Pautas de brasilidade especial: Guardem meu lugar no asilo

Por: Marcelo Zanotti | 03 Janeiro 2023

"Sozinho ali, enquanto ficava com a impressão de que a música está morrendo, uma sensação ruim de que ela vai um dia acabar para sempre, viste as péssimas letras e melodias de muita coisa atual... claro, talvez pessimismo bobo meu, uma música veio então à minha cabeça, uma canção daquele cantor que minha mãe dizia que imitava o Teixeirinha no início dos anos 60... José Mendes!", escreve em artigo Marcelo Zanotti, historiador e membro da equipe do IHU.

Eis o artigo.

Essa minha mania de fuxicar o passado, um dia, ainda me leva á loucura ou á rinite irreversível. Estava eu, tranquilo, caminhando pelo centro de São Leopoldo, quando de repente vejo um sebo de discos de vinil. Sabem aqueles olhos do Chaves quando recebe um beijo no rosto da Patty e ficam dois corações piscando? Pois então, assim ficaram os meus. Prontamente entrei e comecei a revirar aquelas pilhas e pilhas de discos, dos mais variados estilos, e, pra quem tem uma coleção com um número razoável de LP’s (aproximadamente 150) como eu, é uma rotina normal.

Tinha de tudo um pouco. Grandes nomes da MPB (Caetano Veloso, João Gilberto, Elizeth Cardoso, Djavan...), grandes nomes da música internacional (The Beatles, Carlos Gardel, Edith Piaf, Lucio Dalla...), e, por fim, em um canto mais escondidinho, grandes nomes da música regional (Teixeirinha, Gildo de Freitas, Os Serranos, Os Monarcas...). Mas, peraí... Ta faltando um nome nessa lista, pensei cá comigo. Sozinho ali, enquanto ficava com a impressão de que a música está morrendo, uma sensação ruim de que ela vai um dia acabar para sempre, viste as péssimas letras e melodias de muita coisa atual... claro, talvez pessimismo bobo meu, uma música veio então à minha cabeça, uma canção daquele cantor que minha mãe dizia que imitava o Teixeirinha no início dos anos 60... José Mendes!

José Mendes nasceu na localidade de Machadinho, no município gaúcho de Lagoa Vermelha, em 20 de abril de 1939. Começou a se interessar pela música aos 14 anos, e desde então viajou o Rio Grande do Sul inteiro, formou inúmeras duplas e trios, mas seu sonho mesmo era conseguir o sucesso solo. Numa dessas viagens, em companhia de Portela Delavy e Luís Muller, ocorreu um episódio que mudaria sua vida. Viajavam de kombi para a realização de um show, quando o carro quebrou e tiveram que pegar um ônibus. A certa altura dois peões começaram a discutir até que um deles, para terminar o assunto falou: "Para Pedro", e tornou a repetir "Pedro, para". Estava dado o mote para ele e Delavy comporem o xote "Para, Pedro". O compacto dessa música vendeu mais de 600 mil cópias e se tornou o disco mais vendido do ano. Dali a carreira só cresceu, com sucessos como "Picaço Velho", "Tristeza" e "Não Aperta, Aparício", entre outras.

Faleceu em 15 de fevereiro de 1974, no auge do sucesso, quando a camionete Veraneio na qual viajava com mais três pessoas, voltando do show em um circo na cidade de Pelotas, colidiu de frente com um ônibus na localidade de Povo Novo, na rodovia Rio Grande-Pelotas. José Mendes estava indo para Santa Vitória do Palmar para fazer um show, mas lamentavelmente nunca chegou lá. Foi sepultado em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, no Cemitério da Irmandade Arcanjo São Miguel.

Sabe que todo esse processo de fuxicar, espirrar, remexer e reconhecer o passado é quase que um balsamo nas mazelas do dia a dia. Se eu pergunto ao meu afilhado de 15 anos quem é José Mendes, ele fica com cara de paisagem. Os streammings da vida tiraram todo o charme, apesar de melhorar a qualidade, de ouvir música. Pegar um LP, ler o encarte, estudar a história do cantor... Isso é ser velho? Então, no auge dos meus 25 anos, guardem por favor meu lugar no asilo.

 

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