23 Outubro 2012
A Igreja traz sobre o próprio rosto muitas manchas e rugas, que espelham algo do peso, do cansaço e de alguns fracassos dos 2.000 anos da sua história. Ela também sofre por causa dos escândalos, crises e fraquezas internas.
Publicamos aqui a motivação do Prêmio Capri–San Michele 2012, de autoria do presidente do júri, Francesco Paolo Casavola, presidente emérito da Corte Constitucional, ao livro A Igreja Católica: Essência, realidade, missão (Ed. Unisinos, 2012, Coleção Theologia Publica, 533 pp, traduzida do original alemão: Katholische Kirche. Wesen, Wirklichkei, Sendung), do cardeal Walter Kasper.
A nota é do blog Teologi@Internet, 19-10-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A singularidade e o valor extraordinário dessa obra está no fato de se abrir em um primeira parte com a narração autobiográfica do episódio existencial e espiritual do Autor no encontro com a Igreja, chamando em causa os movimentos pré-conciliares de renovação, as influências teológicas recebidas durante os anos de estudo, dos quais vale elencar a escola de Tübingen, Schelling e Tomás de Aquino, Karl Rahner e Henri de Lubac, Yves Congar e Hans Küng, até percorrer os anos de trabalho do Concílio e das discussões pós-conciliares.
Um novo horizonte acolhe a vida do bispo Kasper, o do diálogo ecumênico com as Igrejas orientais, as protestantes, as livres, com o judaísmo. Amadurecem as interrogações cruciais sobre a crise interna à Igreja, com as hipóteses de respostas: o fim da era constantiniana, a época da secularidade, a condição da Igreja como minoria.
Os quatro quintos da obra podem ser agora, na segunda parte, dedicados à eclesiologia, movendo-se de um parágrafo intitulado "pré-compreensão da Igreja", no qual é iluminadora a etimologia do alemão Kirche do inglês Church, que descendem do grego kuriakós, que significa do Senhor (kúrios). Eis, portanto, a primeira compreensão instintiva de Igreja é o pertencimento à comunhão dos irmãos chamados à verdade pelo Senhor.
Todas as análises, dentro dos dois horizontes da história humana universal e da história da salvação, que levam a proferir os tantos perfis da Igreja, a partir da pergunta radical "Jesus quis a Igreja?", a Igreja escatológica como comunhão dos santos, a Igreja evento e instituição, corpo e esposa de Cristo, templo do Espírito do Santo, Povo de Deus, sacerdócio comum de todos os batizados.
A amplitude dada ao tratamento histórico e não apenas doutrinal da missão dos leigos, à sinodalidade no governo da Igreja, ao monaquismo, aos movimentos espirituais, às missões, torna essa obra indispensável para o aprofundamento dos conhecimento sobre a variada e complexa realidade da Igreja Católica.
Não é uma obra celebrativa nem pedagógica, percorrida como é, desde as primeiras até as últimas páginas, pelo pathos de quem confessa a própria aventura existencial no seio da Igreja, da qual reconhece que "traz sobre o próprio rosto muitas manchas e rugas, que espelham algo do peso, do cansaço e de alguns fracassos dos 2.000 anos da sua história. Ela também sofre por causa dos escândalos, crises e fraquezas internas. Ela os reconhece, confessa a culpa por ter se manchado e o faz não só em alguns mea culpa públicos, mas sim todos os dias, centenas de milhares de vezes, no início de toda celebração eucarística. (…). Muitas vezes ela já passou por crises internas e escândalos assustadores, mas sempre se renovou e produziu até hoje inúmeros homens e mulheres santos, muitos cristãos que se consumiram ao serviço dos mais pobres entre os pobres. (…). Atualmente, os cristãos são o grupo de pessoas mais perseguido do mundo. O sangue dos mártires, até agora, sempre demonstrou ser semente de novos cristãos" (p.530).