10 Agosto 2018
"E é uma grande coisa que Pedro tenha compreendido agora (e outras coisas poderão ser entendidas no futuro) que a pena de morte não deve estar no Catecismo, e decidiu tirá-la, para que no final, nos lugares aonde a civilização não chegou, chegue o evangelho", escreve Raniero La Valle, jornalista, intelectual e ex-senador italiano, em artigo publicado por Chiesa di Tutti Chiesa dei Poveri, 07-08-2018.
Eis o artigo.
Queridos amigos e amigas, é um belo dia para a Igreja com uma nova notícia vinda do Evangelho é proclamada para todo o mundo, uma verdade que mesmo contida na Palavra de Deus ainda não havia sido mostrada à luz; e desta vez o salto à frente na expressão da fé não acontece pela queda em desuso de uma doutrina ou porque o povo dos fiéis deixou de acreditar, mas por uma decisão explícita e um repensamento do próprio magistério, na pessoa do sucessor de Pedro. E a verdade mostrada à luz é esta: que a pena de morte é inadmissível porque atenta à inviolabilidade e a dignidade da pessoa.
Não era ponto pacífico porque o Catecismo da Igreja Católica, reformulado em 1992, ainda dizia outra coisa, e porque no próprio Estado pontifício, enquanto fora exercido o poder temporal, a pena de morte estava em vigor, e era infligida na Piazza del Popolo com "machado e esquartejamento"; depois passava a "Venerável Irmandade de Jesus, Maria e José das almas mais necessitadas do Purgatório" fazendo coletas para a Alma do condenado, sem contudo parar "por causa da Justiça na Praça do Patíbulo" como dizia a convocação dos Irmãos coletores, que garantia que para tal Obra Piedosa eles estariam adquirido "grande mérito junto a Deus".
Agora, uma "Reescrita" enviada a todos os bispos em nome do Papa em 1º. de agosto estabelece uma nova versão do n. 2267 do Catecismo da Igreja Católica, que diz:
"2267. Durante muito tempo, o recurso à pena de morte, por parte da legítima autoridade, era considerado, depois de um processo regular, como uma resposta adequada à gravidade de alguns delitos e um meio aceitável, ainda que extremo, para a tutela do bem comum. No entanto, hoje, torna-se cada vez mais viva a consciência de que a dignidade da pessoa não fica privada, apesar de cometer crimes gravíssimos. Além do mais, difunde-se uma nova compreensão do sentido das sanções penais por parte do Estado. Enfim, foram desenvolvidos sistemas de detenção mais eficazes, que garantem a indispensável defesa dos cidadãos, sem tirar, ao mesmo tempo e definitivamente, a possibilidade do réu de se redimir.
Por isso, a Igreja ensina, no Novo Catecismo, à luz do Evangelho, que “a pena de morte é inadmissível, porque atenta contra a inviolabilidade e dignidade da pessoa”, e se compromete, com determinação, em prol da sua abolição no mundo inteiro".
A fórmula de definição entre aspas é retirada do discurso do Papa Francisco do dia 11 de outubro no Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização; o compromisso da Igreja com a abolição da pena capital em todo o mundo é a consequência disso, a ser posta no plano pastoral e político.
Ao apresentar essa decisão, houve um grande escrúpulo em dizer que isso não é uma mudança de doutrina, porque a Igreja sempre foi pela vida, e isso é verdade; mas têm razão os adversários de toda mudança em protestar que aqui é precisamente a doutrina de ser mudada, pois era justamente com argumentos de doutrina que a pena de morte, embora com restrições crescentes e distinções, tinha sido admitida até agora. Mas precisamente aqui está a grandeza desse evento para a Igreja; o Papa Francisco, valendo-se da autoridade do Concílio e de João XXIII e do próprio João Paulo II, o havia antecipado e motivado naquele discurso de 11 de outubro, quando dizia que "a Palavra de Deus não pode ser guardada em naftalina", que existem novidades do Evangelho de Cristo, que "ainda não vieram à luz" e que não se deve "humilhar a ação do Espírito Santo" silenciando-o quando "continua a falar, inclusive hoje".
E aqui reside a importância do evento. Lembrar-se que no Evangelho nem tudo foi escrito, porque, aliás, como afirma o evangelista João no final do seu texto, se fossem escritas todas as coisas feitas por Jesus, "o próprio mundo não bastaria para conter os livros que seriam escritos"; e existem coisas que o próprio Pedro nem tinha percebido nem mesmo quando tinha Jesus aos seus pés e os lavava para ele, e que só entenderia mais tarde, não no dia seguinte, porque do dia seguinte iria traí-lo, mas nos séculos futuros. E é uma grande coisa que Pedro tenha compreendido agora (e outras coisas poderão ser entendidas no futuro) que a pena de morte não deve estar no Catecismo, e decidiu tirá-la, para que no final, nos lugares aonde a civilização não chegou, chegue o evangelho. Porque o outro aspecto importante dessa novidade é a sua motivação, que é uma motivação antropológica: e é que nenhuma pessoa perde a sua dignidade, nem mesmo depois de ter cometido crimes muito graves.
O problema político de hoje (que compromete a própria salvação da terra) está no fato de que a política e a cultura que a gera, não sabem mais o que seja "o homem": a velha antropologia, que ainda assim foi capaz de grandes sucessos, acabou, e não se sabe como conceber uma nova: essa confusão de línguas sobre o que fazer com os refugiados, os pobres, os marginalizados, os desempregados, e até mesmo os aposentados, prova isso. O que Francisco talvez esteja nos dizendo é que, depois de ter reaberto, como ele fez, a questão de Deus, devemos agora reabrir a questão do homem.
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