06 Dezembro 2013
O Papa Francisco surpreendeu o mundo, porque ele abraça a vocação cristã para desestabilizar e desafiar. Como o primeiro líder da Igreja Católica que vem do hemisfério Sul, ele está especialmente atento às formas pelas quais o capitalismo desregulado falhou em ajudar os pobres e os deixou "à espera".
A opinião é de E.J. Dionne, colunista de política do The Washington Post e do blog PostPartisan. É pesquisador sênior em Estudos de Governança da Brookings Institution e professor de governança da Georgetown University.
O artigo foi publicado no sítio do jornal The Washington Post, 01-12-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
O cristianismo tem sido utilizado ao longo dos séculos para sustentar os poderosos. Mas, desde o início, a mensagem cristã foi subversiva aos sistemas políticos, crítica com aqueles que estão no topo e exigente com todos os que a levam a sério.
O Papa Francisco surpreendeu o mundo, porque ele abraça a vocação cristã para desestabilizar e desafiar. Como o primeiro líder da Igreja Católica que vem do hemisfério Sul, ele está especialmente atento às formas pelas quais o capitalismo desregulado falhou em ajudar os pobres e os deixou "à espera".
Sua exortação apostólica A alegria do Evangelho está atraindo uma grande e merecida atenção por sua denúncia à economia da "recaída favorável" [trickle down] como um sistema que “exprime uma confiança vaga e ingênua na bondade daqueles que detêm o poder econômico”. É a visão de que "nunca foi confirmada pelos fatos" e criou "uma globalização da indiferença". Será que os católicos conservadores, que há muito defendem o corte de impostos para os ricos, reconhecem o dilema moral que Francisco colocou diante deles?
Mas tanto os liberais quanto os conservadores norte-americanos podem estar desconcertados com a crítica do papa sobre "o individualismo de nossa era pós-moderna e globalizada", já que cada lado defende suas próprias formas favoritas de individualismo. Francisco lamenta "um vazio deixado pelo racionalismo secularista", uma frase que não cairá muito bem para muitos da esquerda.
E, tendo em conta as compras obsessivas da Cyber Monday e da Black Friday, aqui está um papa que pinta o consumismo na mais escura das cores. "A cultura do bem-estar anestesia-nos, a ponto de perdermos a serenidade se o mercado nos oferece algo que ainda não compramos", escreve ele. "Enquanto todas estas vidas ceifadas por falta de possibilidades nos parecem um mero espetáculo que não nos incomoda de forma alguma".
No entanto, essa crítica da nossa época se recusa a ser sombria, repreendendo "pessimistas lamurientos e desencantados", a quem ele rotula de “cara de vinagre”. Eu gosto de um papa que toma uma posição contra os “caras de vinagre”.
Francisco faz muitos liberais delirarem, mesmo que ele não seja, em um sentido convencional, um liberal. Ele também dividiu os conservadores norte-americanos entre aqueles que tentam agarrar-se a ele e aqueles que acreditam que ele é, a partir de suas perspectivas, algo perigoso.
Todos os lados percebem onde a energia do pontificado de Francisco se encontra. Ele não é o primeiro papa a denunciar o nosso sistema econômico injusto. O Papa João Paulo II condenava regularmente o "monopólio imperialista" e o "luxuoso egoísmo". O Papa Bento XVI condenou "a corrupção e a ilegalidade" na "conduta da classe política e econômica nos países ricos", enquanto falava com aprovação da "redistribuição da riqueza".
A diferença é que a preocupação com os pobres e uma condenação da injustiça econômica estão no coração da missão de Francisco. "Nesse sistema que tende a fagocitar tudo para aumentar os benefícios", escreve ele , "qualquer realidade que seja frágil, como o meio ambiente, fica indefesa face aos interesses do mercado divinizado, transformados em regra absoluta". Você consegue imaginar um liberal norte-americano que ousasse dizer tais coisas?
Os católicos norte-americanos conservadores foram rápidos em apontar que no, fim de "A Alegria do Evangelho", Francisco afirma fortemente a oposição da Igreja ao aborto. Esse é, de fato, um dos motivos pelo qual ele não é um liberal convencional. Ele fala dos “nascituros” como "os mais inermes e inocentes de todos". Ele insiste que a posição da Igreja não é "ideológica, obscurantista e conservadora", mas sim que "está intimamente ligada à defesa de qualquer direito humano".
No entanto, quase imediatamente, ele acrescenta que "é verdade também que temos feito pouco para acompanhar adequadamente as mulheres que estão em situações muito duras" e rapidamente ele volta para sua posição mais ampla em nome de "outros seres frágeis e indefesos, que muitas vezes ficam à mercê de interesses econômicos ou de um uso indiscriminado".
É bem verdade que os liberais que gostam de Francisco precisam entrar em acordo com aspectos de seu pensamento que podem ser menos convenientes para os seus pressupostos. Mas a alta prioridade que ele tem colocado em combater a exploração econômica, sua ênfase na "educação, acesso aos cuidados de saúde e especialmente trabalho", suas advertências contra aquele que é “irredutivelmente fiel a um certo estilo católico próprio do passado" e sua infelicidade com o surgimento da ultraortodoxia – ele censura os "juízes sombrios que se comprazem em detectar qualquer perigo ou desvio" – põe os conservadores ainda mais à prova.
À luz de um passado recente em que o conservadorismo estava ganhando terreno na Igreja Católica dos EUA, os progressistas têm razão para estarem eufóricos. Os católicos conservadores sabem disso. É por isso que eles estão divididos entre expressar lealdade a um papa que tem capturado a imaginação popular e se preocupar sobre a possibilidade de ele estar transformando a Igreja com uma velocidade que poucos pensaram ser possível.
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O coração da missão do Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU