“Charles de Foucauld sempre quis buscar o último lugar”, afirma o bispo da diocese mais pobre e indígena do Brasil

Charles de Foucauld (Fonte: Vatican News)

Por: Jonas Jorge da Silva | 05 Outubro 2021

 

“A boa nova das culturas indígenas acolhe a boa nova de Jesus” é o lema que orienta a pastoral da Diocese de São Gabriel da Cachoeira, Amazonas, próxima da fronteira com a Colômbia e Venezuela. Com 293.000 km², esta diocese é uma das mais extensas e pobres do Brasil, com cerca de 95% da população pertencente a 23 etnias indígenas que habitam a região e que falam 18 línguas.

 

Inserido nessa realidade, Dom Edson Taschetto Damian, membro da Fraternidade Sacerdotal Jesus Cáritas, que segue a espiritualidade de Charles de Foucauld, avalia que “a Igreja deve construir a unidade na diversidade e que para isso devemos criar espaços de diálogo, para respeitar as pessoas que são diferentes, para que se manifestem na sua espiritualidade, nos seus valores culturais”, conforme depoimento citado por Luis Miguel Modino e publicado pelo IHU, recentemente. 

 

Dom Edson Taschetto Damian (Foto: REPAM) 

 

No último sábado, 02 de outubro, em parceria com o Instituto Humanitas UnisinosIHU e apoio do Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de AlmeidaOLMA, o CEPAT promoveu um momento de reflexão intitulado Um encontro com Charles de Foucauld, a partir do testemunho e partilha de vida de Damian.

 

Charles de Foucauld, o “irmão universal”, viveu uma espiritualidade encarnada no meio dos abandonados, respeitando a cultura e a fé daqueles que encontrou. Foi um grande amante da solidão prenhe de fraternidade, buscando um estilo de vida simples, pobre, no anonimato, mergulhando apaixonadamente na vida oculta de Jesus de Nazaré.

 

Dom Edson, que já compartilhou suas reflexões sobre a espiritualidade foucauldiana no livro Espiritualidade para nosso tempo, com Carlos de Foucauld (Paulinas), destacou como o amor apaixonado por Jesus e os pobres foram conduzindo De Foucauld a um processo de radicalidade em sua opção de vida. “Perdi meu coração por aquele Jesus de Nazaré crucificado há 1900 anos e passo minha vida procurando imitá-lo, na medida em que minha fraqueza permite. A semelhança é a medida do amor”, concluiu aquele que, no ano passado, teve a sua canonização aprovada pelo Papa Francisco.

 

Igor Sulaiman Said Felico Borck, do CEPAT, Dom Edson Taschetto Damian, da Diocese de São Gabriel do Cachoeira, e Jonas Jorge da Silva, do CEPAT na atividade "Um encontro com Charles de Foucauld" 

 

Charles de Foucauld anunciou Jesus por meio da presença fraterna, testemunho de amizade e solidariedade junto aos muçulmanos. “Meu apostolado deve ser o da bondade. Vendo-me, os outros poderão dizer: já que esse homem é tão bom, sua religião deve ser boa. Se me perguntarem por que sou manso e bom, devo dizer: porque sou servo de alguém muito melhor do que eu. Ah, se soubessem o quanto é bom meu Senhor Jesus! Gostaria de ser bom para que dissessem: se assim é o servo, como então será o Senhor?”, confessou.

 

Durante o encontro, na medida em que aprofundava elementos da espiritualidade foucauldiana, Dom Edson T. Damian também compartilhou fatos marcantes em sua vida missionária na região amazônica. Proveniente do clero diocesano de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, está há 12 anos como bispo em São Gabriel da Cachoeira, após também passar 10 anos como missionário em Roraima. Pesou em sua decisão na hora de aceitar a nomeação para São Gabriel da Cachoeira, após os seus 60 anos de idade, a imensa dívida social com os povos indígenas, vítimas de um genocídio. “Charles de Foucauld sempre quis buscar o último lugar. Sendo a diocese mais pobre, mais indígena, então eu vou lá. Deus vai me ajudar”, confidenciou a respeito do discernimento que fez antes de assumir a diocese.

 

Mais ao final de sua partilha, o bispo de São Gabriel da Cachoeira também recordou que na carta encíclica Fratelli Tutti, o Papa Francisco também menciona a fecundidade da espiritualidade de Charles de Foucauld, ao afirmar que “o seu ideal de uma entrega total a Deus encaminhou-o para uma identificação com os últimos, os mais abandonados, no interior do deserto africano. Naquele contexto, afloravam os seus desejos de sentir todo ser humano como irmão, e pedia a um amigo: Peça a Deus que eu seja realmente o irmão de todos. Enfim, queria ser “o irmão universal. Mas somente se identificando com os últimos é que chegou a ser irmão de todos. Que Deus inspire esse ideal a cada um de nós! Amém”. (287)

 

 

 

 

Os pontos destacados durante o encontro com Dom Edson T. Damian podem ser lidos na entrevista que concedeu ao IHU, publicada em junho de 2020, intitulada Charles de Foucauld e a fascinante conversão pelo amor a Jesus e aos pobres. Entrevista especial com Dom Edson Taschetto Damian

 

Cronologia da vida de Charles de Foucauld

 

- 15 de setembro de 1858 - Nascimento em Estrasburgo, França;

- 30 de outubro de 1876 - Ingresso na Escola Militar;

- Junho de 1881 - Voluntário do Exército da França na Argélia;

- 10 de junho de 1883 - Viagem para conhecimento do Marrocos;

- 29/30 de outubro de 1886 - Conversão na confissão com o Pe. Huvelin;

- 16 de janeiro de 1890 - Ingresso na trapa de Notre-Dame Neiges;

- 11 de julho de 1890 - Mudança para a trapa de Akbés, na Síria;

- 23 de janeiro 1897 - Permissão para deixar a trapa;

- 10 de março de 1897 - Empregado das Clarissas em Nazaré;

- 09 de junho de 1901 - Ordenado sacerdote vai a Beni Abbés;

- 11 de agosto de 1905 - Mudança para o Hoggar em Tamanrasset;

- 01 de dezembro de 1916 - Assassinado em Tamanrasset. 

 

Oração do abandono

 

Meu Pai,
a vós me abandono,
fazei de mim o que quiserdes:
O que de mim fizerdes
eu vos agradeço.

Estou pronto para tudo,
aceito tudo,
contanto que a vossa vontade
se faça em mim
e em todas as vossas criaturas.

Não quero outra coisa, meu Deus.
Entrego minha vida
em vossas mãos.

Eu vo-la dou, meu Deus,
com todo amor do meu coração
porque eu vos amo.

E porque é para mim
uma necessidade de amor
dar-me, entregar-me
em vossas mãos sem medida,
com infinita confiança
porque sois meu Pai. 

 

Eis a íntegra do encontro.

 

 

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