Stevam, o ex-morador de rua que acolhe migrantes em Curitiba

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18 Julho 2017

Stevam Gomes Cerqueira Filho trabalha em um guarda-volumes para moradores em situação de vulnerabilidade social. Em palavras mais claras, migrantes e moradores de rua. Espremido numa pequena sala, sua missão é receber e guardar os pertences daqueles que diariamente chegam à cidade com sonhos e esperanças, além das roupas do corpo e dos documentos. Em um enorme saco branco de juta, Cerqueira deposita os bens e anota. “Eu me enxergo em cada um deles”, afirma, voz pausada.

A reportagem é de René Ruschel e publicada por CartaCapital, 17-07-2017.

Nascido em Brasília, aos 12 anos mudou-se com o pai para Barueri, interior de São Paulo, este em busca de oportunidades. Aos 22, saiu pelo mundo sozinho. O desemprego, a falta de perspectiva e o medo da violência o empurraram até Curitiba. A cidade-modelo anunciada pela mídia seria o paraíso que ele tanto sonhava? “Sempre gostei de desenhar e imaginava que a vida cultural aqui pudesse me oferecer oportunidades de aprendizado.”

Instalou-se em São José dos Pinhais, na região metropolitana. Trabalhou como gari e balconista, mas continuava a sonhar com a mudança para a capital. Uma desventura amorosa e uma oferta de emprego em uma fábrica de geladeiras em Curitiba pareciam acenar com uma vida nova. O fim do relacionamento tocou-o, porém, profundamente. “A solidão foi a minha maior inimiga. Entrei em depressão e acabei demitido.”

Com o pagamento da rescisão trabalhista, mudou-se para um pequeno hotel no Centro da cidade. Quando o dinheiro acabou, Cerqueira fez a opção de centenas de outros brasileiros: dormiu nas calçadas e debaixo de marquises e encarou as noites gélidas de Curitiba. No hotel, deixou a maioria dos pertences e sonhos. Encheu duas pequenas mochilas com algumas roupas e material de higiene e perambulou pelas ruas. O acaso o conduzia outra vez.

A primeira opção do brasiliense foi dormir na rodoferroviária. Todas as noites, Stevam se fazia passar por viajante à espera do ônibus e sentava em um banco qualquer. Uma versão verde-amarela do personagem de Tom Hanks no filme O Terminal. Cada dia repousava em um canto diferente, para enganar os seguranças.

Algumas noites ficava sentado ao lado de um telefone público e sonhava com uma ligação que o tirasse daquele inferno. O telefone nunca tocou. Ficou um ano na brincadeira de esconde-esconde, até o dia em que um guarda municipal percebeu e comentou: “Seu ônibus nunca vai chegar”. A frase, como um mantra, ecoa até hoje em sua mente.

O caminho estava traçado. Cerqueira peregrinou por Curitiba durante um ano e meio. Sem jamais perder a esperança, aprendeu que não podia se relacionar apenas com os colegas de rua. Não por preconceito, mas por temer o alcoolismo e as drogas. “Nunca usei drogas. Queria sair daquela situação e lutava desesperadamente contra qualquer tipo de vício.”

Passava o dia a dar informações aos “novatos” sobre albergues e locais onde serviam comida. Depois, engajou-se como voluntário no Movimento da População em Situação de Rua. “Fazia de tudo. Era uma espécie de office-boy, mas mantinha meu tempo ocupado.”

Saiu das ruas pelas mãos de uma assistente social, que o convidou para morar em um alojamento e depois no condomínio social mantido pela prefeitura. “Recomecei minha vida”, recorda. Em seguida, recebeu um convite para trabalhar como guardador de volume em um projeto mantido por uma ONG. “Tenho o poder de auxiliar a todos os que chegam como um dia cheguei.”

Tímido, não se considera um exemplo de vida, mas é capaz de discorrer sobre as dificuldades e encaminhar quem o procura a abrigos ou a repartições onde podem tirar documentos ou procurar emprego. Ativo no movimento, colabora com o informativo A Laje. Publica charges e escreve textos em defesa dos moradores de rua.

O destino do brasiliense é lutar contra as adversidades. Menos de duas horas após conceder entrevista a CartaCapital, ele e centenas de outros colegas receberam uma notícia temida. O prefeito de Curitiba, Rafael Greca, que na campanha eleitoral do ano passado disse ter “vomitado” quando se viu compelido a socorrer um morador de rua, anunciou o fim do convênio com a ONG. Cerqueira espera pela demissão a qualquer momento.

Centenas de colegas de outros projetos foram dispensados pela organização por causa do corte dos contratos. Se for preciso, ele volta para as ruas? “A vida é um eterno desafio, diz. “Se precisar, sim, mas não desisto de lutar pelos que sofrem como eu.”

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