenado, foi concedido o voto, não se vê por que a uma mulher, igualmente qualificada religiosa e eclesialmente, ele deva ser negado.

Assim, enquanto ao ouvir o papa podemos pensar que estamos muito à frente no tempo, até mesmo em 2118, lendo os regulamentos e os procedimentos sinodais, poderíamos pensar que voltamos para 1918, a uma condição de “inferioridade feminina” na impossível expressão do voto.

Conceber um “direito a voto” estendido também para algumas mulheres presentes no Sínodo – nas formas e nos limites que valem para todos os outros membros “não ordenados ao episcopado” – não é “mudar o evangelho”, mas começar a compreendê-lo melhor. Significa incluir o povo de Deus – precisamente todo ele, sem discriminações – nos processos decisórios do caminho eclesial.

Para uma Igreja que, justamente, se diz interessada em “abrir processos”, essa inclusão parece ser totalmente qualificante: nos limites de uma óbvia e necessária distinção entre bispos e não bispos, sem “sufrágio universal”, não conseguiremos ser verdadeiramente católicos.

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