16 Fevereiro 2018
"Será que se ele fosse um menino branco teria acontecido isso? Até quando as vidas negras serão pré-julgadas?", questionou, por meio de uma postagem no Facebook, a microempresária Luciana Cruz, cujo filho de 16 anos foi agredido com socos, chutes e tiros de arma de pressão (airsoft) por três seguranças terceirizados em uma unidade do supermercado Pão de Açúcar, no Jabaquara, zona sul de São Paulo.
Foto: Reprodução
A reportagem é de Tory Oliveira e publicada por CartaCapital, 15-02-2018.
O adolescente, que é negro, teria consumido chocolate e salgadinhos sem pagar. Até o momento, o relato já foi compartilhado 9,8 mil vezes. Luciana conta que, ao chegar em casa, viu o rosto do filho machucado e questionou o que tinha acontecido. A princípio, com vergonha, o rapaz disse que tinha se envolvido em uma briga no bloco de carnaval. "Como ele é muito tranquilo, fiquei insistindo". Foi quando o irmão gêmeo do adolescente contou para ela o que aconteceu.
Por telefone, Luciana relatou a CartaCapital que o filho foi até o estabelecimento, que fica próximo à casa e é frequentado pela família há anos, por volta das 23 horas do domingo 11. Dentro do supermercado, o garoto consumiu dois chocolates e um salgadinho e tentou sair do local sem pagar, mas foi abordado na saída da loja por três seguranças.
"Realmente ele cometeu esse erro, mas nada justifica a violência", conta ela. "Mas na mesma hora disse que sabia o que tinha feito, que era errado e que iria pagar pelos produtos. Só que no mesmo momento quiseram levá-lo para uma sala". Temendo uma agressão a portas fechadas, o adolescente se recusou a ir e ameaçou gritar diante da aproximação do trio de seguranças.
"Um pegou ele pelo pescoço, viraram o braço dele pra trás, deram soco no nariz. Jogaram ele no chão, ficaram chutando a cabeça, as pernas, tudo. Um terceiro chegou próximo e ficou atirando nele com uma arma de airsoft. Ele gritava, pedia ajuda e os seguranças dizendo que ele iria apanhar ainda mais. Isso aconteceu durante 10 minutos, na frente de todos os caixas, dos clientes. Ele pediu ajuda, mas falou que a única pessoa que se aproximou, um senhor de cabelos brancos, cumprimentou os seguranças e ficou olhando", relata Luciana, que não estava em casa no momento da agressão.
Após a agressão, o rapaz foi obrigado a arrumar algumas caixas de papelão que caíram durante a confusão. Depois, dirigiu-se ao caixa e pagou R$9,81, referente aos produtos consumidos: dois chocolates e um Doritos.
"E a todo momento, durante a agressão, ele foi chamado de malandro, de menino da quebrada, de favelado. Falavam que ele ia lá comer de graça. Pela cor dele, né?", afirmou a mãe, que considera o caso racismo. Ao descobrir o que tinha acontecido, ela dirigiu-se imediatamente até a unidade e pediu esclarecimentos. Após ouvir um pedido de desculpas da gerência, dirigiu-se ao 26º Distrito Policial do Sacomã e registrou um Boletim de Ocorrência.
"Eu sei muito bem o que é andar com duas crianças negras em uma farmácia ou em um supermercado. Desde pequenos, quando fazíamos compras ou eles corriam no mercado, o segurança já vinha tirar, achando que eles eram crianças de rua. Quando eu levo eles no médico, acham que eu sou uma funcionária de abrigo. Por que eles acham que os meninos pretos são sempre de rua ou adotados?", critica Luciana, que pretende entrar na Justiça contra o supermercado.
Segundo a Atlas da Violência 2017, elaborado pelo Ipea e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, de cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras. O relatório final da CPI do Senado sobre o Assassinato de Jovens, divulgado em 2016, revelou o fator de risco de ser negro e jovem no Brasil: a cada 23 minutos, um negro entre 15 e 29 anos é assassinado.
Outro lado
Em nota, a assessoria de imprensa do Grupo Pão de Açúcar comentou o caso, mas não esclareceu qual seria a empresa de segurança terceirizada:
A rede informa que não tolera atos de violência e que repudia veementemente qualquer comportamento desse tipo em suas lojas. A conduta relatada não condiz com o procedimento exigido pela companhia, realizado pela equipe de segurança terceirizada contratada. Assim que tomou conhecimento do caso, a rede instaurou um processo interno de apuração, notificando a empresa a prestar todos os esclarecimentos e afastando imediatamente os envolvidos, até que o caso seja esclarecido junto aos órgãos competentes. Além disso, procedeu com o reforço dos processos internos de conduta.
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"Se ele fosse um menino branco isso teria acontecido?" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU