As montanhas ardem para o Sagrado Coração

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11 Junho 2021

 

Temos o prazer de publicar, em vista da Festa do Sagrado Coração de Jesus, que se celebra neste dia 11 de junho, esta intervenção do bispo emérito de Trento, Luigi Bressan. De fato, também a nossa Congregação, fundada em 1888 pelo Padre Leone Dehon (do qual a denominação de “Dehonianos”), tem suas origens naquela devoção. O nome com que estamos registrados na Igreja é "Sacerdotes do Sagrado Coração de Jesus".

 

"A misericórdia de Deus manifestada em Jesus Cristo para com a humanidade e para com os indivíduos pode ser ilustrada com várias palavras que a língua oferece: benevolência, amor, salvação, afeto, caridade, cuidado, dedicação, ternura, empatia, bondade, afeto, paixão pelo bem dos outros, serviço ..., mas são sempre aproximações parciais e nunca exprimiremos plenamente aquela realidade que o evangelista João afirma no capítulo 13,1, ou seja, que Jesus 'amou os seus até o fim', mas também esta palavra italiana corre o risco de trair o original grego - telos - que indica o mais alto grau de amor e de dedicação; o coração dilacerado na cruz testemunha isso", escreve Luigi Bressan, arcebispo emérito de Trento, na Itália, em artigo publicado por Settimana News, 10-06-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.

 

Eis o artigo.

 

Um amigo contava-me, há alguns anos, que uma senhora pegou um trem à noite num dos primeiros domingos de junho em Bressanone, onde tinha vindo fazer algumas compras, para ir a Bolonha. Assim que saiu da estação, viu um fogo na montanha da Polsa, um grande fogo, e ficou surpresa por não ouvir nenhum helicóptero dos bombeiros para apagar o incêndio.

Ela estava para pegar seu celular para ligar para o 112 com senso de responsabilidade cívica, quando também numa montanha próxima viu outro fogo em forma de coração e depois mais outro ... então percebeu que se tratava de uma celebração.

 

As raízes de uma tradição

 

De fato, no Tirol, o Domingo do Sagrado Coração termina com esse espetáculo realmente impressionante, sem qualquer semelhança aos incêndios nas encostas. E são múltiplas as raízes dessa tradição presentes no povo.

- A fé no amor de Cristo por nós, da qual a devoção ao Sagrado Coração de Jesus é uma expressão que se desenvolveu especialmente a partir do século XVII. Obviamente, está fundada em bases bíblicas e em reflexões teológicas e místicas que já encontraram testemunho na Idade Média.

Já em 1400 uma festa do Sagrado Coração trespassado na cruz era celebrada em várias localidades europeias, ainda que tenha se tornado universal apenas em 1856. Nesse ínterim, tinham contribuído para essa veneração as visões de Santa Margarida M. Alacoque e seu diretor espiritual São Claudio de la Colombière e o zelo em difundir a devoção por parte dos Jesuítas tanto nas publicações como nos exercícios espirituais e nas frequentes missões ao povo. O calor do catolicismo se manifestava ali e, no Tirol, era também uma salvaguarda contra o protestantismo.

São muitas as congregações religiosas, masculinas e femininas, que se inspiram no Sagrado Coração e a resposta ao seu amor é precisamente o caminho para a santidade.

Numerosas são as igrejas dedicadas a ele, as estátuas e as pinturas também de válidos artistas veneradas em quase todos os lugares. O Apostolado da Oração tinha pelo menos trinta milhões de seguidores por volta de 1930. O famoso padre jesuíta Teilhard de Chardin chamava o Sagrado Coração de "o princípio dinâmico do mundo".

É comovente ler como um laosiano descreve o conteúdo da mochila do sacerdote trentino Mario Borzaga morto em maio de 1960 por ódio à fé e agora beatificado: “Havia uma pequena corda com nós que terminava em um objeto de metal [o rosário] ; imagens de uma mulher com raios saindo de suas mãos [a Imaculada Conceição]; aquelas de um homem com o coração fora do peito [o Sagrado Coração]”.

- A devoção ao Sagrado Coração também foi o baluarte contra a secularização almejada pelo Iluminismo, tanto que o Imperador José II (conhecido como o "rei sacristão" iluminista que desejava reformar diretamente a vida eclesial) a proibiu.

Sabemos que o culto ao Sagrado Coração foi o ponto de referência dos opositores da Vendeia às ideias seculares da Revolução Francesa. E nessa linha também estavam o Trentino e o Tirol. De fato, com a aproximação das tropas napoleônicas, em 1º de junho de 1796 muitos representantes da região se reuniram em Bolzano (então diocese de Trento) e juraram ao Sagrado Coração celebrá-lo solenemente todos os anos se permanecessem livres da invasão.

Se o sul foi parcialmente ocupado pelo próprio Napoleão, seu general Joubert não conseguiu chegar a Bressanone, embora tivesse um exército de 20.000 soldados. A referência religiosa foi retomada nas lutas lideradas, uma década mais tarde, por Andrea Hofer e ao longo do século XIX na Kulturkampft.

Ainda hoje a festa tem aspectos espirituais e folclóricos, com procissões e cortejos: fé e espetáculo se unem na alma de um povo. Há ritos religiosos em todas as paróquias, mas obviamente o mais solene e vasto é o de Bolzano presidido pelo bispo, que regularmente propõe uma reflexão nas três línguas da população: alemão, italiano e ladino.

A estas razões de fé e de história da pátria, une-se também a memória do sistema de defesa do país, do qual provou amarga experiência o general francês Conde de Medavy no final de 1702.

Estávamos em plena guerra da sucessão espanhola e ele pensou em ocupar, na última noite do ano, Torbole e Riva, ao norte do Lago de Garda, pegando as defesas locais de surpresa.

Ele havia organizado secretamente os barcos com mil soldados de assalto e subira pelo lago com os remos e a favor do vento noturno; exceto que, ao se aproximar de seu objetivo, ele viu uma profusão de fogos no topo das montanhas: era o sistema de alerta usado há séculos (o Lichtenstein). Ele percebeu que era melhor imediatamente dar a meia-volta e aproveitar o ar que soprava para o sul na noite.

Desde 1511 a população da região era convocada, por decreto imperial, para prover para a defesa local com milícias próprias (os Schuetzen), e em troca estava isenta do serviço militar. Esses defensores desempenharam um papel importante naquela guerra de 1703 e ainda mais nos anos da invasão napoleônica-bávara.

Hoje aquelas fogueiras nas montanhas nos lembram o amor pela pátria, pela liberdade e pela tradição religiosa e não mais, felizmente, as lutas entre os Estados.

 

Foto: Reprodução Settimana News

 

- A prática das "nove primeiras sextas-feiras" favoreceu, na devoção ao Coração de Jesus, o acesso ao sacramento da penitência e em particular à Eucaristia como visita dos sacerdotes aos enfermos nas suas casas, tornando-se uma prática mensal constante, base e desenvolvimento para a pastoral dos enfermos ... e ultimamente também o serviço dos "ministros extraordinários da comunhão".

- Mas chegou um novo enriquecimento com a ligação entre a devoção àquele Coração misericordioso e o ministério dos sacerdotes, chamados a vivê-lo e a testemunhá-lo.

Com efeito, a festa do Sagrado Coração é também o Dia de santificação sacerdotal. A ideia surgiu do zelo do Padre Mario Venturini, fundador da Congregação de Jesus Sacerdote, em 1947, e já no ano seguinte tornou-se "mundial", com milhares de cartas que saíam regularmente de Trento em quatro línguas para os bispos do mundo inteiro para encorajá-los e apoiá-los na tarefa de promover a santificação do seu clero.

A ideia havia sido aprovada diretamente pelo Papa Pio XII em uma audiência privada concedida em 13 de janeiro de 1947 ao Padre Venturini; mais tarde, a Congregação do Clero do Vaticano a assumiu.

Em Trento, o retiro espiritual do clero é animado este ano pelo bispo de Bolzano, sinal também de um caminho de fraternidade entre as duas dioceses.

 

O ápice do amor

 

A misericórdia de Deus manifestada em Jesus Cristo para com a humanidade e para com os indivíduos pode ser ilustrada com várias palavras que a língua oferece: benevolência, amor, salvação, afeto, caridade, cuidado, dedicação, ternura, empatia, bondade, afeto, paixão pelo bem dos outros, serviço ..., mas são sempre aproximações parciais e nunca exprimiremos plenamente aquela realidade que o evangelista João afirma no capítulo 13,1, ou seja, que Jesus "amou os seus até o fim", mas também esta palavra italiana corre o risco de trair o original grego - telos - que indica o mais alto grau de amor e de dedicação; o coração dilacerado na cruz testemunha isso.

Com emoção nesta festa, relemos o que o próprio apóstolo escreve na sua primeira carta: “Nisto conhecemos o que é o amor: Jesus Cristo deu a sua vida por nós” (1 Jo 3, 16).

 

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