4º domingo do tempo comum – Ano B – Viver o discipulado na alegria

26 Janeiro 2024

"Podemos dizer, sem sombra de dúvidas, que hoje os porta-vozes do Senhor somos nós no contexto que vivemos. Você e eu temos que assumir essa missão com a mesma ousadia e fidelidade dos profetas e de Jesus. Não importa o nosso estado de vida, casados e solteiros, seja qual for a sua e a minha opção de viver, o nosso discipulado tem que ser vivido na alegria, com coerência e autenticidade. E vale lembrar que não há um estado de vida melhor que o outro, ou acima do outro. Todos nós somos chamados a sermos discípulos missionários, como bem falou o Documento de Aparecida, com tudo o que temos e do jeito que somos."

A reflexão é de Roseane Barbosa, fsp, religiosa Congregação das Irmãs Paulinas - FSP. Ela é mestra em Ciências da Religião pela PUC-São Paulo e doutoranda em Teologia sistemático-pastoral pela PUC-Rio. Foi diretora de redação da Diálogo, Revista de Ensino Religioso e membro do Conselho Editorial de Paulinas Editora. Foi missionária e trabalhou com as comunidades brasileiras no sul da Flórida-EUA. Atualmente mora no Rio de Janeiro e é membro da Rede Brasileira de Teólogas.

Leituras do dia

Dt 18,15-20
Salmo 94 (95)
1 Cor 7, 32-35
Evangelho – Mc 1, 21-28

Refletindo sobre as leituras do quarto Domingo do Tempo Comum, em linhas gerais, podemos dizer que um tema que perpassa os textos é a profecia, que se traduz no serviço em nome de Deus, que liberta, guia e cura o seu povo.

Na primeira leitura temos a figura do profeta que é o porta-voz de Deus no meio de Israel.

Na segunda leitura a profecia deve ser coerente com o estado de vida assumido no seguimento de Jesus. E no evangelho temos não um porta-voz de Deus, mas o próprio Jesus ensinando e agindo em prol do povo.

Vamos destrinchar um pouco mais os nossos textos começando pela primeira leitura (Dt 18,15-20). Esse trecho do livro do Deuteronômio está inserido no contexto em que o povo de Israel se prepara para entrar na Terra Prometida. Moisés, que até esse momento lidera o povo, não entrará na terra e será substituído por alguém escolhido do meio do povo. Esse escolhido será o novo porta-voz de Deus no meio de Israel.

Após a morte de Moisés Deus não abandonará o seu povo, entretanto a frase “não quero mais escutar a voz do Senhor, meu Deus, nem ver este grande fogo, para não acabar morrendo” (Dt 18,16) pode soar um pouco estranha para nós. Na verdade, essa frase pode ser lida como uma súplica do povo pedindo por outro mediador de Deus, pois todo aquele que vê e fala com Deus face a face, sem ter sido escolhido por Deus, morre. E é claro que o povo quer viver e não morrer.

É nesse sentido que podemos entender o papel do profeta, ou seja, ele é um mediador entre o povo e Deus, é o seu porta-voz, e como tal, as suas ações devem seguir o que lhe fora ordenado por Deus, pois do contrário, morrerá. O profeta nunca age por si mesmo, mas sempre em nome de Deus.

Olhando a segunda leitura (1 Cor 7, 32-35) deste domingo, o texto parece desconectado dos demais, e por isso, devemos contextualizá-lo no conjunto maior do capítulo 7 de 1Cor o qual nos dá os elementos necessários para compreender melhor o que Paulo quis dizer.

Como sabemos a comunidade de Corinto era uma comunidade muito diversa, não tão diferente das nossas comunidades hoje. Contudo, eles careciam de orientações, pois não tinham um cristianismo consolidado, seja no campo doutrinal, seja no campo pastoral, como nós temos hoje.

Provavelmente, diante de algumas questões morais acerca do matrimônio e da virgindade, os membros da comunidade recorrem a Paulo. Ele busca ajudar os cristãos da comunidade, a discernir e decidir como eles queriam viver o seguimento de Jesus. E, podemos dizer que para Paulo, seja no matrimônio, seja na virgindade, o importante é que o cristão viva de modo íntegro e coerente com o modo de vida que escolher, e não à moda de Corinto, que como bem sabemos era escandalosa.

Embora, no contexto ampliado da perícope, dê a entender que Paulo privilegia o não se casar, o mais importante aqui, é não deixar que as “preocupações”, sejam aquelas próprias do matrimônio, sejam as de qualquer outro estado de vida, impeçam o cristão de dar um testemunho autêntico do seguimento de Jesus e assim ser porta-voz do Evangelho.

Quanto ao evangelho, o texto se inicia narrando que Jesus estava em Cafarnaum e num dia de sábado entra na sinagoga e começa a ensinar. Eu destaco três elementos que, em minha opinião, nos dão uma chave de leitura para esse trecho do evangelho. É claro, que outros elementos podem chamar a sua atenção também.

Os elementos que eu destaco são: a cidade de Cafarnaum, o sábado e o ato de Jesus ensinar.

Comecemos pela cidade de Cafarnaum, que era a cidade onde morava Simão Pedro e também onde Jesus exerceu grande parte de seu ministério e lá realizou vários milagres. Com isso eu quero dizer que as pessoas em Cafarnaum conheciam Jesus, e os seus ensinamentos não eram desconhecidos daquela gente. Então, porque o espanto?

O segundo elemento é o sábado. O dia da principal liturgia judaica, o que equivale para nós católicos à nossa missa dominical. Ou seja, as pessoas que se encontravam na sinagoga, estavam lá para ouvir a Sagrada Escritura, para cantar hinos de louvores, súplicas e ação de graças a Deus. E é dentro desse contexto que Jesus entra na sinagoga para ensinar. Mas, ensinar o quê? Marcos não diz o que Jesus estava ensinando, porém o próprio texto nos relata o como Jesus ensinava, isto é, a cura do homem possuído por um espírito mau nos revela isso. O ensinamento de Jesus surpreende e dizem aqueles que estavam na sinagoga: “O que é isto? Um ensinamento novo dado com autoridade: Ele manda até nos espíritos maus, e eles obedecem!”.

Certamente a surpresa não era com “o quê?” Jesus ensinava, pois como judeu ele conhecia a Lei e os Profetas, e o seu ensinamento seguramente estava fundamentado no que o judaísmo ensinava. Por isso, podemos concluir que a surpresa é com o “como” era ensinado. A ação de Jesus é efetiva e eficaz, o espírito sai imediatamente do homem ao ouvir a ordem de Jesus: “Cala-te e sai dele!”. É assim que Jesus se diferencia de Moisés, de Josué e de tantos outros profetas. Jesus não é um porta-voz de Deus, mas ele é o próprio Deus que vem nos ensinar e nos mostrar que as nossas ações devem ser sempre a favor da vida e da dignidade da pessoa humana. E devemos fazer isso com a mesma autoridade com a qual Jesus fez.

Trazendo para as nossas vidas as mensagens dessas leituras

Podemos dizer, sem sombra de dúvidas, que hoje os porta-vozes do Senhor somos nós no contexto que vivemos. Você e eu temos que assumir essa missão com a mesma ousadia e fidelidade dos profetas e de Jesus. Não importa o nosso estado de vida, casados e solteiros, seja qual for a sua e a minha opção de viver, o nosso discipulado tem que ser vivido na alegria, com coerência e autenticidade. E vale lembrar que não há um estado de vida melhor que o outro, ou acima do outro. Todos nós somos chamados a sermos discípulos missionários, como bem falou o Documento de Aparecida, com tudo o que temos e do jeito que somos.

E como cantou o salmista: “Não fecheis o coração, ouvi hoje a voz de Deus!”.

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