Veto de Bolsonaro reforça descaso com acesso a internet para professores e alunos

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24 Março 2021

 

Na última sexta-feira (19), o Diário Oficial da União publicou o veto integral assinado pelo presidente Jair Bolsonaro ao projeto de lei que previa o repasse de aproximadamente R$ 3,5 bilhões para a qualificação do acesso à internet em escolas públicas. O projeto previa o repasse de recursos para que estados e o Distrito Federal pudessem assegurar o acesso à internet de alunos e professores durante a pandemia de covid-19 em razão da suspensão das aulas presenciais e adoção do ensino a distância.

A reportagem é de Andressa Marques, publicada por Sul 21, 22-03-2021.

Os recursos previstos no projeto poderiam ser usados para compra de terminais, que poderiam ser cedidos a alunos e professores, e de soluções de conectividade móvel. O projeto também previa que, em casos excepcionais, a verba poderia ser usada para contratar internet em banda larga para escolas.

No Rio Grande do Sul, duas medidas foram implantadas na tentativa de garantir acesso à internet e a plataformas de ensino a distância desde o início da pandemia. Ainda assim, docentes relatam uma série de problemas e necessidade de investimentos próprios para garantir o trabalho remoto.

A deputada estadual Sofia Cavedon (PT), que até o início do ano presidia a Comissão de Educação da Assembleia Legislativa do RS, entende que o veto de Bolsonaro prejudica ainda mais alunos e professores da rede pública: “A nossa saída era o investimento pesado no programa Internet para Todos do governo federal, que tem condições de colocar fibra ótica. Passamos um ano de pandemia sem nenhuma política do governo federal para a área da educação”.

Em junho do ano passado, a Secretaria Estadual de Educação do Rio Grande do Sul (Seduc-RS) firmou uma parceria com a Google para o uso da plataforma Classroom (ou Sala de Aula, em português) para que alunos e professores pudessem criar uma conta para ter acesso a ambientes de aulas virtuais e a um e-mail que daria acesso a internet patrocinada para docentes e discentes durante o período de enfrentamento da pandemia.

Quase três meses depois, o governador Eduardo Leite (PSDB) divulgou que a internet patrocinada estava finalmente disponível para alunos e educadores da rede pública de ensino. Em teoria, a oferta da internet ocorre por meio de um chamamento público de cadastramento das operadoras Oi, Vivo, Tim e Claro, com cobertura de 97% da telefonia móvel do Rio Grande do Sul. O governo remunera as operadoras pelo uso de dados voltado ao ensino.

Juntos, o governo e a Assembleia Legislativa investiram cerca de R$ 8,5 milhões no patrocínio de internet para docentes e discentes. De acordo com a Seduc, a ação beneficia 800 mil alunos e mais de 60 mil professores da rede estadual. Mas, na prática, Sofia Cavedon diz que o programa não funciona conforme os números do governo Leite. “O próprio Faisal [Karam, ex-scretário de Educação], quando veio numa reunião na Assembleia, em fevereiro, disse que não funcionou ainda a compra de dados, de créditos das operadoras para os alunos com o dinheiro que a Assembleia passou, porque as operadoras não conseguiram entregar o produto”.

Conforme a Seduc, dos 790 mil alunos matriculados na rede estadual de ensino, 660 mil ativaram suas contas educacionais. O que significa que 82% dos estudantes já estão inseridos na ferramenta da Google. Em relação aos professores, dos 33,2 mil que atuam diretamente em sala de aula, 33 mil ativaram as suas contas, o que representa 98%.

Edson Garcia. Foto: Arquivo Pessoal

“Em um primeiro momento, nós vimos os programas como positivo porque é um momento em que precisamos que exista essa iniciativa de prover para alunos e professores formas de acesso virtuais para que eles tenham segurança e tenham suas vidas resguardadas, porém, o que nós entendemos é que não existe um programa realmente organizado em detalhes”, afirma Edson Garcia, professor, Especialista em Educação e 2° Vice-Presidente do CPERS Sindicato. Ele explica que, mesmo com a iniciativa do Estado de oferecer internet móvel gratuita para alunos e professores, não há garantia de acesso às plataformas de aprendizagem mencionadas pela Secretaria de Educação. “Por exemplo, nós temos algumas operadoras de telefonia que os alunos e professores não conseguem ter acesso gratuito, porque não são todas que estão disponíveis. Nós temos uma recomendação para que todos usem o Google Meet, entretanto o Google Meet não funciona na internet gratuita, então não tem como os professores trabalharem com o Meet”, exemplifica.

Adriana Costa, 31 anos, é formada em História e professora em duas escolas na rede estadual. Ela conta que logo no início da pandemia sofreu com problemas de conectividade com os alunos. “Quando me mudei, descobri que havia alguns apartamentos no prédio que a fiação estava obstruída e o cabo de internet não entrava do corredor na minha casa”, afirma. Para conseguir realizar as atividades junto aos alunos, a professora comprou um chip de dados móveis e um aparelho roteador. “Era um 4G que operava na minha casa, não era uma internet ilimitada ou com a qualidade de uma internet à cabo, então eu tinha limite de uso. Eu fazia um pacote que depois da meia-noite a internet dobrava, então muitas vezes, para fazer upload de vídeos e arquivos para o uso na aula, eu tinha que fazer durante a madrugada”, completa.

Adriana Costa. Foto: Arquivo pessoal

A professora também relata falhas no uso de dados móveis gratuitos oferecidos pelo governo estadual. “Sinceramente , eu não sei se realmente funcionou porque comigo não funcionou mesmo seguindo o passo a passo. Eu tinha que ir para a casa de familiares para poder fazer as atividades”, afirma. “Eu tinha uma aluna muito aplicada que não conseguia assistir nenhuma aula síncrona na pandemia porque os dados dela não suportariam. Após o anúncio do governo da disponibilização de dados gratuitos, ela disse que também não funcionou, então nós finalizamos o ano assim, sem saber da efetividade desses dados do governo estadual”, diz Adriana.

Edson também explica que os investimentos feitos pelos professores em equipamentos digitais e pacotes de internet são cada vez mais inviáveis. “Os professores investiram demais no ano passado, não só na compras de equipamentos como na própria internet para não ter isso valorizado”, conta. “Nós estamos há 6 anos, desde o governo [José Ivo] Sartori, sem um real de reajuste, isso é muito pesado”, completa.

Segundo a Secretaria Estadual de Educação, em 2021, a rede pública dará continuidade ao modelo híbrido de ensino que foi implantado no mês de junho de 2020. Em nota, o governo afirma que estão sendo distribuídos 50 mil Chromebooks para os docentes regentes de classe e coordenadores pedagógicos das 2.467 escolas da rede estadual de ensino. O investimento inicial é de R$ 83,6 milhões e o prazo para a conclusão da entrega é até o final do mês de março. Até o final de 2021, ainda está prevista a aquisição de mais 70 mil Chromebooks. Estes serão para uso compartilhado dos alunos na realização das aulas. Dados da Seduc do fim de 2019 indicavam que o Estado tinha 862 mil matrículas ativas na rede estadual de ensino.

“Nós precisamos sim que exista um plano que disponibilize essas ferramentas para todos e todas para que a gente possa desenvolver um bom trabalho”, reitera Edson Garcia.

Sofia lembra que a dificuldade de acesso à internet e a equipamentos de qualidade não é o único problema enfrentado pela educação pública. “O tema da tecnologia é sabido que não é só o problema da pobreza das famílias, é o problema dos salários baixos dos professores, porque não tem como garantir uma internet, um computador de qualidade, com salários que dão pouco mais do que pra sobrevivência básica, pagar as contas de água e luz. A tecnologia, hoje, minimizaria essa interrupção enorme da educação presencial, se ela fosse possível e acessível. Uma parte muito pequena dos alunos se beneficiou com o esforço de tentar com as operadoras. A omissão do governo federal em se comprometer com a iniciativa do Congresso é um escândalo. É apostar numa educação que não responde ao enorme desafio que a covid nos coloca como sociedade. É muito grave”, diz.

 

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