14 Outubro 2020
Sem nenhuma dúvida, o ministro Marco Aurelio de Mello deveria ir para o lugar do André do Rap na penitenciária de segurança máxima. Enquanto os desvarios dos juízes permanecerem impunes, a Justiça não funcionará. São semideuses, estão acima da sociedade. Quando estava na Educação, cansei de ver guerra nas comunidades porque juízes soltavam gente notoriamente perigosa antes do cumprimento das penas. Saíam pela porta da frente. Morriam, 20, 30 pessoas, enquanto o Excelentíssimo continuava a transitar de carro oficial e a despachar no ar condicionado.
A história da soltura do tal André do Rap, chefe do PCC, cheira mal. O sujeito já tinha duas condenações longas e caminhava para ter mais, mas nenhuma delas com trânsito em julgado (o que pode levar dez, doze ou quinze anos – até lá, todos são presumidos inocentes). É figura importante no crime organizado, com capacidade para movimentar muito dinheiro.
Um membro do Ministério Público perdeu o prazo para pedir a renovação da prisão preventiva. Hummmm...
O juiz não se deu conta disso. Hummmm...
O escritório de advocacia de um assessor de Marco Aurélio Mello entrou rapidamente com um habeas corpus no Supremo Tribunal Federal. Hummm...
O habeas corpus foi sorteado para o próprio Marco Aurélio. Hummmm...
Marco Aurélio foi rapidíssimo na decisão de soltura. Hummmmm...
Um avião aguardava o André do Rap para tirá-lo do Brasil. Hummmm...
Acho que nesta semana vou jogar na mega-sena. Quem sabe, consigo uma combinação tão favorável de eventos. Hummmm...
Há pouco tempo houve um intenso debate sobre a necessidade de as sentenças transitarem em julgado para que os condenados permaneçam presos.
Na época, a decisão tinha impacto imediato sobre a situação de Lula. Por isso, a esquerda alinhou-se com o trânsito em julgado.
Bons escritórios de advocacia conhecem mil e uma maneiras de adiar indefinidamente o julgamento definitivo, obtendo a prescrição dos crimes.
Assim, oficializou-se no Brasil a existência de uma Justiça para ricos, que garante impunidade, e outra para pobres, que é duríssima.
Eu defendi que nenhum direito é absoluto. Todos os direitos são limitados por outros direitos.
O ponto de equilíbrio entre o direito de cada indivíduo a um julgamento justo e o direito da sociedade de punir criminosos é a prisão após o julgamento em segunda instância. Isso, para mim, não tinha nada a ver com ser a favor ou contra Lula.
O tal André do Rap já tinha duas condenações longas em segunda instância, mas continuava tecnicamente sendo considerado inocente. Tinha dinheiro para pagar bons advogados. Está na rua.
Cerca de 40% da população carcerária do Brasil não têm nenhuma condenação, mas também não têm dinheiro para apelar.
Para proteger Lula, a esquerda brasileira, no seu infinito oportunismo, foi cúmplice desta situação.
Um reles oportunista. Quando o governo de Luis Inácio da Silva concluiu um acordo com o Vaticano, o critiquei com veemência. Comigo, a professora Roseli Fischmann, orientadora do bocó de molas que virou ministro de Bolsonaro. Na época, o mesmo bocó de mola se colocu em favor do Estado laico. Agora recordou que é pastor, que é a favor da união entre trono e altar, recordou que é um sujeito apegado ao poder. Um oportunista, QED (Quod erat demonstrandum). A má fé ....fede. RR
"O teste decisivo para as filosofias da Antiguidade consistia na capacidade de produzir pessoas sábias; na Idade Média, de racionalizar o dogma; na idade clássica, de fundamentar a ciência; na idade moderna, passou a ser a amplitude das filosofias em justificar massacres. As primeiras ajudavam o ser humano a suportar a sua própria morte; as últimas, a aceitar a morte dos outros."
Michel Foucault em 'A grande cólera dos fatos' (maio de 77), resenha ao livro "Os mestres pensadores", de André Glucksmann, sobre a insuficiente autocrítica da velha esquerda francesa a respeito dos horrores do estalinismo.
Há dois problemas que estão se misturando. E são ambos reveladores.
Há o “pós-doutor”, essa coisa que só existe no Brasil. É preciso que se entenda que em nenhum lugar isso existe: ninguém nunca diz “eu sou pós-doutor”. Isso só acontece entre nós.
E há também o problema da turbinagem de currículo, que existe em outros lugares, mas não do mesmo jeito em que existe no Brasil.
A coluna do Marcos Lisboa, na Folha de sábado, ajuda muito, com uma frase: “pós-doutorado é uma pinguela, não uma condecoração por mérito”. Peço-lhes atenção a essa frase de Marcos, economista com extraordinárias credenciais. Pós-doutorado é: estágio para quem não conseguiu emprego. Será que ninguém no Brasil consegue ler "pós-doutorado" como o que essa palavra significa? "Me deram um estágio porque ninguém quis me contratar"?
Será que o Brasil é o único país do mundo em que não se sabe que "pós-doutor" significa "não consegui emprego"?
****.
Isso não quer dizer, claro, desqualificação de um outro tipo de pós-doutorado, ou seja, aqueles feitos como reconhecimento de anos de trabalho, como o do prof. Rodrigo Cássio Oliveira, que depois de anos construindo a universidade pública brasileira, fez um pós-doutorado na Itália. Depois disso, ele voltou ao Brasil e compartilhou pencas de conhecimento com todo mundo, de graça, na internet.
Isso custa menos do que CINCO por cento do que custava a conta de cada um dos alunos de graduação que o Brasil enviava ao mundo para fazer aula de Cálculo I ou História da Arte I pagando o que ninguém no mundo paga por essas aulas. Essa picaretagem se chamava "Ciências sem Fronteiras".
*********
Por enquanto, para entender o que é tudo isso, que se entenda, por favor, o seguinte:
Na sociedade bacharelesca que é o Brasil, as pessoas mentem sobre o currículo, o que prejudica aos brasileiros que realmente têm currículo. Prejudica também aos brasileiros que têm currículos, modestos, mas honestos.
*****.
O bolsonarismo se aproveitou dessa mentirada bacharelesca, e por problemas internos à oposição a ele, a picaretagem está sendo usada para fortalecê-lo.
Essa é a miséria a que estamos submetidos no Brasil hoje em dia. O que eu poderia contribuir, como doutor acostumado a ler currículo, é isso.
Seguimos lutando.