A oração cristã

Foto: Cathopic

13 Julho 2021

 

Dar uma definição de oração não é algo simples. Significa encontrar palavras para expressar uma síntese entre a experiência humana e o evento teológico.

A reportagem é de Paola Zampieri, publicada por Settimana News, 10-07-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Etty Hillesum, no seu “Diário”, escreve que “certas pessoas rezam com os olhos voltados para o céu: elas buscam Deus fora de si mesmas. Há outras que inclinam a cabeça escondendo-a entre as mãos. Creio que buscam Deus dentro de si (...). Rezar, portanto, requer o recolhimento para buscar Deus dentro de si e um trabalho para desenterrar a fonte em que Deus está, caso esteja obstruída por ‘pedras e areia’”.

Simone Weil afirma com palavras de grande síntese que “a oração é expectativa e cumprimento do outro, que na Trindade coincidem. Expectativa e cumprimento podem ser entendidos como categorias antropológicas: não apenas esperar o outro, mas fazer com que ele, na relação, leve a sua alteridade à plenitude”.

Aprofundamos o tema com Marzia Ceschia, professora de Teologia Espiritual, e Antonio Bertazzo, professor de Psicologia Geral e da Religião, que conduzirão o seminário-laboratório “A oração cristã” no ciclo de especialização em Teologia Espiritual da Faculdade Teológica do Triveneto, no próximo ano letivo.

 

Eis a entrevista.

 

O que é a oração?

Pode-se constatar que a oração é um “acontecimento” em que o Céu e a Terra se encontram: o Outro e a pessoa na sua unicidade parecem se reencontrar, pois é da natureza de Deus ser pela sua criatura e é da natureza desta, por graça, mas não só, reencontrar-se n’Ele. Definir a oração envolver mergulhar no horizonte do encontro entre a criatura capax infiniti e o desejo de Deus de se dar a conhecer. A dimensão ética também passa a fazer parte desse encontro.

 

 

Em que a oração cristã difere das outras formas de oração nas outras religiões? Qual é a sua especificidade?

A oração cristã é a oração de Cristo. A sua oração é de louvor, de bênção, de intercessão, de invocação dirigida ao Pai. Assim, a Igreja toda, cada fiel individual em Cristo entra na melodia de Cristo, se move na consonância da oração de Cristo. A oração cristã é precisamente a oração do Espírito de Cristo. É Ele quem nos faz clamar: “Abbá, Pai”, que alimenta os desejos para que se tornem desejos de Deus, sede de comunhão com Deus. Podemos dizer que a oração cristã é especificamente a invocação do Espírito: dirigimo-nos ao Pai, por meio do Filho, no poder do Espírito Santo.

 

A oração é um evento humano e teológico. Acima de tudo, quais são as dinâmicas antropológicas presentes na oração cristã?

A oração é um evento que envolve a nossa humanidade: os pensamentos, os afetos, os sentimentos, a vontade, a percepção, o corpo. Em suma, tudo de nós. Graças aos estudos da neurofisiologia, pode-se afirmar que a oração é uma atividade que move as estruturas cerebrais de uma maneira específica. Trata-se de um evento fisiológico que não leva em conta a religião de pertencimento: todas as pessoas que entram na atividade orante, meditativa, reflexiva e se põem em relação com um “outrotranscendente ativam partes do cérebro e do sistema nervoso que são comuns. A nossa estrutura humana é solicitada por uma escolha relacional, embora se tratando de um Outro não visível.

 

Como ela se insere nas estruturas psicológicas da interioridade humana?

A oração envolve o sistema de pensamento que definimos como simbólico, evidenciando que ele é específico da pessoa humana e não dos animais não humanos. A oração, portanto, é um fato cultural que se alimenta de imagens, palavras, ações próprias de um grupo religioso. Por meio dessa bagagem individual ou de grupo, ativam-se aquelas formas simbólicas que entram na estrutura da oração.

 

Qual é o significado teológico específico da oração cristã?

Oração é uma palavra que entra, constrói, faz, cumpre a relação entre o Eu humano e o Eu divino. O seu contexto que definimos como “natural” é o dialógico, em que o Tu divino chama ou convoca o Eu humano e o leva à relação. Se a relação “Eu-Tu” é a estrutura constitutiva da oração, a oração cristã fundamenta essa relação na Revelação. Vamos a Deus com Deus, com o Filho, no qual somos todos filhos, e Ele nos faz conhecer o Pai, ou seja, em sentido joanino, nos faz entrar na possibilidade de amar. Esse é o agir do Espírito.

 

Quais são as linhas fundamentais da oração cristã?

Na sua reflexão sobre o Pai-Nosso, Simone Weil desde modo fundante: “Nós pertencemos a Ele. Ele nos ama, porque ama a si mesmo, e nós somos seus. Mas é o Pai que está nos céus. Não em outro lugar. Se nós acreditamos que temos um pai aqui embaixo, não é Ele, mas um falso deus. Não podemos dar um único passo na sua direção: não caminhamos verticalmente. Só podemos dirigir o nosso olhar para Ele”.

 

A oração na Bíblia e na história: mudou a forma de rezar ao longo dos séculos?

A oração na história é uma questão muito complexa. Em poucas palavras, seria possível dizer que as duas formas principais de oração ligadas a duas dimensões da religiosidade estão constantemente presentes. Há uma oração que expressa a forma funcional da religiosidade: é aquela que mostra submissão, magia, dependência em relação a uma divindade que se acredita como poderosa e ameaçadora. Pode-se associar a isso o sacrifício, até mesmo cruel, à oferta dos bens ou das coisas a essa divindade que não se conhece ou que é percebida como causa de temor ou de medo. Essas formas também estão presentes hoje em algumas religiões, mas também na cristã, quando está presente uma deformação da ideia de Deus imaginado como onipotente e desconhecido. Assim também pode ocorrer na devoção individual.

 

 

A oração ao Deus conhecido é diferente...

A oração que expressa uma religiosidade ligada a um Deus conhecido, do qual se compartilha a paixão pelo Bem da humanidade, é feita de louvor, de ação de graças, de confiança, de intercessão confiante e não de medo. Para nós, cristãos, é a oração de Jesus que eleva o seu canto de louvor e de glória ao Pai e leva os seus discípulos a entrarem em relação com Deus na forma de filhos e filhas (cf. Jo 15,9-17). As diferentes formas de oração podem ser descritas como presentes no percurso de amadurecimento da fé, da consciência fiel. Assim, podemos discernir quais figuras de Deus estão mais presentes no imaginário religioso individual. Em todo o caso, para um cristão, o “trabalho sobre as imagens de Deus” é sempre uma evangelização do nome de Deus e da sua representação.

 

Pode-se falar de uma pedagogia da oração? Em que sentido?

Dissemos que encontramos na pessoa uma disposição natural à transcendência. Cada religião, de todas as culturas, é expressão dessa dinâmica presente. Por isso, os pertencentes a qualquer religião são iniciados na oração, como expressão principal da relação com Deus: a oração materna, o exemplo de uma comunidade orante, a liturgia, as intercessões e todas as formas relativas a essa disposição. Além disso, cada fase da vida prevê a sua própria forma, adaptada, conformada às capacidades e às disposições pessoais: uma criança reza como uma criança, um adulto reza como um adulto. Ou seja, cada idade tem a sua performance orante e religiosa.

 

 

Como se aprende a rezar?

De um ponto de vista pedagógico, não podemos parar apenas na dimensão evolutiva. De fato, a relação com Deus se alimenta de uma dimensão afetiva e cognitiva que se manifesta como uma forma de regressão boa e positiva que valoriza a espera, a passividade, a escuta, a confiança, a disponibilidade. Tudo isso pertence aos conteúdos de um percurso pedagógico que educa a disponibilidade natural presente.

 

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