O homem; as viagens. Carlos Drummond de Andrade na oração inter-religiosa desta semana

Carlos Drumond | Foto: Blog da Causa Operária

11 Setembro 2020

Neste espaço se entrelaçam poesia e mística. Por meio de orações de mestres espirituais de diferentes religiões, mergulhamos no Mistério que é a absoluta transcendência e a absoluta proximidade. Este serviço é uma iniciativa feita em parceria com o Prof. Dr. Faustino Teixeira, teólogo, professor e pesquisador do PPG em Ciências da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora – MG.

 

O homem; as viagens

O homem, bicho da Terra tão pequeno
chateia-se na Terra
lugar de muita miséria e pouca diversão,
faz um foguete, uma cápsula, um módulo
toca para a Lua
pisa na Lua
planta bandeirola na Lua
experimenta a Lua
civiliza a Lua
humaniza a Lua.

Lua humanizada: tão igual à Terra.
O homem chateia-se na Lua.
Vamos para Marte – ordena a suas máquinas.
Elas obedecem, o homem desce em marte
pisa em Marte
experimenta
coloniza
civiliza
humaniza Marte com engenho e arte (...).

Outros planetas restam para outras colônias.
O espaço todo vira Terra-a-terra.
O homem chega ao Sol ou dá uma volta
só para tever?
Não-vê que ele inventa
roupa insiderável de viver no sol.
Põe o pé e:
mas que chato é o sol, falso touro
espanhol domado.

Restam outros sistemas fora
do solar a col-
onizar.
Ao acabarem todos
só resta ao homem
(estará equipado?)
a dificílima dangerosíssima viagem
de si a si mesmo:
pôr o pé no chão
do seu coração
experimentar
colonizar
civilizar
humanizar
o homem
descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas
a perene, insuspeitada alegria
de con-viver.

 

 


Foto: Divulgação Sou BH

Carlos Drummond de Andrade (1902 - 1987): Poeta, contista e cronista mineiro, radicado no Rio de Janeiro, é visto como um dos expoentes da segunda geração do Modernismo brasileiro. Suas palavras traduzem a visão de um individualista comprometido com a realidade social. Além disso, Drummond tematizava a vida e os fatos cotidianos que, ora, focalizava os indivíduos, os amigos, a família, ora o questionamento da existência e da poesia. Trabalhou em vários jornais, entre eles, Correio Manhã e Jornal do Brasil, onde atuou como cronista.  Dono de vasta obra literária, que conta também com textos da literatura infantil, é autor, entre outros: Alguma Poesia (1930), Sentimento do Mundo (1940), A Rosa do Povo (1945), Claro Enigma (1951), Poemas (1959), Lição de Coisas (1962), Boitempo (1968), e Corpo (1984). 

 

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