Os partidos e o vírus: a biopolítica no poder

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02 Março 2020

Por um lado, a política, desbotadas suas coordenadas ideológicas, acentuou cada vez mais um caráter protetor contra riscos reais e imaginários, perseguindo temores que frequentemente ela mesma produz. Por outro lado, a prática médica, apesar de sua autonomia científica, não pode deixar de levar em consideração as condições contextuais em que opera. Por exemplo, as consequências econômicas e políticas que as medidas sugeridas determinam. Isso explica de alguma forma a surpreendente diversidade de opiniões entre os maiores virologistas italianos em relação à natureza e aos possíveis desdobramentos do coronavírus.

A opinião é do filósofo italiano Roberto Esposito, professor da Escola Normal Superior de Pisa e ex-vice-diretor do Instituto Italiano de Ciências Humanas, em artigo publicado por La Repubblica, 28-02-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

Quando se começou a falar sobre "biopolítica", a novidade foi recebida com algum ceticismo. Parecia uma noção dificilmente verificável na realidade. Depois a situação mudou rapidamente. O feedback tornou-se cada vez mais denso, até se tornar impressionante. Desde os procedimentos biotecnológicos, destinados a modificar eventos anteriormente considerados naturais, até o terrorismo suicida e até a mais recente crise imigratória, questões de vida e morte se instalaram no centro das agendas e dos conflitos políticos. Até que a explosão do coronavírus, com as consequências geopolíticas que resultaram, levou ao ápice a relação direta entre a vida biológica e as intervenções políticas.

Existem três etapas fundamentais. A primeira é o deslocamento do objetivo político dos indivíduos para determinados segmentos da população. Afetadas por práticas profiláticas, ao mesmo tempo protegidas e mantidas à distância, são partes inteiras da população, consideradas em risco, mas também portadoras de risco de contágio. Esse também é o resultado da verdadeira síndrome imunitária que há muito tempo caracteriza o novo regime biopolítico. O que se teme, mais do que o próprio mal, é sua circulação descontrolada em um corpo social exposto a processos de contaminação generalizados. Naturalmente, as dinâmicas da globalização potencializaram esse medo em um mundo que parece ter perdido toda fronteira interna. O violento contraste à imigração pelos partidos soberanistas, mais que como uma continuação do antigo nacionalismo, deve ser interpretado nessa chave imunitária.

O segundo passo da dinâmica bipolítica em curso tem a ver com o duplo processo de medicalização da política e politização da medicina. Novamente, trata-se de uma transformação que remonta ao nascimento da medicina social. Mas a aceleração em curso parece ultrapassar o limiar de guarda.

Por um lado, a política, desbotadas suas coordenadas ideológicas, acentuou cada vez mais um caráter protetor contra riscos reais e imaginários, perseguindo temores que frequentemente ela mesma produz. Por outro lado, a prática médica, apesar de sua autonomia científica, não pode deixar de levar em consideração as condições contextuais em que opera. Por exemplo, as consequências econômicas e políticas que as medidas sugeridas determinam. Isso explica de alguma forma a surpreendente diversidade de opiniões entre os maiores virologistas italianos em relação à natureza e aos possíveis desdobramentos do coronavírus.

O terceiro sintoma, talvez ainda mais preocupante, do entrelaçamento entre política e vida biológica é constituído pelo deslocamento dos procedimentos democráticos ordinários para disposições de caráter emergencial. Também a decretação de urgência tem uma longa história. Em sua base existe a ideia de que, em condições de alto risco, mais que a vontade do legislador, vale o estado de necessidade.

Por exemplo, se um terremoto devastar um território, determina-se um estado de emergência que pode facilmente deslizar para um estado de exceção. É o que está acontecendo nestes últimos dias, com as medidas adotadas pelo governo central e, pelos governos regionais, com o risco de uma indevida sobreposição entre os dois poderes. Esse impulso em direção ao estado de exceção é ainda mais preocupante porque tende a homologar os procedimentos políticos dos estados democráticos com aqueles de estados autoritários como a China. Com a ressalva de que, nesse terreno, os estados autoritários, pela própria natureza de seu tipo de poder, estarão sempre à frente dos estados democráticos.

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