São João XXIII e São João Paulo II: acertando as contas com a modernidade

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28 Abril 2014

Canonização dos papas ou santificação do papado? Conversamos a respeito com Daniele Menozzi, professor de história contemporânea da Scuola Normale de Pisa, estudioso do papado na idade moderna e contemporânea, autor de livros como Chiesa e diritti umani (2012), Chiesa, pace e guerra nel Novecento (2008), ambos publicados pela Mulino, e Giovanni Paolo II. Una transizione incompiuta? (Morcelliana, 2006), uma análise histórica do pontificado de João Paulo II.

A reportagem é de Luca Kocci, publicada no jornal Il Manifesto, 26-04-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

"A canonização dos papas da idade contemporânea, iniciada por Pio XII com a santificação de Pio X, já é uma linha consolidada da Santa Sé", explica Menozzi. "A concepção da teocracia medieval, para a qual o mero acesso ao trono de Pedro envolve a santidade de quem tem acesso a ele, se soldou nesse período, por um lado, com o processo de centralização romana, que levou à identificação da Igreja com quem a guia, e, por outro, com as dificuldades de presença do catolicismo no mundo moderno. Nesse contexto, a canonização de um papa quer oferecer à Igreja a garantia de que quem a guia se comportou, no mar tempestuoso da modernidade, de maneira tão adequada a ponto de encontrar o reconhecimento da bem-aventurança ultraterrena".

Eis a entrevista.

Quando João XXIII foi beatificado, Pio IX foi colocado ao seu lado: o papa do diálogo com o mundo moderno e o da condenação da modernidade. Agora, ele está junto de João Paulo II, o papa que redimensionou o Concílio Vaticano II. Como você interpreta essas escolhas?

Parece-me um modo de relativizar as posições inovadoras assumidas por Roncalli. Isolar a canonização de Roncalli implicava em atribuir um valor oficial à sua linha de governo. Colocá-la ao lado da de Wojtyla significa que ambas as posições são igualmente válidas. Mas não deve ser subestimado o caminho desses anos: colocar no mesmo plano Roncalli e Mastai Ferretti significava mostrar que a Igreja ainda não tinha decidido se devia continuar na posição de contraposição ou de diálogo com a modernidade. Colocar João XXIII ao lado de João Paulo II implica em mostrar que já estão em jogo apenas duas linhas de relação diferentes com a modernidade e, portanto, que o diálogo com o mundo moderno é irreversível.

Do ponto de vista histórico, o que representaram João XXIII e João Paulo II?

João XXIII abriu a Igreja para a superação da herança do intransigentismo dos séculos XIX-XX, mostrando que a presença da Igreja na história podia prescindir da perspectiva de reconstrução de uma sociedade cristã. João Paulo II elaborou um plano de intervenção sobre a sociedade que, embora abandonando a pretensão de uma orientação eclesiástica sobre todos os aspectos do consórcio civil, reivindicava ao magistério, no entanto, a tarefa de indicar alguns aspectos da organização da vida coletiva aos quais todos, sempre, como quer que seja e onde quer que seja, deveriam aderir. Para Roncalli, a Igreja podia entrar na história sem um projeto de cristandade; para Wojtyla, ela devia ser guiada por uma ótica de neocristandade.

Bergoglio fala de colegialidade e de sinodalidade, mas, também por causa do seu grande carisma, parece haver um retorno da papolatria. É uma espécie de heterogênese dos fins? Ou as intenções "democráticas" de Bergoglio não correspondem à realidade?

Parece-me indubitável que Bergoglio pretende alcançar uma maior colegialidade no governo da Igreja. Por outro lado, aparentemente, essa também era uma das condições que tornaram possível a sua eleição. Naturalmente, as modalidades com as quais a colegialidade pode ser realizada são múltiplas: por enquanto, assistiu-se a uma maior escuta das Igrejas locais e ao anúncio da atribuição de um papel doutrinal às Conferências episcopais. É possível que se chegue a reestruturações institucionais que formalizem essas aberturas a um efetivo governo colegial da Igreja. O fato, contudo, é que elas não implicarão na introdução de um regime democrático: a Igreja é um povo de Deus a caminho na história, mas é sempre um povo hierarquicamente ordenado.

Bergoglio está promovendo uma revolução?

É cedo demais para fazer julgamentos tão comprometedores. É certo que Bergoglio mudou em muitos aspectos a linha de Bento XVI, que, além disso, com a sua renúncia, reconheceu o seu fracasso. Será preciso esperar ainda para saber até onde chegará a mudança e, sobretudo, para saber se essa mudança estará alinhada com uma leitura evangélica dos sinais dos tempos.