Os cem movimentos e a pressão do Papa para limpar a Igreja de seitas e líderes carismáticos

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26 Agosto 2021

 

“O Papa é contra os movimentos? Longe disso. Pelo contrário, está preocupado com eles, razão pela qual decidiu intervir”. O alto prelado sorri, questionado dois meses após a publicação do decreto com o qual Francisco pede que aqueles que dirigem movimentos e associações reconhecidas pela Igreja (as exceções podem dizer respeito apenas a alguns fundadores) não permaneçam no cargo por mais de dez anos.

A reportagem é de Paolo Rodari, publicada por La Repubblica, 25-08-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.

“Sua preocupação é com os abusos, sobretudo de poder e de consciência, que algumas dessas pessoas, idolatradas por grupos muitas vezes fechados como uma seita, cometeram contra pessoas a elas confiadas”.

Por outro lado, uma mudança nos vértices, como explicou o jesuíta Ulrich Rhode ao Osservatore Romano, propicia grandes benefícios à vitalidade da própria associação, leva a evitar o crescimento de personalismos: o que Francisco deseja é essa vitalidade, nada mais.

Não foram poucos os que leram a divulgação do decreto em junho passado como um machado lançado pelo Papa contra os movimentos. Dizem que o bispo de Roma que cresceu na escola de teologia do pueblo argentino, ao contrário de seus dois últimos predecessores, não gosta dos carismas.

Para isso, ele limpa os vértices exercendo assim um controle mais direto. "Nada poderia ser mais falso", respondem no Vaticano. O que ele combate são os "integralismos comunitários", isto é, o risco de que associações individuais, ainda que completamente diferentes umas das outras, vivam em total autorreferencialidade, sem saber se abrir aos outros.

Bergoglio já em Buenos Aires deixou espaço para as iniciativas dos movimentos. Aquelas nascidas de baixo sempre foram valorizadas por ele. Várias vezes apresentou livros de dom Giussani, celebrou liturgias com Santo Egídio, rezou no túmulo de Escrivà, favoreceu os encontros ecumênicos dos Focolarini e, como escreveu Gianni Valente no Vatican Insider, "rezou o ‘rosário das rosas’ nas paróquias bonaerenses confiadas aos sacerdotes do movimento de Schöenstatt”, aproximando-se inclusive das associações menores e restritas.

“O dicastério vaticano - confirma em Rimini Bernhard Scholz, presidente da Fundação Meeting da amizade entre os povos - promulgou um decreto que diz respeito a mais de cem associações e movimentos eclesiais”. Quanto a CL, o presidente da Fraternidade CL, Julián Carrón, “declarou logo após a publicação que o movimento ‘providenciará atender as solicitações, na forma e nos prazos estabelecidos pelo próprio decreto’. Sempre foi intenção da CL servir a Igreja e o será também no futuro. Pelo mesmo motivo, o Meeting tentará ser, também no futuro, um lugar de encontro para todos”.

Dois anos passam rapidamente. Dentro deste prazo, muitos movimentos mudarão sua liderança. Depois de Carrón, aguardam-se as posições dos outros "grandes nomes", Chiara Amirante de Nuovi Orizzonti, Kiko Arguello dos Neocatecumenais, Salvatore Martinez da Renovação do Espírito, Marco Impagliazzo de Santo Egídio. Ainda que as preocupações do Papa não pareçam ser tanto em relação a eles. Quanto às multíplices micro realidades - fala-se de mais de uma centena de agregações afetadas pelo decreto - todas diferentes entre si, que nos últimos anos não se formaram sem correr o risco de nichos de abuso de poder e em alguns casos até de violências. Foi isso que motivou Francisco. São essas situações que o Papa não quer que voltem a se repetir.

Casos como o dos Legionários de Cristo e a dupla vida de Marcial Maciel Degollado ainda doem. E não são isolados. Nem sempre João Paulo II teve condições de constatar certos abusos e, numa época histórica na qual o "nós", o ser como comunidade, precedia o "eu", centrou tudo nos movimentos e na presença na sociedade dos diversos carismas. Numa Igreja protagonista da batalha do Ocidente contra as ideologias totalitárias, os movimentos foram uma forte presença social e política. Os carismas, mesmo com todas as suas limitações, foram úteis à causa. Bento XVI assumiu a linha de Wojtyla, embora tenha sido o primeiro a abrir uma ação de cima contra os abusos, também ciente de que o futuro da Igreja não estava mais nas ações de evangelização de massa, mas nas "minorias criativas", pequenos grupos que soubessem dar o exemplo sem fazer proselitismos nem conquistas de campo.

Depois dele, Francisco, que justamente há duas semanas explicou implicitamente o sentido do seu decreto.

Na primeira audiência geral após a internação para a cirurgia, de fato, o Papa recordou quantas “vezes vimos na história, e vemos até hoje, algum movimento que prega o Evangelho com modalidade própria, às vezes com verdadeiros carismas, mas depois exagera e reduz todo o Evangelho ao movimento”. Mas "este não é o Evangelho de Cristo, é o Evangelho do fundador ou da fundadora: e isso poderá ajudar no início, mas no final não dá frutos com raízes profundas", esclareceu. Aqui está o sentido de suas disposições, aqui está a raiz de uma ação que dentro de 24 meses democratizará os vértices dos movimentos dentro de um panorama eclesial em que a prevaricação dos líderes contra as pessoas a eles confiadas não é mais permitida nem tolerada.

 

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