Os dois fracassos do “Summorum pontificum” (ad extra e ad intra) e outro “Magnum principium”. Artigo de Andrea Grillo

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30 Abril 2020

A verdadeira diferenciação ritual não pode ser aquela entre forma “ordinária/extraordinária”, que, como tal, paralisa qualquer desenvolvimento possível, mas sim a de uma única forma ordinária que se conjuga e se diferencia em todas as línguas maternas dos homens e das mulheres: línguas compostas por linguagens verbais e por linguagens não verbais, que tornam bela a Igreja das mil variações do único mistério pascal.

O comentário é do teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, 27-04-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

No âmbito das objeções que foram levantadas à “Carta aberta sobre o estado de exceção litúrgica”, assinala-se uma por frequência e por argumentação.

Indico-a brevemente abaixo. Ela interpreta o Summorum pontificum como uma “contenção” para as degenerações determinadas pela Reforma Litúrgica: o fato de colocar os novos ritos frutos da reforma ao lado dos ritos anteriores teria a função de “moderar” os excessos iconoclastas da reforma litúrgica que surgiu do Concílio Vaticano II.

Obviamente, isso pressupõe uma leitura acentuadamente unilateral da história posterior ao Concílio, como se se tratasse de uma “perda” e de uma “corrupção” ou até de uma “catástrofe”.

De qualquer forma, isso pode ser identificado como o “lado interno” das intenções do Summorum pontificum: por um lado, ele visava a “recuperar” os desertores lefebvrianos (ad extra), mas, por outro, pretendia retificar a liturgia que surgiu do Concílio Vaticano II (ad intra).

a) Liturgiam authenticam como premissa

É evidente que tanto a primeira quanto a segunda intenções fracassaram substancialmente, mas por motivos diferentes e também com efeitos diferentes. A segunda, de fato, não fracassou totalmente, pelo menos em médio prazo. Porque a lógica do Summorum pontificum havia sido antecipada, alguns anos antes, pela Liturgiam authenticam, a quinta instrução sobre a aplicação da reforma litúrgica, que pretendia bloquear a evolução da “forma ordinária” segundo uma rígida “dedução do latim”.

Esse documento, que é seis anos anterior ao Summorum pontificum, sendo de 2001, teve um grande impacto em todas as traduções dos textos litúrgicos, tornando-os ou incompreensíveis ou não aprováveis. A Liturgiam authenticam preparou o terreno para o Summorum pontificum, tornando a “liturgia em latim” a única verdadeira forma comunicativa na vida da Igreja e lançando sobre todas as traduções um “complexo de inferioridade” que, com o tempo, as marginalizou substancialmente.

Se, na Igreja, se começa a dizer e a pensar que “só em latim” é possível entender verdadeiramente a liturgia, é evidente que não se consegue sequer conceber que todos os novos ordines foram pensados e escritas por bispos, padres e simples fiéis dos quais ninguém fala e pensa em latim!

O efeito “estranhante” – ou, melhor, alienante – da operação é realmente impressionante. E muitos, nem todos, seguiram essa “deriva insensata”, pela qual todas as línguas “vernáculas” devem ser o “molde do latim”. Por isso, se em latim há pro multis, em português se deveria dizer “por muitos” e, em alemão, “fuer viele”, mas, depois, se deveria explicar que “muitos” significa “todos” e “viele” significa “alle”.

b) Dupla forma e dupla mesa

Após alguns anos, em 2007, o “lado interno” do Summorum pontificum incidiu sobre esse “lado frenante” da reforma litúrgica, que parece ser tão relevante quanto o externo. Mas, se o projeto em relação aos lefebvrianos fracassou devido a uma progressiva indisponibilidade ao diálogo da parte deles, o lado interno implodiu precisamente por causa do “método” que foi seguido.

O método depende, evidentemente, da teoria da “dupla forma” do único rito romano. O método que deriva disso pretende trabalhar, precisamente, sobre “duas mesas”. Para que uma mesa possa influenciar a outra.

Mas aqui há um obstáculo intransponível. Se se constrói uma hipótese de convivência de “duas formas diferentes do mesmo rito romano”, absolutamente não se determina um “intercâmbio” entre as formas, mas, pelo contrário, elas são endurecidas ainda mais, quase condenando cada forma a permanecer bloqueada na sua identidade específica.

Assim, o rito extraordinário “não quer” se tornar ordinário e, inversamente, o rito ordinário “recusa” qualquer contaminação com o extraordinário. E é aqui que está o busílis!

Assim como aconteceu com os lefebvrianos, assim também aconteceu com a “reforma da reforma”. Assim como com os primeiros abaixar a barra só serviu para fazer elevar as suas demandas e para chegar a um nada de fato, assim também criar o modelo de duas “formas paralelas” e “duas mesas” de experiência e de debate somente enrijeceu ambas as partes e quase zerou as possibilidades de uma verdadeira evolução da forma ordinária.

c) Um critério singular para a escolha dos candidatos ao episcopado

Porém, deve-se acrescentar um segundo “efeito interno” do Summorum pontificum, que não deve ser subestimado: o Summorum pontificum não incidiu apenas sobre as competências episcopais, reduzindo o seu controle à forma ordinária e desautorizando-os, de fato, do controle da “forma extraordinária”, controlada diretamente pela Comissão Ecclesia Dei, mas um segundo efeito interno, indireto, mas, de certa forma, ainda mais pesado, foi a utilização do “agrado pelo Summorum pontificum” como critério para selecionar os candidatos ao episcopado.

Seguramente, entre 2007 e 2012, o fato de “não ter se pronunciado contra o Summorum pontificum foi assumido como critério de avaliação do presbítero episcopável. E isso incidiu indiretamente sobre o modo pelo qual o futuro bispo pretenderia “cuidar” da liturgia diocesana.

Também nesse plano, a incidência do Summorum pontificum avançou na direção de uma “desautorização preventiva” na nomeação dos bispos. O que não parece ser exatamente a forma ideal de “pacificação eclesial”.

d) Não duas formas em contraste, mas sim uma forma comum diferenciada

Se unimos o efeito “ad extra” e o duplo efeito “ad intra”, devemos encontrar infelizmente um resultado tão problemático a ponto de fazer surgir em nós a questão: como isso pôde ocorrer?

De fato, a abstração da teoria das formas paralelas – concebida como quem em proveta – sofreu a vingança por parte da realidade. Se se quiser impor um “modelo duplo” de formas rituais, em vista de uma reconciliação eclesial, é preciso prestar atenção para não causar uma dilaceração mais forte, que se apoia precisamente nas diferentes dinâmicas celebrativas, que se tornam emblema e estandarte de identidades incompatíveis.

Não se considerou suficientemente, desde o início, que uma “forma extraordinária” atrairia atenção e os pensamentos de todos aqueles que não aceitavam o Concílio Vaticano II.

Superar esse regime é uma tarefa hoje. É preciso pôr fim ao “estado de exceção litúrgica”. Mas é legítimo se perguntar: como se pode fazer isso concretamente?

Alguns acreditam, de forma pessimista, que não é mais possível remediar os fatos novos. Ao contrário, eu penso que o remédio está precisamente em superar a lógica das “duas mesas” e colocar todas as questões sobre a única mesa: a dos ritos reformados.

Sobre esses ritos, o debate está em aberto e é necessário. A recuperação das “linguagens elementares”, a força do “não verbal”, as dinâmicas de participação corporal e a correlação com a realidade viva do mundo e da história são todos “canteiros de obra em aberto”. E serão ainda melhores se não nos iludirmos mais que podemos condicionar a evolução não com o debate, o confronto e a discussão sobre a única forma do rito romano, mas apenas brincando de “pular” de uma mesa para a outra, com uma crescente estranheza uma em relação à outra.

Outro magnum principium” deve ser afirmado: não apenas o da “participação ativa” que valoriza as línguas maternas de quem celebra, mas também o da única forma ritual comum e vinculante de toda a Igreja (“communis rituum forma”).

A verdadeira diferenciação ritual não pode ser aquela entre forma “ordinária/extraordinária”, que, como tal, paralisa qualquer desenvolvimento possível, mas sim a de uma única forma ordinária que se conjuga e se diferencia em todas as línguas maternas dos homens e das mulheres: línguas compostas por linguagens verbais e por linguagens não verbais, que tornam bela a Igreja das mil variações do único mistério pascal.

No centro, não se coloca uma “teoria vazia” sobre o paralelismo entre formas abstratas, mas sim a “experiência concreta” de uma única forma comum, que se diz, se canta, se move e se reconhece assim: diferente na unidade e idêntica na diversidade.

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