Intervenção com militares no Rio é “licença para matar”, diz Conselho Nacional dos Direitos Humanos

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20 Fevereiro 2018

O Conselho Nacional de Direitos Humanos classificou como uma “licença para matar” a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro. Em nota divulgada na tarde desta segunda-feira (19), o colegiado afirma que a medida “aprofunda a ruptura com a institucionalidade democrática do país, com o estado de exceção, e traz graves ameaças à estabilidade democrática e, consequentemente, aos direitos humanos”. “Trata-se de uma decisão completamente inadequada e ineficaz”, considera.

A reportagem é publicada por Congresso em Foco, 19-02-2019.

O conselho diz que o histórico das Forças Armadas é marcado pelo aumento no número de violações de direitos humanos, por operar na lógica do “combate ao inimigo”. “Segundo essa lógica, a população negra, pobre e moradora de favelas e periferias é quem tem sido ‘combatida’ pelas tropas do Exército, da Marinha e da Aeronáutica”, destaca o texto.

Falta, na avaliação do colegiado, uma adequada promoção de políticas de segurança pública e de temas sociais, além de um debate prioritário sobre a dignidade humana. Para o conselho, as violações serão maiores por causa da Lei n° 13.491/2017, que define a Justiça Militar da União como o foro competente para julgar os membros das Forças Armadas que cometerem crimes dolosos contra a vida de civis.

“O Decreto de 16 de fevereiro de 2018, do presidente Michel Temer, associado à referida Lei n° 13.481/2017, configuram, portanto, um regime de exceção em tempos de paz, concedendo uma espécie de ‘licença para matar’ aos militares e legitimando uma ‘ideologia de guerra’ como justificativa para eventuais mortes de civis”, critica a nota.

O conselho é um órgão com composição paritária, formado por 11 representantes do poder público e 11 da sociedade civil. Durante a intervenção, que deve se estender até dezembro, o Ministério da Defesa vai pedir à Justiça Estadual do Rio de Janeiro autorização para utilizar mandados coletivos de busca, apreensão e captura no estado enquanto durar a intervenção federal.

Segundo o ministro Raul Jungmann, a proposta foi feita pelo comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas. A medida já foi empregada outras vezes no estado. “Em lugar de você dizer rua tal, número tal, você vai dizer, digamos, uma rua inteira, uma área ou um bairro. Aquele lugar inteiro é possível que tenha um mandado de busca e apreensão. Em lugar de uma casa, pode ser uma comunidade, um bairro ou uma rua”, exemplificou o ministro.

Veja a íntegra da nota do CNDH:

“NOTA PÚBLICA DO CNDH CONTRA A INTERVENÇÃO MILITAR NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

O Conselho Nacional dos Direitos HumanosCNDH, órgão autônomo criado pela Lei nº 12.986/2014, vem manifestar EXTREMA PREOCUPAÇÃO E REPÚDIO à decretação de intervenção militar no estado do Rio de Janeiro, assinada pelo Presidente da República, Michel Temer, por meio do Decreto de 16 de fevereiro de 2018.

A medida, usada pela primeira vez desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, aprofunda a ruptura com a institucionalidade democrática do país, com o estado de exceção, e traz graves ameaças à estabilidade democrática e, consequentemente, aos direitos humanos.

Diante da grave situação de violência vivida pelas comunidades, a decisão por maior militarização do Estado, por meio da intervenção das Forças Armadas na segurança pública do Rio de Janeiro, sob o comando do interventor General Walter Souza Braga Neto, trata-se de uma decisão completamente inadequada e ineficaz.

A atuação das Forças Armadas é historicamente marcada pelo aumento do número de violações de direitos, operando na lógica do “combate ao inimigo” e, segundo essa lógica, a população negra, pobre e moradora de favelas e periferias é quem tem sido “combatida” pelas tropas do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.

A falsa solução de emprego das Forças Armadas como uma pretensa justificativa para o enfrentamento ao tráfico de entorpecentes sob o enfoque de “guerra às drogas”, agora está sendo utilizada de forma autoritária e ostensiva para o combate à violência e insegurança no estado, sem a busca por uma estratégia de combate ao crime organizado, sem a adequada promoção de políticas de segurança pública e de temas sociais e sem o debate prioritário sobre a dignidade humana.

As abordagens às moradoras e moradores, cidadãs e cidadãos, trabalhadoras/es, negras/os e vulnerabilizadas/os, especialmente mulheres e crianças, com o emprego de violência e força desproporcional, só revelam o desacerto do uso das Forças Armadas no policiamento ostensivo, que se soma à mesma lógica empregada pela Polícia Militar desse estado que, entre 2010 e 2016, resultou em 4.362 mortes decorrentes de ação policial.

As violações de direitos humanos serão ainda mais agravadas pela possibilidade de impunidade resultante da Lei n° 13.491/2017, que define a Justiça Militar da União como o foro competente para julgar os membros das Forças Armadas que cometerem crimes dolosos contra a vida de civis. A Justiça Militar é corporativa e não detém autonomia em relação às Forças Armadas. Os tribunais militares são compostos, majoritariamente, por militares da ativa, subordinado às altas patentes.

Assim, dada a sua composição e organização, a Justiça Militar não é isenta para processar os crimes graves praticados por militares contra civis. O Decreto de 16 de fevereiro de 2018, do presidente Michel Temer, associado à referida Lei n° 13.481/2017, configuram, portanto, um regime de exceção em tempos de paz, concedendo uma espécie de “licença para matar” aos militares e legitimando uma “ideologia de guerra” como justificativa para eventuais mortes de civis.

Ademais, o CNDH reitera seu repúdio ao uso das Forças Armadas para reprimir de forma brutal as manifestações populares legítimas, como aconteceu no dia 24 de maio de 2017, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, em protesto social contra a retirada de direitos constitucionalmente assegurados.

De maneira recorrente, o Estado brasileiro tem se negado a dialogar com comunidades e movimentos sociais que protagonizam a luta por melhorias sociais e, com rigidez e violência crescentes, trata os grupos populares como criminosos, por meio da repressão policial e da prisão de seus militantes. Com o mencionado Decreto Presidencial, acende-se um alerta quanto ao agravamento da restrição à liberdade de expressão e repressão às lutas sociais.

O CNDH exige dos órgãos do Governo Federal e do Estado do Rio de Janeiro, Defensoria Pública e Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, que apresentem relatório e prestem contas sobre a atuação das Forças Armadas já realizada no Estado e reafirma que qualquer mecanismo de solução da crise na segurança pública das unidades da Federação deve ser discutido amplamente com a sociedade, tendo como prioridade a adoção de instrumentos democráticos.

O Conselho buscará, de maneira firme e autônoma, aprofundar o debate e deliberar por ações, em âmbito nacional e internacional, para fortalecimento da Democracia e o cumprimento das obrigações previstas na Constituição e em tratados internacionais visando à garantia dos direitos humanos, tanto os civis e políticos, quanto os econômicos, sociais e culturais.

Brasília, 19 de fevereiro de 2018.

CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS – CNDH”

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