''A esquerda deve voltar a falar com os pobres.'' Entrevista com Carlo Petrini

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22 Setembro 2018

Carlo Petrini quer falar sobre o mundo (no Terra Madre – O Salão do Sabor, a criatura global do Slow Food que ocorre a partir desta quinta-feira, 20, até domingo, 23, em Turim, Itália), mas, para fazer isso, parte da Itália e de uma “fatia” da sua história mais recente. “Sim, os anos entre 1955 e 1960. Segundo dados do Instituto Nacional de Nutrição da Itália, esse foi o período em que nós, italianos, comemos do modo mais saudável. As dificuldades da guerra já estavam bastante distantes, enquanto ainda não havia o boom econômico e o consumismo. Hoje não é mais assim. Em 1960, e a Itália certamente não passava fome, nós consumíamos 22 quilos de carne per capita por ano. Agora, subimos para 90. Assim, prejudicamos a nós mesmos e ao ambiente global. Essa é a batalha que vamos lançar aqui no Salão: convencer os italianos a reduzir em 50% o consumo de carne.”

A reportagem é de Ettore Boffano, publicada por Il Fatto Quotidiano, 20-09-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis a entrevista.

Bem, Petrini, temos toda a entrevista para discutir isso. Mas a sua história pessoal e também a do seu movimento, muitas vezes, se cruzou com a política. Você não acha engraçado descobrir que o Partido Democrático, do qual você foi um dos fundadores, se reduziu apenas a uma questão de jantares, de menus gastronômicos, mais do que de ideais ou de programas?

Não me escandaliza. Do ponto de vista histórico, todas as aventuras políticas ou culturais tiveram um momento em que todas as coisas terminavam, mais cedo ou mais tarde, na mesa. No máximo, o problema é quem são os seus comensais e sobre o que você quer falar com eles. E desta vez também foi assim.

Resumamos, então, agora, a questão da esquerda. Existe uma receita que você confidenciaria em um jantar, em um almoço ou mesmo apenas em uma reunião para tentar lhe dar um futuro?

Eu acredito que não há a necessidade de grandes descobertas. Eu me limitaria a uma recomendação: redescobrir o sentido de uma comunidade que presta mais atenção às pessoas pobres.

Receita simples. No fundo, uma inversão do velho ditado: “Você fala como você come”, que se torna: “Você come como você fala”. Mas há alguma coisa de esquerda no Terra Madre e no Salão do Sabor?

Eu realmente acho que assim. Nós reunimos os agricultores italianos, os europeus, mas também os mais preparados e modernos da América do Sul. Todos juntos, porém, nos ocupamos dos agricultores pobres da África. Em suma, um modo para defender os mais fracos. Deveria ser a essência da política, e não apenas da esquerda.

Voltemos à carne, então. O que uma batalha pela redução do seu consumo tem a ver com o ambiente?

Aqui também é preciso começar pelos números. As mudanças climáticas devidas ao efeito estufa são provocadas apenas por 17% da mobilidade, enquanto 34% são culpa do setor agroalimentar. Acima de tudo das criações de animais, fazendas que, muitas vezes, como acontece especialmente para os porcos ou as galinhas, também estão ligadas a um tremendo sofrimento dos animais. Sobre isso, eu gostaria de ouvir algo da minha amadíssima esquerda.

Podemos tentar explicar tudo um pouco melhor?

Claro, não é difícil. E até mesmo a questão dos migrantes pode ser relacionada com essa realidade.

Em que sentido?

Os grandes fluxos migratórios se devem às guerras locais da África, por um lado, mas também às fomes provocadas pelas mudanças climáticas. Essa é uma desgraça coletiva, que diz respeito a todo o mundo, mas que nós, privilegiados do Ocidente, podemos continuar vivendo com uma superficialidade inescrupulosa. No fundo, ver o plantio de vinhas na Inglaterra ou o cultivo de bananas na Sicília também é divertido. Na África, não. Lá, isso significa apenas desertificação galopante e uma migração disruptiva. É por isso que é preciso reduzir o consumo de carne, mudar a produção agroalimentar mundial. Nos Estados Unidos, o consumo per capita anual é de 125 quilos. Na África, cai para cinco. Só nós podemos e devemos mudar esses hábitos, negativos para todo o planeta.

Qual poderia ser o conselho ao ministro Matteo Salvini justamente sobre o tema dos migrantes, por parte de um evento que reúne sete mil agricultores de 150 países?

Que a integração, aquela que prevê o respeito pelas leis do Estado em que se vai viver, é muito importante. Mas também é preciso saber fazer a interação entre as diversidades. É a história das especiarias que chegavam do Oriente ou dos novos alimentos que chegavam da América: elas mudaram o modo de comer. E é também o exemplo de como os italianos que foram para o exterior souberam enriquecer a vida e a cultura desses países. Todas as vezes em que me encontro com o Papa Francisco, falamos sobre isso.

Neste ano, após a edição de 2016 que fez do Terra Madre e do Salão do Sabor um “evento de rua”, vocês voltaram ao distrito de Lingotto. Um arrependimento?

Não, apenas os efeitos da tragédia da Praça San Carlo em Turim. As diversas exigências de segurança significariam 700 mil euros de gasto a mais. Mas há eventos em muitos outros lugares da cidade, o Salão continua sendo difuso. E depois há novidades que também marcam uma virada social da manifestação.

Quais?

Deveríamos explicar primeiro o que significa, em dialeto piemontês, o termo barachin.

Era a vianda de alumínio que os operários da Fiat levavam para a fábrica com o almoço ou o jantar, dependendo dos turnos de trabalho. Por muito tempo, sinônimo de “macacão azul”. Mas o que isso tem a ver com o Salão?

Durante os dias desta edição, pelo menos seis mil barachin voltarão a Turim e a outros centros do Piemonte. Recipientes autorizados pelas autoridades sanitárias que muitos voluntários levarão para as casas daqueles que não podem vir ao Salão. Grandes cozinheiros vão prepará-los: em Alba, por exemplo, Enrico Crippa, do restaurante Piazza Duomo, o chef com três estrelas Michelin, preparará 100 barachin. Em Turim, serão quase quatro mil. Não é fazer caridade, mas partilhar.

Uma ideia que poderia ser vendida a Calenda, Renzi, Gentiloni e Minniti [membros do Partido Democrático italiano], ou não?

Eu realmente acho que é uma ideia de esquerda.

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