06 Março 2018
“Como nos ensina Maria, nossa Mãe: a única força capaz de conquistar o coração dos homens é a ternura de Deus. O que encanta e atrai, que abre e liberta das cadeias não é a força dos instrumentos ou a dureza da lei, mas, sim, a fragilidade onipotente do amor divino: a força irresistível de sua doçura e a promessa irreversível de sua misericórdia”, escreve o Papa Francisco no prefácio do livro El Evangelio mejilla con mejilla [O Evangelho face a face], da jornalista Paola Bergamini, que narra a vida do padre Stefano Pernet, fundador da Congregação das Irmãzinhas da Assunção.
O prefácio é publicado por Vatican Insider, 04-03-2017. A tradução é do Cepat.
Nasci e antes de completar um dia, uma jovem noviça das Irmãzinhas da Assunção, fundadas pelo padre Stefano Pernet, Antonia, foi a nossa casa, no bairro Flores de Buenos Aires, e me pegou no colo. Tive contato com essa freira durante toda a sua vida, até que se foi ao Céu, há alguns anos. Tenho muitas recordações relacionadas a estas religiosas que, como anjos silenciosos, entram nas casas daqueles que possuem necessidades, trabalham com paciência, auxiliam, ajudam e, depois, silenciosamente, retornam ao convento. Seguem a regra, rezam e, em seguida, saem às residências daqueles que estão em dificuldades, tornando-se enfermeiras e cuidadoras, acompanhando as crianças até a escola, preparando-lhes alimentos.
Meu pai tinha vários companheiros que haviam entrado na Argentina, após a Guerra Civil Espanhola, e eram comecuras [anticlericais]. Um dia, um deles adoeceu de uma infecção muito feia. Esse homem tinha o corpo cheio de chagas, sofria muito. Tinha três filhos e também sua esposa tinha que trabalhar e, portanto, estar fora de casa muitas horas ao dia. Quando ficaram sabendo, as Irmãzinhas da Assunção enviaram uma a sua casa. Foi a superiora, porque era um caso difícil: sabia-se que o colega de meu pai era um convencido anticlerical, que enchia os olhos de fumaça quando via uma túnica qualquer. A freira disse: “Vou eu!”.
Imaginem o que este homem deve ter dito à religiosa: as grosserias e as invectivas mais feias. Mas, ela estava tranquila, fazia o seu trabalho, curava as chagas, levava as crianças até a escola, preparava a comida, limpava a casa. Mais de um mês depois, esse homem havia se curado e pôde voltar a sua vida normal, voltando a trabalhar. Alguns dias depois, enquanto saía do trabalho com outros três ou quatro companheiros comecuras [anticlericais] como ele, passaram pela rua algumas freiras. Um dos amigos lhes disse palavras feias. Então, o companheiro de trabalho de meu pai, primeiro lhe deu um soco e, em seguida, disse-lhe: “Sobre os padres e sobre Deus, você pode dizer o que desejar; mas contra a Virgem e as freiras, nada!”. Conseguem imaginar? Era um ateu, um comecura [anticlerical], mas defendia as freiras. Por qual motivo? Simplesmente porque tinha conhecido o rosto materno da Igreja, tinha visto o sorriso da Virgem no rosto dessa superiora, essa freira paciente que cuidou dele, apesar de suas imprecações. Essa mulher consagrada que curava as chagas, era empregada em sua casa, levava as crianças à escola e ia buscá-las.
Graças a este livro, ágil e cheio de relatos de vida, é possível conhecer a obra do padre Stefano Pernet, declarado venerável por meu predecessor São João Paulo II, em 1983. É uma história de rostos, dedicação, gestos de caridade, de pura gratuidade. Uma história que não perdeu sua frescura, nem sua atualidade. Agora, também vivemos em um tempo no qual a evangelização passa pelo testemunho da proximidade e da caridade. Através do testemunho do rosto misericordioso de Deus.
Evangelizar também nos leva a apoiar nossa face sobre a face de quem sofre, no corpo e no espírito. Com sua obra oculta e silenciosa, estas mulheres consagradas seguiram a inspiração de seu fundador, que no dia 7 de março de 1867, no mosteiro de Auteuil disse: “Os pobres, quando adoecem, ficam completamente abandonados; ninguém os assiste. Com este objetivo, oferecemo-nos ao Senhor, para que os pobres tenham uma religiosa em sua cabeceira, que ofereça assistência material. Contudo, isto não é suficiente para as pequenas freiras. Vejam, nos tempos em que vivemos, o homem do povo, os operários, homens e mulheres, muitas vezes são prejudicados pelas más companhias, más leituras e, então, distanciam-se de Deus. Nesta situação, o sacerdote, inclusive quando quer levar alívio espiritual a quem está enfermo, é visto como um espantalho, um mensageiro de morte. Por outra parte, o que se pode fazer, a não ser consolar com as palavras? Mas, eles não querem escutar. Ao contrário, das pequenas freiras não têm medo. Com sua maneira educada de atuar, são vistas com reconhecimento, confiam nelas. Mediante simples gestos de limpeza, de medicação, as Freiras pregam Jesus Cristo melhor que qualquer sermão. Basta sua presença. Com paciência, levam a oração a estas famílias, os costumes cristãos”.
Servindo, com paciência, e confiando somente no Senhor, pode ocorrer que sejam tocados, inclusive os corações das pessoas mais distantes. Como nos ensina Maria, nossa Mãe: a única força capaz de conquistar o coração dos homens é a ternura de Deus. O que encanta e atrai, que abre e liberta das cadeias não é a força dos instrumentos ou a dureza da lei, mas, sim, a fragilidade onipotente do amor divino: a força irresistível de sua doçura e a promessa irreversível de sua misericórdia. Essa doçura e essa misericórdia que o padre Pernet testemunhou durante toda a sua vida e que suas Irmãzinhas, em tantos países do mundo, seguem reverberando.