05 Outubro 2021
Os economistas Luiz Gonzaga Belluzzo e Gabriel Galípolo estão lançando o livro Dinheiro – O poder da abstração real (Editora Contracorrente). Já na nota introdutória, a obra discorre sobre um fato ao mesmo tempo atual e perturbador. Analistas do Goldman Sachs, grupo financeiro multinacional sediado em Nova York, avaliam os interesses financeiros a partir da atuação das empresas de biotecnologia envolvidas em tratamentos a partir da terapia genética. Segundo o debate, as curas podem não ser positivas para os negócios a longo prazo. “Curar pacientes é um modelo de negócio sustentável?”, questionam os analistas em relatório de 10 de abril de 2020 intitulado “A Revolução do Genoma”.
A reportagem é de Eduardo Maretti, publicada por Rede Brasil Atual, 03-10-2021.
De acordo com a introdução do livro, embora o potencial de que “curas com apenas uma injeção” seja um aspecto extremamente promissor e atraente da terapia genética, “esses tratamentos oferecem uma perspectiva muito diferente em relação à receita recorrente das terapias crônicas”, na perspectiva do analista financeiro Salveen Richter em informativo aos clientes. A proposta científica pode ter “enorme valor para os pacientes e para a sociedade”, anota Richter, mas “pode representar um desafio para os que desenvolvem a medicina de genoma que buscam um fluxo de caixa sustentado”.
Questão perturbadora
A questão é essencialmente ética. A avaliação das consequências “econômicas” da cura rápida proporcionada pelas terapias do genoma – observam os autores do livro Dinheiro – é uma boa oportunidade para um debate sobre as relações entre a vida humana e os critérios de rentabilidade impostos pelo capitalismo. “As curas podem ser ruins para o desempenho econômico das empresas de biotecnologia, a longo prazo. Se a cura for rápida, vai faltar doente para receber a medicação.”
“É preciso, portanto, buscar terapias mais longas e doenças crônicas”, anotam os autores. Para o capital, o tratamento do câncer pode ser mais lucrativo do que a própria cura.
Bolsonarismo e capital financeiro: a desumanidade
“A desumanidade dessas considerações não é mais desumana que a contraposição bolsonarista entre a economia e a saúde no combate à pandemia do novo coronavírus. As pessoas devem sair às ruas e se aglomerar para salvar a economia e os empregos porque o custo monetário do isolamento social é muito elevado”, escrevem Belluzzo e Galípolo, sobre a estratégia adotada pelo governo Bolsonaro. A cúpula da CPI da Covid, aliás, afirma já ser comprovado que o negacionismo em voga no país é, de fato, uma política deliberada.
A política econômica ultraliberal, cuja radicalização começou com o governo de Michel Temer, é, de certa maneira, a alavanca da desumanidade, acelerada por Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes. “Está aí o Teto de Gastos para impedir que governos desatinados salvem as vidas de hoje e, dessa forma, sacrifiquem as vidas dos homens e mulheres que hão de nascer. Sendo assim, o auxílio emergencial e o socorro às pequenas e médias empresas deve ser minguados e de curta duração.”
O processo é implacável e didático. “Estamos diante da manifestação escancarada do processo de abstração real que opera nos subterrâneos das sociedades capitalistas e deforma suas superfícies”, explicam os autores.
Qual o preço dos ativos?
De um ponto de vista vinculado à realidade global, a relação de interesses do capital financeiro na crise gerada pela covid-19, a mais grave pandemia registrada desde a gripe espanhola há um século, fazem parte do menu de Dinheiro. A inquietação dos chamados mercados financeiros não é pequena ante uma conjuntura na qual eles “perderam a capacidade de avaliar o preço dos ativos”.
Segundo os autores, “o medo esmagou a ganância”. “Nos momentos de ‘crise de liquidez’, os portfólios se precipitam em massa para o ativo que encarna — no imaginário social e na prática dos agentes privados — a forma geral da riqueza. No entanto, se todos correm para a liquidez, poucos conseguem atingi-la. Na dança das cadeiras, muitos ficam sem assento. Só o provimento de liquidez pelo Banco Central salva.”
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Economia ou saúde? O paradoxo do mercado financeiro e de Bolsonaro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU