17 Dezembro 2020
"Poder-se-ia dizer que a amabilidade é internalizada e determina consequências no plano da qualidade de vida; mesmo que a resposta não seja racional, ela permanece como um substrato de vida serena, ela própria uma cura", escreve Marco Trabucchi, Presidente da Associação Italiana de Psicogeriatria, em artigo publicado por Avvenire, 16-12-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
Caro diretor, já vou explicando que esta reflexão parte daquela belíssima sobre a amabilidade, a gentileza, que Salvatore Mazza publicou no sábado, 21 de novembro, em sua coluna semanal, ligando-a aos acontecimentos de quem hoje sofre e precisa de assistência e cuidados. Francisco escreveu em Fratelli Tutti: “Ainda é possível optar pelo cultivo da amabilidade, há pessoas que o conseguem, tornando-se estrelas no meio da escuridão”; e em outra passagem: “O exercício da amabilidade não é um detalhe insignificante nem uma atitude superficial ou burguesa. Dado que pressupõe estima e respeito, quando se torna cultura numa sociedade, transforma profundamente o estilo de vida, as relações sociais”. A amabilidade deve caracterizar uma medicina que realmente deseja ser capaz de cura, justamente quase "uma estrela no meio da escuridão" em comparação com a condição de tantas pessoas que sofrem.
“Trataram-nos com gentileza”: é um trecho dos Atos dos Apóstolos que descreve a acolhida reservada a São Paulo e aos seus companheiros de viagem na ilha de Malta, após o naufrágio no mar. Após a dramática experiência da tempestade, a amabilidade com que são hospedados permite seu retorno a uma vida tranquila. O texto diz que Paulo como agradecimento realiza curas, além de propiciar a conversão dos ilhéus. A amabilidade permite-nos ultrapassar as barreiras que por vezes erguem aqueles que pedem ajuda, os silêncios de quem nem mesmo tem a coragem de pedir ajuda ou é demasiado orgulhoso para fazê-lo, as recusas de quem, apesar de estar em dificuldade, não tem capacidade para aceitar a mão estendida.
A amabilidade é o sinal exterior de uma moralidade profunda, de um desejo sincero, que se expressa com atos visíveis, da vontade e da capacidade de ser útil para aliviar o sofrimento psíquico e físico do outro. Além disso, a amabilidade nunca é enfadonha, repetitiva, pesada, intrusiva, mas sempre leve, sem perder a concretude e, portanto, a seriedade e a credibilidade.
Uma das expressões de amabilidade é a confiabilidade, modalidade que confere às relações um tom normal, uma aproximação fácil e concreta, estável, que induz confiança no outro, que assim não precisa se preocupar todos os dias se os sentimentos positivos estão destinados ou não a durar ao longo do tempo. Essa amabilidade também percorre os caminhos da medicina mais verdadeira.
A amabilidade nas relações entre as pessoas é um testemunho que vai contra a corrente e, como tal, às vezes corre o risco de nem mesmo ser compreendido: por que um ato de cuidado, um sorriso, um gesto sereno num mundo de pessoas distraídas, distantes, desprovidas de sentimentos de proximidade? Às vezes, a amabilidade precisa superar a si mesma, quando as circunstâncias vão na direção contrária; já foi dito, por exemplo, que no trabalho de cuidado dedicado a pessoas com enfermidades de longa duração, que requerem disponibilidade 24 horas por dia, é preciso 'ser santos' para não reagir de forma rude, esquecendo os acentos da amabilidade. Mas nesses casos está em jogo a grandeza de uma humanidade que não perde suas características fundamentais.
A amabilidade deve ser um comportamento “normal” nos serviços onde são prestados cuidados clínico-assistenciais, principalmente quando se destinam a pessoas frágeis, como os idosos. Estes últimos, especialmente quando tem um comprometimento das funções cognitivas, são muito sensíveis às formas como são abordados, tocados, apoiados. A amabilidade se expressa em um tom de voz sem acentuações, em uma carícia que acompanha o contato tátil, em um rosto sereno e sorridente. Frequentemente, a pessoa não guarda uma memória racional do que recebeu, mas um sentimento positivo que perdura no tempo. Poder-se-ia dizer que a amabilidade é internalizada e determina consequências no plano da qualidade de vida; mesmo que a resposta não seja racional, ela permanece como um substrato de vida serena, ela própria uma cura.
Hoje, o chamado à amabilidade é particularmente necessário; o Papa fez bem em nos recordar isto, mostrando, uma vez mais, a sua prontidão em intervir nos assuntos mais delicados da nossa convivência.
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Amabilidade, e a normalidade torna-se uma extraordinária cura - Instituto Humanitas Unisinos - IHU