8 anos sem o padre Dall'Oglio. Cristiano: “Vou lhes contar o que significava para ele a fraternidade”

Pe. Paolo Dall'Oglio (Foto: Wikimedia Commons)

29 Julho 2021

 

Era 29 de julho de 2013 quando o jesuíta italiano foi sequestrado em Raqqa, na Síria. Também neste ano são numerosas as iniciativas para recordar aquele triste dia e renovar o convite ao diálogo, ao encontro e à conversão dos corações que Dall'Oglio promovia todos os dias na sua missão. Entrevista com Riccardo Cristiano: “Ensinou-nos o que significa ser amigos de um povo”.

 

A entrevista é de Andrea De Angelis, publicada por Vatican News, 28-07-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.

 

Uma vida para o próximo, identificada no povo sírio de que - repete ainda hoje quem o conheceu - foi “um verdadeiro amigo " A sua capacidade de escuta, aquela predisposição natural para favorecer o encontro, a tentativa de conhecer sem jamais assimilar, faziam dele um sacerdote em missão capaz de levar a luz também nos lugares onde as trevas pareciam prevalecer. Como a Síria, posta de joelhos pelo terrorismo, pelo ódio resultante de um fundamentalismo que não conhece limites, mas apenas barreiras. Recordar Paolo Dall'Oglio oito anos após o seu desaparecimento significa não esconder a dor da sua longa ausência, mas também renovar a esperança e continuar a transmitir aquela mensagem que difundiu dia a dia, na sua missão quotidiana ao serviço da Igreja universal.

 

As iniciativas para conhecer e não esquecer

 

São várias as iniciativas para este oitavo aniversário. Entre tantas, recordamos a de hoje, quarta-feira, 28 de julho, no Centro Fonte di Ismaele, em Roma, onde Francesca Dall'Oglio, juntamente com o jornalista Riccardo Cristiano, fala a menores desacompanhados hospedados na estrutura de acolhimento. Quinta-feira, 29, às 21h15, em Verona - no Jardim dos ex-Nani - Combonifem, Nigrizia e o Conselho Islâmico de Verona organizam uma noite de reflexão a partir de frases do Padre Paolo Dall'Oglio e da sua experiência no mosteiro de Mar Musa, na Síria.

 

Ao lado das pessoas

 

Riccardo Cristiano, jornalista, vaticanista e fundador da associação Jornalistas amigos do Padre Dall'Oglio, foi por muito tempo enviado no Oriente Médio. Junto conosco lembra a figura do Padre Paolo e ressalta como a sua capacidade de escuta o tornasse realmente próximo do povo sírio. Amigo, de fato.

 

Ouça a entrevista com Riccardo Cristiano.

 

Eis a entrevista.

 

Riccardo, no Centro Fonte di Ismaele você vai falar sobre o Padre Paolo para menores desacompanhados. Por que é importante dar a conhecer a sua figura aos mais jovens?

 

Acho que é importante falar aos jovens e, de maneira mais geral, a todos. Para os jovens, especialmente porque o Padre Paolo estava convencido de que uma teologia inter-religiosa deveria ser construída em nome de sua fé. Ele a construiu a partir da figura de Ismael, que no Islã é filho de Abraão, num primeiro momento levado ao sacrifício, mas depois não mais sacrificado. Ismael é expulso de sua família junto com sua mãe e começa uma peripécia no deserto. Abraão vê nas lágrimas da mãe que não encontra água no deserto para matar a sede do filho, as mesmas lágrimas de Maria sob da cruz. No choro de Ismael vê um choro evangélico e o caso o faz compreender como, existindo um pacto em nome da eleição, um pacto com Deus, existe também um pacto em nome da marginalização. Em nome da expulsão. Os marginalizados, os proscritos são os eleitos de Deus e o símbolo desse pacto, dessa eleição é precisamente a figura do pequeno Ismael. Um caso que nos faz entender o que significa encontrar a chave para apresentar, mesmo com um pensamento evangélico, o que evangélico não é. Na esperança de entender juntos o mistério, o próprio caminho, o próprio sentido no desígnio global de Deus.

 

Ouvindo as tuas palavras, penso na maneira como o Padre Paolo teria promovido, falado e dado a conhecer a encíclica Fratelli tutti. Você também já pensou nisso alguma vez?

 

Já pensei nisso muitas vezes e devo dizer que esse pensamento me acompanha muito, todas as vezes que ouço falar de fraternidade. Por isso, gosto de destacar como o Padre Paolo se empenhou tanto pela fraternidade. Aos que lhe pediam para converter os muçulmanos, como missionário naquela que se chama Terra do Islã, ele respondia que, na realidade, não sentia esse desejo, mas o de se converter à obra de Deus em cada alma humana. Precisamos de um novo profetismo em diálogo, em uma experiência sempre nova da ação do Espírito de Deus. Acho que a hospitalidade seja a marca de todas as culturas religiosas do Oriente Médio e na fraternidade do Papa Francisco sinto isso. Encontro isso na encíclica.

 

Por que tantas testemunhas disseram, e ainda hoje repetem, que o Padre Paolo era amigo do povo sírio?

 

Para responder a essa pergunta, quero partir do que ele escreveu sobre a globalização, ou seja, que ela fez muito mal aos sírios. Para os muçulmanos e os sírios cristãos. O motivo está na chegada da televisão, com a qual as mulheres cristãs, por exemplo, viram as imagens de outras cristãs de diferentes países que se vestiam de maneira diferente das suas. O mesmo vale para as mulheres muçulmanas. Mudaram, assim, o seu modo de vestir, através de um processo que é a assimilação de um modelo. Essa assimilação começou a fazer com que as pessoas perdessem a sua especificidade, que consistia em se vestir com um véu leve, diferente de outros ou da ausência total. Um véu colorido, apoiado sobre os cabelos, que indicava estar dentro de um sentimento comum de seu povo. Este é um exemplo de como a tradição não é algo literal ou procedimental, mas pertencente a um modo de ser que outros pertencimentos impostos podem modificar, levando a um embate que antes era uma cultura comum. É por isso ele era amigo de todos os sírios.

 

Como a Síria mudou nestes oito anos?

 

Não quero ver o negativo, que existe, a morte e o desaparecimento de milhares e milhares de seres humanos. Pessoas das quais, como o padre Paolo, nada mais se sabe. Coisas terríveis aconteceram, de armas químicas a expulsões, de bombardeios a violações dos direitos humanos. Mas aconteceu outra coisa e este é o fio a que me agarro pensando no Padre Paolo e nesses nossos amigos que vivem na Síria, como nós viveríamos se tivéssemos nascido lá. Acredito que hoje tenha desmoronado o muro do medo. Quando esse muro cai, não é reconstruído. Como será possível ir em frente após a queda desse muro eu não sei, mas esse fato ainda hoje, em minha opinião, é subestimado.

 

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