10 Mai 2012
A terapia saiu dos consultórios e caiu na rede. Num país em que existem cerca de 80 milhões de internautas, a demanda por atendimentos psicológicos online está cada vez maior, mas ainda enfrenta resistência de muitos psicólogos tradicionais.
A reportagem é de Fernanda Bassette e publicada no jornal O Estado de S.Paulo, 06-05-2012.
A última regulamentação do Conselho Federal de Psicologia (CFP) sobre o tema é de 2005. A norma em vigor não reconhece o atendimento psicoterapêutico realizado por computador e só autoriza a terapia online em casos experimentais e de pesquisa, sem cobrança de honorários.
A exceção para atendimentos virtuais existe - limitada a dez sessões - apenas para o que chamam de "orientação psicológica": atender pessoas que estão com problemas sexuais, com os filhos, no trabalho. Assuntos considerados pontuais e nada muito aprofundado.
Para oferecer esse serviço, no entanto, o psicólogo precisa ser credenciado no conselho federal, que emite um selo que garante que o site é reconhecido.
"Ainda é preciso definir exatamente o que é fazer terapia. Mas por que não fazer terapia pelo Skype com alguém da sua confiança?", argumenta a psicóloga Milene Rosenthal, sócia-fundadora do site Psicolink, criado há cerca de um ano especificamente para fazer consultas virtuais.
A ideia do serviço online, diz Milene, é aproximar o psicólogo da população e estar onde as pessoas estão: em casa, no trabalho, no trânsito. Em um ano, foram registrados quase 400 atendimentos virtuais, sendo que cada sessão custa R$ 65 - mais em conta do que uma sessão presencial, que está em torno de R$ 100.
E a demanda de profissionais querendo oferecer o serviço não para de crescer. Hoje são 20 cadastrados, mas há 200 esperando análise do pedido. "O psicólogo está muito longe da população. Esse serviço é para aproximá-lo", diz Milene.
Pioneiro
Desde 1996, psicólogas do Núcleo de Pesquisa da Psicologia em Informática da PUC-SP oferecem atendimento virtual por e-mail. O grupo é coordenado pela psicóloga Rosa Maria Farah, que diz haver vantagens e desvantagens em ser pioneiro.
"Percebemos que havia demanda, mas não havia um modelo de atendimento nem regulamentação. E, como éramos uma clínica-escola, não podíamos simplesmente ignorar a demanda dos pacientes", diz Rosa.
O serviço funciona até hoje. O grupo recebe cerca de 12 a 15 e-mails por semana e responde em até sete dias. "É demorado porque cada caso é um caso. Em psicologia não dá para ser automático, é tudo artesanal."
Os perfis de pessoas que buscam atendimento na internet ou por e-mail são os mais variados. São pessoas com problemas envolvendo sexualidade, orientação profissional, problemas com os filhos e até depressão.
Para Rosa, é preciso reavaliar as normas sobre o serviço de terapia online. "Existem muitas diferenças regionais no Brasil, e há regiões com menos profissionais. E a população quer ser atendida por um bom profissional, independentemente da forma como isso vai acontecer", avalia.
Qualificação
Um dos entraves para o atendimento online, diz Rosa, é que faltam profissionais qualificados para fazer esse tipo de atendimento.
Por isso, a PUC vai oferecer treinamento específico para alunos a partir do quinto ano. "O atendimento virtual exige outra estratégia, cria outro tipo de vínculo. E o atendimento também pode ser terapêutico, sem substituir o presencial. É um engano querer comparar os dois."
Milene, do Psicolink, concorda. "A ideia do serviço online não é substituir o atendimento presencial, mas sim dar mais uma opção para o público", diz.
Pesquisa
A psicóloga Maria Adélia Minghelli Pieta, da UFRGS, está fazendo uma pesquisa para comparar os resultados da terapia online com a presencial. Para isso, fará entrevistas com pacientes e terapeutas, além de avaliar dados qualitativos. Cada paciente será acompanhado por três meses. A previsão é de que o estudo seja feito ao longo de dois anos.
Segundo Maria Adélia, uma revisão prévia de estudos aponta que a terapia online é, sim, efetiva. "Em casos de estresse pós-traumático, por exemplo, o atendimento virtual se mostrou mais eficaz do que o presencial", diz.
Maria Adélia também apoia a terapia online, desde que feita com critérios estabelecidos para evitar situações de risco para o paciente. "É cada vez maior a necessidade de a terapia encontrar formas de alcançar a população. Com controle e acompanhamento, não haverá problemas."
A publicitária Raquel Espigado, de 32 anos, enfrentava problemas com o filho pequeno quando resolveu pesquisar se existia algum serviço de terapia online para ajudá-la.
Ela era uma antiga adepta da terapia presencial - frequentou sessões em consultório por mais de um ano - e recorreu à internet para buscar atendimento especializado.
Raquel diz que teve de interromper o tratamento presencial por falta de tempo. "Com esse trânsito louco de São Paulo e a correria do dia a dia, nunca conseguia chegar a tempo para a consulta."
Após pesquisar o assunto, Raquel encontrou referências de vários sites oferecendo o serviço de atendimento virtual. Se informou sobre o site mais confiável, decidiu arriscar e comprou uma sessão com uma psicóloga de Curitiba que ela não conhecia.
"Adorei. Cheguei a ficar com o pé atrás na primeira sessão por se tratar de um serviço virtual e com uma pessoa desconhecida, mas achei superprofissional e fiz seis sessões. Deu super certo", afirmou.
Por conta da falta de tempo, Raquel optou por fazer as sessões em casa, aos sábados pela manhã. "Era um horário alternativo. Além de economizar tempo, economizei dinheiro (a sessão online é mais barata que a presencial). A relação custo benefício é ótima", afirmou.
Conselho de Psicologia admite rever resolução sobre prática
O Conselho Federal de Psicologia (CFP) reconhece que a resolução 12 de 2005, que regulamenta as sessões de terapia pela internet, precisa ser atualizada. A conselheira Rosely Goffman diz que o acesso à internet hoje é muito maior que em 2005 e as normas do CFP precisam acompanhar esses avanços.
Hoje, a prática da psicoterapia pela internet é limitada: só pode ser feita em casos de pesquisa clínica. A permissão que existe é para orientação online e, ainda assim, restrita a dez sessões.
"Mas há uma demanda para que isso mude e estamos justamente discutindo alguns tipos de flexibilizações", diz Rosely.
O problema, segundo ela, é que a regulamentação precisa ser clara para evitar problemas. "Se não houver regras e qualquer um fizer psicoterapia pela internet fica uma coisa sem critério e vira uma bagunça geral."
Rosely diz que um dos principais entraves à liberação da terapia online é o risco de despersonalização. "Qualquer anônimo pode aparecer na internet dizendo que é outra pessoa. Quem vai garantir esse atendimento?"
Selo. Hoje, o psicólogo que quiser oferecer o serviço precisa cadastrar o site no CFP. O selo vale por dois anos. "Ele garante minimamente a confidencialidade."
Segundo Rosely, em novembro de 2011, um grupo de 4 mil psicólogos se reuniu para debater a assistência online - o País possui cerca de 230 mil profissionais em atuação. "Muita gente quer a mudança, mas ainda há resistência dos mais tradicionais. Não há um consenso."
Rosely, que defende a regulamentação, diz que o debate em torno do assunto será um dos temas do próximo congresso, em 2013. "O conselho não deixou o tema de lado. As coisas mudam de forma mais veloz do que a legislação e as resoluções estão aí para serem alteradas."
De acordo com ela, dos 170 sites aprovados, 97 estão com o selo válido. O conselho recebe cerca de 30 solicitações de credenciamentos novos por mês. "Penso que ainda é pouco, mas a tendência é aumentar."
"Faço uma vez por semana, pelo Skype"
Há pelo menos seis meses, a assistente de direção Marina Poema Vaz Rombesso, de 25 anos, está fazendo terapia online porque sua psicóloga está fora do Brasil fazendo um curso de especialização.
Para não ter de interromper as sessões, que eram feitas presencialmente há mais de um ano, Marina topou experimentar a abordagem virtual.
"Eu sempre viajo a trabalho e tinha de interromper as sessões temporariamente. Como minha terapeuta está morando fora por um tempo, ela propôs que continuássemos as sessões. Faço uma vez por semana pelo Skype, só com voz, sem o vídeo", diz.
Para Marina, o atendimento online não é superficial porque ela já fazia terapia presencial com essa psicóloga e está apenas dando continuidade ao tratamento. Mas diz que é diferente. "No consultório, você se desliga de tudo, entra no clima desde o momento em que sai de casa para ir. Quando faz em casa, pelo Skype, tem outras pessoas no ambiente, tem a faxineira, a campainha toca, o telefone também, a conexão cai. É complicado", conta a assistente de direção.
Lentidão. Segundo Marina, um problema sério para fazer a terapia online é a conexão com a internet, já que o sinal pode ficar lento ou até falhar bem no meio do atendimento.
"Às vezes tenho de fazer malabarismos para captar o sinal da internet em casa. Uma das vezes, a conexão estava ruim no quarto e eu tive de ir para a cozinha. Em outra ocasião, estava falando com a psicóloga e, como não uso o vídeo, não percebi que a conexão havia caído. Fiquei um tempão falando à toa até perceber que ela não estava lá", afirma.
Apesar dos problemas, Marina diz que ainda assim prefere continuar com a terapia online, já que conhece a terapeuta e não precisa interromper o seu atendimento. Ela diz que não tem desconto por ser sessão virtual e paga o mesmo preço da sessão presencial.
"Como eu também viajo muito a trabalho, posso continuar a terapia tranquilamente. Quando estivermos as duas na cidade, volto para a presencial", diz.
'Sessão online para uma emergência é ótimo'
Foram o estresse e a insatisfação no trabalho que motivaram a analista de RH Cinthia Lilli, de 25 anos, a procurar na internet serviços de terapia online.
Sem tempo para fazer sessões presenciais - ela fez sessões em consultório por três anos seguidos -, Cinthia queria retomar o tratamento para tentar reverter as dificuldades que estava enfrentando.
"Encontrei um serviço sério na internet, escolhi o profissional de acordo com a minha demanda e comprei as dez sessões. Fiz todas e gostei muito."
Cinthia diz que fez as primeiras três sessões apenas com o chat por escrito - sem imagem. Depois disso, quando já sentia segurança na psicóloga, decidiu fazer as sessões por vídeo. As consultas ocorreriam em intervalos no trabalho ou em casa, nos fins de semana.
"A terapia online me deu um impulso incrível, resolvi meu problema. Para uma emergência é ótimo, o vídeo faz com que seja parecida à sessão presencial, mais cara", disse.