O fazer teológico, hoje. Depoimento de Joseph Moingt

Biblioteca do Vaticano | Foto: Reprodução

07 Setembro 2020

O Pe. Joseph Moingt, que recentemente completou 100 anos [e que faleceu no dia 28 de julho passado, aos 104 anos de idade], é o autor de uma obra teológica considerável. Nesta entrevista, concedida por ocasião do centenário da revista de pesquisa que ele dirigiu por muito tempo, repassa o seu itinerário teológico. De quem somos herdeiros? Que sentido é possível dar à tradição? Quais são as perspectivas para a pesquisa teológica hoje?

A reportagem é de Patrick Goujon e Élodie Maurot, publicada por Études, de abril de 2016. A tradução da versão italiana é de Moisés Sbardelotto.

 

Eis a entrevista.

 

Como o senhor se tornou jesuíta? Em “O Homem que vinha de Deus” (Ed. Loyola), o senhor falou do “rumor de Deus” que nos vem das testemunhas, dos encontros. Que testemunhos ou encontros lhe transmitiram esse “rumor de Deus”?

Certamente, recebemos a nossa vocação da nossa família. O problema da vocação é transformar esse chamado, que é um chamado sociológico, em um chamado mais pessoal. Isso ocorre pela via interior, no trabalho da oração, assim como em uma relação com os diretores espirituais. O momento em que eu mais refleti sobre a minha vocação foi quando eu entrei na Companhia de Jesus. Em vez de escolher o clero paroquial – eu tinha estudado no seminário –, eu escolhi uma ordem que pudesse estruturar o meu pensamento e também a minha vontade. Depois, houve a prova do cativeiro. A guerra chegou quando eu tinha feito apenas 11 meses de noviciado.

A minha decisão estava tomada e não foi posta em discussão, mas o fato de nos encontrarmos em uma situação nova leva a nos sentirmos na possibilidade de evolução. Eu me encontrava em um ambiente que eu não tinha o hábito de frequentar, um ambiente aberto a grupos humanos que não me eram familiares, de pessoas que não são vistas nas igrejas ou que não têm preocupações religiosas. Tudo isso me levou a refletir sobre essa situação e sobre a significação de uma vocação religiosa em um mundo desse tipo. Depois disso, reentrei no noviciado para fazer o último ano. Mais tarde, estudei filosofia em Villefranche, depois teologia em Lyon-Fourvière.

 

Há algum mestre que o influenciou durante a sua formação teológica?

Acima de tudo, o Pe. De Lubac. Eu trabalhei com ele sobre Clemente de Alexandria, um grande trabalho que depois ele fez com que fosse publicado na revista Recherches de Science Religieuse, da qual era diretor. Assim que ele soube que Roma o expulsara, ele se apressou em programar os meus próximos quatro artigos. O Pe. De Lubac era muito fraterno. Foi ele quem corrigiu os rascunhos do meu artigo e preparou a sua edição.

 

Em que consistiam os estudos teológicos em Fourvière naquele período?

Era algo muito clássico. Apesar de tudo, reinava lá um pouco o espírito que o Pe. De Lubac introduzira. O retorno dos Padres da Igreja já se fazia sentir. Graças a esse espírito, não estávamos presos à teologia romana dominante, ou seja, ao neotomismo. Além disso, eu estava em Fourvière quando a casa foi denunciada por ter inaugurado uma “novateologia.

 

Como foi o seu ensino em Fourvière?

O meu universo naquela época era sobretudo o dos estudantes que tínhamos e dos meus colegas professores. Eu não me deslocava muito, exceto para substituir os párocos por um mês, mais ou menos todos os anos. Eu vivia muito entre os “mortos”, ou seja, os antigos – eu tinha todos os tomos da “Patrologia” de Migne. O pensamento deles sempre estava presente no meu, mas absolutamente não era o mundo atual. O meu ensino se baseava no desenvolvimento lógico da história dos dogmas. Eu o fazia com um pequeno método hegeliano que satisfazia o meu gosto um pouco especulativo. Depois de um certo tempo, senti a necessidade de me atualizar sobre a teologia moderna.

Passando as noites lendo os tomos de Migne, evidentemente eu não podia estudar os teólogos modernos. Eu ignorava completamente a exegese. Portanto, sentia a necessidade de uma atualização, particularmente sobre o plano filosófico. A minha formação filosófica havia parado nos grandes idealistas, isto é, em Hegel. Em outras palavras, eu não conhecia a filosofia do século XX. Depois de ensinar 12 anos em Fourvière, eu pedi um ano sabático que me foi concedido no meio de dois anos. Estava previsto que, depois, eu voltaria para Fourvière. Mas, quando cheguei em Paris, na Rua Monsieur, o provincial que me concedera o ano sabático havia me nomeado, nesse intervalo, como professor do Institut Catholique e diretor da Recherches de Science Religieuse. E, assim, eu fiz a reciclagem no trabalho, ensinando.

 

Conte-nos algo sobre aquela revista mais do que centenária.

Foi uma longa aventura, um ofício a aprender. Eu aprendi fazendo. O fardo era pesado, porque a revista era publicada trimestralmente. Era preciso estar sempre disponível para receber os manuscritos, lê-los, corrigi-los, enviá-los para a gráfica... Eu fazia tudo sozinho. Pude fazer algumas viagens ao Líbano ou à África, mas nunca podia me ausentar por mais de um mês. Era, portanto, um trabalho bastante vinculante, mas muito estimulante. Ainda em Fourvière, eu organizara congressos que se chamavam de “pesquisas concertadas”, ou seja, feitas com pensadores diferentes.

Eram convidados teólogos do Institut Catholique de Paris, professores da faculdade jesuíta de filosofia que então estava em Paris, na Rua Blomet, párocos da região, em particular aqueles que frequentavam o Groupe des Dombes. Tendo chegado em Paris, eu desenvolvi isso, mas em Chantilly. Era muito formativo, porque encontrávamos muitas pessoas, conversávamos, discutíamos durante três dias. O encontro ocorria a cada dois anos. E também permitia o contato e o recrutamento de novos colaboradores. Também fazíamos vários números sobre temas definidos, que preparávamos em grupo não só no conselho de redação, mas também trazendo os professores a quem convidávamos para escrever. Esses números geralmente exigiam dois anos de preparação.

 

Também foram anos de amizades intelectuais

Houve muitas. Eu convivi muito com o pastor André Dumas, que era um homem encantador, de uma abertura de espírito extraordinária. Muitos dos nossos amigos eram pastores: Pierre Gisel, que participava de todos os colóquios, Henri Mottu, Gabriel Vahanian... Havia também alguns colaboradores mais próximos: Joseph Doré tinha sido o meu assistente no Institut Catholique de Paris, e eu o havia trazido como secretário de redação – era a primeira vez que se introduzia um não jesuíta ao conselho. Havia Michel de Certeau, que já lecionava nos Estados Unidos, mas enviava notas regularmente aos conselhos dos quais não podia participar. Ele vinha frequentemente aos nossos colóquios quando estava em Paris. Também tinha René Marlé, que era meu vizinho de quarto na época. Henri de Lavalette... Nós nos ajudávamos reciprocamente a evoluir. Abria-se a teologia à história, às ciências humanas, às questões ecumênicas etc.

 

Era um período de profunda renovação da teologia, com muitos debates. Como tudo isso era vivido na Recherches de Science Religieuse?

Às vezes, também havia conflitos. Nem sempre tínhamos a mesma opinião. Paul Beauchamp representava um polo escritural e talvez um pouco mais conservador, embora a sua exegese fosse muito teológica, muito aberta às nossas questões. Mas nunca houve um drama, propriamente dito. Abordávamos as questões com muita liberdade, mas sem nunca termos tido problemas, exceto talvez uma vez. Em vez disso, eu tive problemas na Études, com a qual eu também colaborava muito. Uma série de artigos sobre os ministérios havia provocado algumas intervenções romanas. Para a Recherches de Science Religieuse, vinham algumas observações do episcopado, e não de Roma, mas, todas as vezes, argumentava-se que se tratava de uma revista de pesquisa, e que as pesquisas eram, em princípio, livres – e o problema era posto de lado...

 

No panorama das revistas teológicas francesas ou francófonas, como o senhor caracterizaria o espírito da Recherches de Science Religieuse?

Essa revista representa o espírito de uma pesquisa muito aberta, por causa dos nossos números sobre temas definidos, um espírito de grande liberdade de pesquisa teológica, porque fazíamos as ciências humanas (filosofia, história, sociologia) intervirem regularmente. Graças aos boletins críticos (cerca de 15 boletins especializados), certamente tínhamos um alto nível de exigência científica. Os artigos eram muito apreciados pelos professores de teologia, particularmente por causa desses boletins. Os envolvidos resenhavam obras teológicas publicadas na maioria das principais línguas. A Recherches de Science Religieuse também representa um espírito de grande cooperação, devido aos colóquios. Nós nos esforçamos para fazer circular as ideias entre os diversos centros teológicos.

 

Michel de Certeau desempenhou um papel importante nela, também nas suas obras.

Eu diria que tive uma dupla iniciação na tradição, por assim dizer, em sentido contrário. A primeira veio do Pe. De Lubac, e a segunda, de Michel de Certeau. Para o primeiro, a tradição era um longo rio tranquilo. Ele acumulava citações tiradas dos Padres da Igreja do século II ao XII para mostrar como tudo estava como que em um concerto. Em vez disso, Michel de Certeau tinha outra ideia da tradição, que, aliás, era a sua ideia da história – uma ideia que não era aceita por todos os historiadores, porém – segundo a qual o espírito humano não para de se mover, e a tradição é essencialmente móvel. Eu tive que me acostumar com isso, fazer a minha ideia da tradição. Eu acredito realmente que Michel de Certeau venceu, para a grande decepção do Pe. De Lubac. Eu tive uma espécie de atrito com Michel de Certeau, assim como ele mesmo certamente teve com o Pe. De Lubac, precisamente a respeito do que é uma tradição histórica. É possível que a minha evolução pessoal se situe na lacuna entre essas duas figuras representadas por Henri de Lubac e Michel de Certeau.

 

Mas isso não significa que o senhor abriu mão da tradição.

Eu nunca abri mão dela. O Pe. De Lubac não entendia bem como eu podia interpretá-la com um método hegeliano, como se eu acreditasse em um progresso infinito que continua sempre – era assim que ele compreendia a dialética hegeliana. Mas ele confiava em mim, eu acho, embora permanecendo um pouco desconfiado, talvez. A sua formação filosófica era blondeliana. Diz-se que Blondel era um filósofo bastante próximo, pelo seu método, da dialética hegeliana, mas o Pe. De Lubac o lera acima de tudo como apologeta. Ele se interessava pela tradição com o objetivo de provar que a fé era imutável, não se movia. Eu, por outro lado, havia feito a experiência inversa. Se a fé não se move, o pensamento da fé, o modo de pensar a fé, por outro lado, se move, muda. Porque o espírito humano é mutável, ele é habitado pela temporalidade, nunca é o mesmo.

Eu me dei conta disso no meu âmbito específico, a cristologia, com a questão da humanidade de Cristo. Vê-se bem que os Padres definiam o homem como se fazia na época: um ser composto de uma alma e de um corpo. Mas, a partir de Descartes, a identidade do homem é definida de um modo totalmente diferente. Isso envolve questões teológicas enormes. Se se atribuía uma consciência humana à humanidade de Cristo, como era possível manter a unidade da pessoa que era o Verbo divino? Se não lhe era atribuída uma consciência humana, como era possível dizer que ele era um indivíduo humano?

Era com esses problemas que nos deparávamos, problemas que naturalmente repercutiam no dogma da Trindade. Nota-se aqui, então, a evolução na concepção da pessoa humana que punha em discussão as definições tradicionais da fé e, portanto, o próprio pensamento da fé. Isso é ainda mais flagrante quando se chega à questão dos sacramentos, por exemplo. Os próprios estudos de patrologia me mostravam que houve uma evolução. Como passamos da penitência pública e única à penitência secreta e múltipla? Produziu-se uma evolução ao longo de cerca de dois séculos, uma evolução considerável. No início, houve uma afirmação, pode-se dizer “de fé”, de que não havia penitência depois do batismo, senão por tolerância, uma única vez. Como se podia considerar, então, que Cristo tinha instituído um sacramento no qual a absolvição dos pecados podia ser dada indefinidamente? De algum modo, era preciso que o teólogo se desse conta disso. Algo que não podia ser feito unicamente com pequenos truques que esconderiam a dificuldade e a evolução.

 

Como o senhor escreveu, “a tradição abre um devir”, mostra o futuro da fé.

É preciso que seja assim. Como o espírito do homem muda constantemente, não se pode imaginar que a fé possa ser pensada da mesma maneira, já que ela recorre aos conceitos habituais da razão humana e aos seus procedimentos. Além disso, o uso das Escrituras mudou consideravelmente. O Pe. De Lubac estava acostumado a ler as Escrituras no contexto dos Padres da Igreja, e eu fiz o mesmo depois dele. Mas os Padres pegavam uma citação, extraíam-na sem se preocupar com o sentido que ela podia ter no contexto da sua época e a adaptavam às polêmicas da sua época. Hoje, não se pode mais construir uma argumentação escritural desse modo.

O que significa que, a partir do dia em que o Vaticano II disse aos teólogos que ensinassem a teologia com base nas Escrituras, todas as argumentações escriturais dos Padres não serviam mais para nada. Como se devia fazer? Era preciso inventar um método. Isso levantava enormes problemas, principalmente epistemológicos. Como o teólogo usa as Escrituras? Ele pode ignorar os trabalhos dos seus coirmãos exegetas ou historiadores? Se Michel de Certeau tinha me iniciado nas evoluções da teologia, eu tive que me dar conta pessoalmente, mesmo no meu ofício de teólogo, de que ele tinha razão e de que, portanto, era preciso levar em conta essa evolução.

 

Michel de Certeau é também a história da mística. Isso teve uma importância nas discussões de vocês? É um aspecto dos escritos de Certeau que se encontra menos na sua teologia.

Faz parte da história da espiritualidade a ponto de poder ter entrado em um tratado sobre a graça. Eu havia ensinado esse tratado em Fourvière, mas não me lembro de ter que ensiná-lo depois. Isso não para dizer que as posições de Michel de Certeau não me inquietaram. Mas eu acho que é preciso se deixar inquietar. É preciso se deixar perturbar pela dúvida. Isso é fidelidade à verdade. Parece-me algo necessário a ser adquirido. Existe a verdade da ortodoxia, e, depois, existe a verdade das ciências históricas, de todas as ciências do texto. Não se pode sacrificar a verdade das ciências humanas sob o pretexto de que é ela embaraçosa para as ciências da fé.

Quando nos defrontamos com uma questão que se baseia tanto em textos quanto em questões de fé, é preciso que a nossa pesquisa no âmbito da fé, do pensamento da fé, integre os critérios de verdade das ciências do texto. A esse respeito, eu tive muitas dificuldades depois, com as questões relativas ao Jesus histórico. Se eu trabalho sobre o Jesus do Evangelho, sou obrigado a saber o que isso representa e a tomar posição em relação a isso. Isso complica o ofício do teólogo, que deve levar em conta o trabalho do exegeta, mesmo não tendo a sua mesma competência para estudar os textos. Mas ele deve tentar se documentar e ver, depois, como falará de Jesus.

 

O que é mais difícil no trabalho do teólogo? Suportar essas inquietações, tomar essas decisões?

Em si mesmo, trata-se de pensar a fé na verdade. E ousar se interrogar – sobre os aspectos que vacilam, que põem a fé em discussão e que talvez podem até anulá-la. Que consciência Jesus tinha de que iria morrer? Ele se pensava como Filho de Deus? Ousar fazer essas perguntas, algo que o dogma da Igreja em certo sentido proíbe, pois desde o início define as suas respostas. Saber também o que se pode dizer sobre isso, particularmente para os próprios estudantes e fora. É ainda uma questão de verdade. Quando eu sei que um certo argumento não vale nada, posso usá-lo para tranquilizar a fé dos outros ou para não perturbar a fé dos leigos? Devemos deixá-los na ignorância de que um certo ponto levanta questionamentos?

Eu tive algumas dificuldades como diretor de revista: pode-se pôr tal questão em discussão? Podemos nos preparar para discutir isso na revista? Que uso será feito disso depois, no ensino? Portanto, é preciso que o teólogo reposicione a sua missão. Hoje, a maioria dos teólogos não se posicionam mais como transmissores do ensino do magistério, mas como pesquisadores. Em alguns casos, até ouvem o que diz a voz do povo cristão para responder às suas perguntas. É um posicionamento totalmente diferente. Assim como o padre se voltou da parede para o povo, o teólogo se voltou para os fiéis, em vez de ser unicamente o porta-voz do magistério. Isso pressupõe uma evolução bastante considerável e, evidentemente, levanta muitas dificuldades para um teólogo que quer ser fiel à Igreja, mas, ao mesmo tempo, quer ser exigente sobre o plano da verdade. Isto é, quer ser simplesmente verdadeiro, verdadeiro consigo mesmo: que o que ele diz seja uma verdade que ele poderá provar através do Evangelho ou da tradição.

Muitas vezes, eu me interroguei sobre até onde podia ir. Mas a dificuldade mais grave não é enfrentar uma censura da hierarquia. É enfrentar uma censura interna da consciência que me diz: “Você não está mais na verdade”. Porque não se pode mais dizer simplesmente que a verdade se encontra pura e totalmente no magistério. Principalmente quando o magistério ignora praticamente as questões que são feitas. Esse problema entrou nas discussões do Concílio Vaticano II. Eu vi isso ao ler os diários do Concílio do Pe. De Lubac, no qual ele dizia que os bispos estavam muito preocupados com a liberdade que era concedida aos exegetas. E ele mesmo, que defendia os exegetas, fez esta observação: “Tudo o que os Padres obtêm do Concílio é a sua liberdade de pesquisa”.

O enfrentamento dos critérios de verdade é algo que terá enorme importância nos próximos anos para a credibilidade do discurso da Igreja. É uma questão que para mim permanece sempre pregnante nos meus trabalhos teológicos, porque estou bem ciente de que a teologia será julgada, no fim, pela sua preocupação com a verdade – uma única e mesma verdade para todos – mais do que pela sua preocupação com a verdade da ortodoxia. E, se houver um conflito entre as duas, então isso é muito grave. Para mim, é toda a credibilidade do discurso da Igreja que está em jogo. Seria preciso que todos os jovens que fazem teologia se dessem conta disso. Seria preciso evitar confundir a segurança e a verdade. O ideal é suavizar ou adormentar as consciências? Dissimular as dificuldades que surgem?

 

Como o senhor vê o futuro da teologia na França, com um número cada vez menor de teólogos e, ao mesmo tempo, com desafios muito importantes e um campo de produção de conhecimento nas ciências humanas e na filosofia que continua aumentando?

O meu problema é saber se ainda haverá pessoas que se interessarão pela teologia daqui a 10 ou 20 anos. É uma questão muito grave, também para os estudantes que chegam à teologia. Qual é a sua preocupação na teologia? Qual é o seu interesse pela teologia? Se eles mesmo não têm, podemos imaginar que os outros têm? Essa também é a razão pela qual a teologia deve se esforçar para falar a linguagem do nosso tempo, senão quem a lerá? Se somos capazes de enfrentar a questão histórica apenas com a ideia de que os enunciados da fé são absolutamente imutáveis e irreformáveis, ninguém lerá uma obra de teologia. É preciso fazer com que as pessoas tenham vontade de ler teologia.

 

O senhor diria que pode haver uma inteligência da fé fora das formas de teologia?

Isso depende do que se entende por formas. No momento em que se tenta pensar a fé, faz-se teologia, mesmo que nunca se tenha aberto um livro de teologia. Mas a fé não pode ser dita unicamente permanecendo dentro dela. Ela utiliza a linguagem do tempo. É uma linguagem que se forma determinada em grande parte pela filosofia, pela história, pela sociologia. Portanto, seria preciso que a teologia aprendesse a falar todas essas linguagens para se dizer, simplesmente para pensar a fé com os instrumentos de pensamento da sua época. É ao preço dessa conversão que ela poderá atrair a atenção, o interesse dos nossos contemporâneos, entrar no discurso comum. Nos séculos passados, a teologia esteve no centro da cultura. Até mesmo os filósofos ateus ou libertinos do século XVIII discutiam teologia. Agora, vê-se o silêncio caindo sobre todas essas questões. Como a pode investir sobre o espírito humano se não se discute mais teologia?

 

Considerando o seu trabalho como teólogo, centrado em Jesus Cristo, pode-se dizer que o senhor viveu a graça dos Exercícios de ser companheira de Jesus, de conhecê-lo interiormente, também no seu trabalho intelectual ou teológico.

Foi o espírito inaciano que me deu a audácia de ousar sair dos caminhos batidos, de ousar fazer perguntas, de ousar seguir em frente. Porque há uma enorme exigência de verdade quando se fazem os Exercícios, de verdade em relação a si mesmo. Uma coisa é dizer: “Eis como Jesus nos convida a viver”, e outra é dizer: “Eu vivo como Jesus me convida a viver”. O espírito inaciano me deu a audácia de realinhar a minha vida religiosa de acordo com aquele que para mim era um objetivo apostólico, ou seja, uma evolução dos meus próprios pensamentos. Em outras palavras, não se pode ter uma espiritualidade de um modo e um pensamento teológico de outro. Quando eu quis pensar com liberdade, tive que levar a minha vida espiritual com a mesma liberdade.

Santo Tomás de Aquino se orgulha muito de escrever de joelhos – pois bem, não: a teologia não se escreve de joelhos. Ela é escrita de joelhos quando o dever supremo é o de uma certa fidelidade. Eu também me ajoelhei quando me faziam questões de fé um pouco difíceis, e eu me perguntava como eu as ensinaria. Uma certa atitude espiritual é necessária para adquirir uma liberdade de espírito. Acho que foi isso que o espírito inaciano me deu. Eu tive que deixar a minha reflexão teológica penetrar nas minhas orações e me interrogar para ver como poderia alinhá-la com o pensamento de Jesus. Isso fez com que as minhas orações fossem invadidas pelas minhas preocupações teológicas, da mesma forma que as minhas preocupações teológicas eram invadidas por uma oração interior. Nisso, eu unificava a minha vida.

 

O que o avançar da idade representa para o senhor?

Não seu bem o que representa. Eu não acho que me desvio da minha idade, eu não a escondo, nem aos outros nem a mim mesmo. Mas talvez pelo fato de ainda ser autônomo, de poder me deslocar, de poder continuar trabalhando, de poder falar em público, eu ainda não levantei para mim mesmo o problema da idade. O trabalho que eu gostaria de fazer, o livro que eu estou escrevendo, eu o sinto muito ligado com tudo o que escrevo há muito tempo. É um pouco o cumprimento, e isso me permite especificar um ângulo diferente das coisas que talvez eu tenha dito um pouco às pressas. Para mim, é também uma forma de abrir caminhos para outros, para aqueles, leigos ou teólogos, que me leem ou vão me ler. É preciso que chegue ao fim – talvez seja por isso que eu ainda estou vivo. Viver significa sempre seguir em frente e também abrir caminhos para outros. Mas talvez pelo fato de eu estar mais alimentado do que outros no conhecimento da tradição, é também na tradição – cara ao Pe. De Lubac – que eu tento abrir caminhos novos que a tornem pensável.

 

O que o senhor espera hoje?

Eu realmente gostaria que o Evangelho continuasse vivendo. Eu realmente gostaria que a Companhia de Jesus continuasse vivendo. Eu realmente gostaria que a minha Igreja se abrisse para a vida do mundo, isto é, que aceitasse um pouco de secularização, um pouco de laicização. Também estou preocupado com o futuro do mundo, quando vemos a ampliação da brecha entre ricos e pobres, quando vemos o espírito de lucro prevalecer cada vez mais sobre o espírito de partilha. Não há verdade senão compartilhada. E, onde a verdade não é compartilhada, não há verdade.

Essa questão da partilha, eu imediatamente aproximei de uma frase que li de um sociólogo contemporâneo que explicava o dom da comida: “É da própria essência da comida ser compartilhada”. A comida que compartilhamos volta para nós, e não volta para nós se não a compartilhamos. O espírito de partilha talvez seja aquilo que mais falte nos nossos dias. É evidente que ele falta no plano econômico. De forma quase delirante, não aceitamos compartilhar: quem tem muito quer ainda mais e não aceita compartilhar aquilo que tem. Se a Igreja quiser compartilhar a sua verdade com os outros, ela deveria aceitar compartilhar a verdade dos outros.

Finalmente, talvez tenha sido isso que fez a unidade da minha vida, pensando pelo menos nas minhas pesquisas. Nas pesquisas feitas com pensadores diferentes, compartilham-se os pontos de vista, compartilha-se a própria verdade. E por que se compartilha? Gostaríamos que o outro pensasse como nós. Mas não: convertemo-nos simultaneamente no outro. Enquanto escutamos o outro, é a sua verdade que vem até nós. A partilha, portanto, se faz nos dois lados.

 

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