Internet: termos de uso ameaçam princípios de direitos humanos

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03 Junho 2016

Você já se dispôs a ler do começo ao fim aqueles termos de uso que aparecem todas as vezes que entra pela primeira vez em uma plataforma online? A aceitação desses documentos costuma ser a condição para interagir em diversos ambientes na internet. Se o usuário se recusa a clicar naquele checkbox que aparece junto àquele montão de informações descritas nos termos de uso, dificilmente ganha acesso para interagir em serviços de e-mails, redes sociais, sites de compartilhamento de conteúdos e muito mais.

Um grupo de pesquisadores brasileiros do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da FGV Direito Rio decidiu analisar durante um ano 50 termos de uso de plataformas online internacionais que atuam no Brasil, incluindo as políticas de privacidade. 

A reportagem é de Lilian Milena, publicada por Jornal GGN, 03-06-2016.

A avaliação foi realizada para identificar o cumprimento de três requisitos básicos: liberdade de expressão, privacidade dos dados dos usuários e o acesso justo a um devido processo legal em caso de conflito. A conclusão dos pesquisadores foi que praticamente todos os contratos dão margem para desrespeitar esses três princípios de direitos humanos. 

O trabalho completo será divulgado ainda este mês. O Jornal GGN teve acesso às conclusões gerais do estudo, conversando com uma das pesquisadoras do CTS, Jamila Venturini. Ela explica que o primeiro passo metodológico do trabalho foi identificar quais eram os documentos explicitamente mencionados na hora que o usuário se cadastra, incluindo análises de links vinculados ao documento principal e as políticas de cookies (tecnologias incorporadas as plataforma que registram automaticamente atividades dos usuários, como senhas, horários e outras informações do indivíduo que podem ser direcionadas para publicidade). 

“[A partir desse material] a gente desenvolveu uma metodologia que analisou como é o tratamento relativo à liberdade de expressão, à privacidade a proteção e dados pessoais e ao devido processo, ou o acesso à justiça”, explica.

Privacidade

O primeiro ponto negativo apontado por Jamila é que os termos de uso são longos e detalhados, com vocabulário técnico de difícil compreensão. Se por um lado procuram oferecer o máximo de informação, por outro os textos são muitas vezes ambíguos. “Não é difícil você encontrar trechos de um documento afirmando uma coisa e [depois] outro trecho contrariando o primeiro”, ressalta. 

Os contratos também admitem que alguns dados dos usuários são coletados, mas sem especificar quais tipos de informações são recolhidas e como são armazenadas. Jamila também destacou que a maioria dos contratos prevê o rastreamento das atividades dos usuários em outros sites, permitindo que “parceiros” também monitorem as ações dos usuários, sem especificar quais são esses parceiros. 

“Isso deixa o usuário em uma situação de insegurança, porque não fica sabendo quais dados são efetivamente coletados, como são armazenados e com quem eles são ou não compartilhados”, completa a pesquisadora.

Outra cláusula bastante comum dos contratos online é o sobre o compartilhamento de dados com autoridades policiais ou governos. Segundo Jamila, mais de 50% afirma que pode eventualmente compartilhar informações solicitadas por autoridades, mas sem explicitar se vão analisar ou não um eventual pedido feito por uma autoridade à luz da legislação vigente no país. 

“Existe um número grande de plataformas com relação ao compartilhamento de dados com o governo que têm cláusulas contraditórias, ou seja, em um ponto dizem ‘a gente não vai compartilhar’ ou ‘a gente só vai compartilhar se tiver um processo legítimo’, e em outros pontos interpretamos que a linguagem dá margem para algum tipo de compartilhamento sem verificação jurídica concreta”, diz. 

Liberdade de expressão

A principal preocupação para os usuários nesse quesito é a retirada de algum conteúdo ou a exclusão de conta. Jamila afirma que a maioria dos contratos informa as regras de conteúdo, especificando o que é e o que não é permitido ser divulgado naquele espaço. “Por outro lado, geralmente as plataformas reservam para si o direito de retirar conteúdos sem notificar o criador ou a pessoa que compartilhou aquilo originalmente”, e o problema é que ao não oferecer uma notificação, a plataforma impossibilita o direito de a pessoa questionar a retirada do seu conteúdo. 

“As plataformas têm autonomia para determinar quais são os conteúdos que elas querem ou não manter naquele espaço, mas ao mesmo tempo elas têm uma obrigação de respeitar os direitos humanos e de promover a liberdade de expressão online, como já foi reconhecido até por alguns documentos internacionais de liberdade de expressão da ONU, e pelo próprio Marco Civil da Internet”, observou a pesquisadora.

Mas e se a liberdade de expressão ferir frontalmente um outro direito, ou até significar o cometimento de um crime, como o compartilhamento de pornografia infantil? Jamila responde que, obviamente, a liberdade de expressão não é um direito absoluto. “Ele tem que ser equilibrado com outros direitos fundamentais, então pode ser que a retirada imediata de um conteúdo seja necessária, mas isso deve ser estabelecido de um jeito a não permitir a regirada arbitrária ou eventuais abusos”. 

Acesso a um devido processo legal

O primeiro ponto observado pelos pesquisadores é que nem sempre o usuário é informado de mudanças nos termos de uso originais, aceitos no momento em que o internauta decidiu se submeter a contrato daquela plataforma. 

E, em caso de disputas judiciais entre o usuário e a plataforma existem limitações do acesso a justiça como, por exemplo, a necessidade do usuário abrir mão de uma ação coletiva, a imposição de arbitragem como único meio de resolução de um conflito e reservas de jurisdição. “Ou seja, o usuário deverá ir para um tribunal na jurisdição de origem da plataforma e não no país onde o serviço está sendo prestado”. Por exemplo, se uma pessoa alegar que teve um direito violado por uma empresa sediada na Califórnia, terá que abrir um processo lá para ter seu direito respeitado. 

Esse tipo de clausula encontrado em contratos internacionais também fere o Marco Civil da Internet que afirma explicitamente no Artigo 8º que “são nulas as clausulas contratuais que não oferecem como alternativa ao contratante a adoção do foro brasileiro para solução de controvérsias decorrentes de serviços prestados no Brasil”.

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