Ucrânia mostrou que nos devem a possibilidade de rejeitar que a guerra pode ser justa

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28 Março 2022

 

“Sabemos o que precisamos fazer. Precisamos parar de descartar a não-violência como ingênua, simplista, desengajada ou ineficaz e investir em uma redefinição radical de nossos valores, nossas prioridades, nossas relações uns com os outros e com o planeta. Precisamos começar agora a construir um novo paradigma não-violento que substitua o modelo de escassez e “sobrevivência do mais forte” por valores que se baseiam na sabedoria e experiência de culturas e tradições comprometidas com respeito, integridade, conexão, dependência mútua, reciprocidade, justiça e vida, e sobre a qual precisamos reconstruir os sistemas e estruturas de nossas sociedades”, escreve Marie Dennis, ex-presidente da Pax Christi International e diretora do programa de Iniciativa Católica de Não-Violência, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 25-03-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.

 

Eis o artigo.

 

Emergindo lentamente do desgosto da morte, destruição e deslocamento massivo causado pela invasão ilegal da Rússia na Ucrânia estão inspirando demonstrações de diversas estratégias de não-violência que estão revertendo a lógica da guerra, e o reconhecimento de que se nós queremos evitar uma Terceira Guerra Mundial, a diplomacia e o peacebuilding são as únicas rotas.

Há um consenso generalizado de que as histórias de não-violência criativa e ativa na Ucrânia e na Rússia devem ser contadas. São histórias sobre diplomacia obstinada, resistência civil, elementos de defesa civil, ação simbólica, não cooperação, conquista de combatentes inimigos, solidariedade e acompanhamento, música e arte, atos de bondade e acolhimento, uso de ferramentas digitais para documentar crimes de guerra e muito mais.

Eles tratam da não-violência – um modo de vida e um espectro de estratégias realistas e eficazes para prevenir ou interromper a violência, para proteger a vida humana e o planeta, para promover um mundo mais justo e pacífico.

Isso é o que a pesquisadora de não-violência Maria Stephan chama de “um momento de profunda clareza moral”. A guerra na Ucrânia não é mais importante do que as outras guerras que destroem vidas humanas e a Terra, mas, como a revista católica britânica The Tablet publicou em 19 de março, ela “faz história, é a mudança do jogo, a mudança de paradigma”.

O debate perene sobre os critérios da guerra justa continua, mas dada a carnificina em curso e as consequências potencialmente catastróficas, a afirmação do Papa Francisco de que “não existe guerra justa” soa verdadeira.

A questão não é se defender contra uma invasão militar brutal, mas como. As estratégias não-violentas usadas pelos ucranianos em muitos locais diferentes são de vital importância e ilustram maneiras poderosas e eficazes de defender suas comunidades e quebrar os ciclos de violência. Suas ações corajosas apontam para um futuro em que a não-violência será a ética universal que os humanos, devido à sobrevivência, finalmente adotaram.

Para avançar nessa direção, sabemos o que precisamos fazer. Sabemos que precisamos de uma mudança de paradigma. Vivemos num contexto de guerra e de preparação para a guerra, assumindo que a segurança militarizada era a única forma de sobrevivência. Nós, nos EUA, moldamos nossa sociedade, e especialmente nossa economia, em torno dessa crença.

A guerra na Ucrânia é hiper-visível e, por sua ligação muito possível com armas nucleares e sua ameaça às usinas nucleares, é super-perigosa, uma ameaça existencial para toda a vida e nosso lar comum, o planeta Terra. Mas a violência insaciável e dolorosa desencadeada pela guerra no Iêmen, Síria, Afeganistão, Iraque, Gaza, Colômbia exige a mesma resposta.

Sabemos o que precisamos fazer. Precisamos parar de aceitar a guerra perpétua e camadas intermináveis de violência como normal. Racismo, imperialismo, militarismo, nacionalismo, roubo de recursos para se preparar para a guerra, economias dependentes e fortunas feitas com o comércio de armas, violência cultural, violência econômica, riqueza e pobreza extremos e a violência de gênero criam um solo fértil onde conflitos violentos e guerras se infiltram e se espalham.

Sabemos o que precisamos fazer. Precisamos rejeitar a possibilidade de que a guerra possa ser justa. Ponto final.

Sabemos o que precisamos fazer. Precisamos parar de descartar a não-violência como ingênua, simplista, desengajada ou ineficaz e investir em uma redefinição radical de nossos valores, nossas prioridades, nossas relações uns com os outros e com o planeta. Precisamos começar agora a construir um novo paradigma não-violento que substitua o modelo de escassez e “sobrevivência do mais forte” por valores que se baseiam na sabedoria e experiência de culturas e tradições comprometidas com respeito, integridade, conexão, dependência mútua, reciprocidade, justiça e vida, e sobre a qual precisamos reconstruir os sistemas e estruturas de nossas sociedades.

Uma mudança tão completa pode levar décadas: de ouvir as histórias e compreender a experiência das comunidades mais marginalizadas e negligenciadas; de educação transformadora, desenvolvimento de habilidades para a vida e formação de valores; de redesenhar e reconstruir sistemas políticos, econômicos, financeiros, sociais, culturais e ambientais para que promovam a justiça socioeconômica, a dignidade humana, a cura da Terra inteira e, portanto, a paz.

Cada passo para uma solução na Ucrânia precisa ter um tipo de paradigma de mudança que nós sabemos que nós temos que executar se nós planejarmos a sobrevivência por muito tempo nesse planeta. Por exemplo:

 

  • Os recursos devem ser disponibilizados para a Ucrânia (o governo e a sociedade civil, incluindo as igrejas) para engajar o conflito usando estratégias não violentas em uma estrutura de paz justa que se concentre em quebrar os ciclos de violência.
  • Além de um cessar-fogo imediato e da resolução da crise na Ucrânia, a diplomacia deve buscar uma relação de segurança cooperativa, desmilitarizada e desnuclearizada entre a Rússia e o Ocidente, uma zona econômica e de segurança comum que una a Rússia à Ucrânia como parceiros em uma zona maior de paz e inclui um compromisso urgente para reduzir as emissões de carbono e a transição para longe dos combustíveis fósseis.
  • A reforma há muito paralisada das Nações Unidas, particularmente o poder de veto do P-5 no Conselho de Segurança, deve prosseguir se a ONU quiser cumprir seu propósito de manter a paz e a segurança.
  • Reforçar o sistema internacional baseado em regras é crucial para responsabilizar a Rússia por violar o direito internacional na Ucrânia.
  • As violações do direito internacional pelos EUA e a não adesão a tratados que proíbem minas terrestres, bombas de fragmentação e, mais recentemente, armas nucleares, bem como o repúdio dos EUA a outros grandes tratados de controle de armas (o acordo nuclear com o Irã, o Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário e o Tratado de Céus Abertos) mina decididamente o direito internacional.
  • As sanções podem ser ferramentas eficazes, éticas e não violentas para promover a paz; as sanções também podem ser antiéticas e violentas. A doutrina social católica exige que as sanções “sejam usadas com grande discernimento e estejam sujeitas a rigorosos critérios legais e éticos”.
  • As sanções à Rússia devem ser reestruturadas para incluir incentivos claros para ações positivas e para evitar danos duradouros à população russa.
  • Os ucranianos que fogem da guerra, os russos que fogem da repressão e todos os refugiados da violência e da guerra devem ser tratados com igual respeito, independentemente de raça, etnia, gênero, religião.

 

O Papa Francisco, seguindo Jesus, tem preparado o terreno para um envolvimento católico total nesta urgente mudança de paradigma. Sua visionária encíclica de 2015, “Laudato Si', sobre o cuidado da casa comum”, seu apelo à conversão ecológica e a um “novo normal pós-pandemia” apontam claramente nessa direção.

Na encíclica Fratelli Tutti de 2020, ele disse: “Toda guerra deixa nosso mundo pior do que era antes. A guerra é um fracasso da política e da humanidade, uma capitulação vergonhosa, uma derrota pungente diante das forças do mal”.

E a um congresso internacional de educadores em 18 de março, ele disse: “Uma guerra é sempre — sempre! — a derrota da humanidade, sempre... Não existe guerra justa: elas não existem!”.

 

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