“Há selvageria no ar”. Entrevista com Régis Debray

Arco do Triunfo | Foto: Unsplash

17 Janeiro 2020

Quando a ecologia assume ares de religião, quando o humor se torna suspeito e quando o passado está trancafiado em um museu, Régis Debray se zanga. Conversa com um dos últimos intelectuais livres.

A entrevista é de Jean-Pierre Denis, publicada por La Vie, 08-01-2020. A tradução é de André Langer.

Eis a entrevista.

A ecologia não é apenas questão da ecologia. Seu livro, Le siècle vert, un changement de civilisation (O século verde. Uma mudança de civilização. Tracts Gallimard), anuncia claramente “uma mudança de civilização”. Estamos bem!

Até agora, a natureza tinha uma conotação negativa, a começar pelo Gênesis. Foi preciso afastar-se disso. A passagem da natureza à história é a marca da civilização ocidental. Agora, de repente, deixamos a história, a menos que seja ela que nos deixa. Esquecemos o tempo. E estamos entrando no espaço. E aqui estamos novamente na natureza! Voltamos ao druida e ao xamã. Como se estivéssemos esgotados, cansados da história, encontramos um novo identificador, um novo englobante. O neopaganismo ecológico é uma desistorização e uma descristianização. Especialmente porque o cristianismo é história, é uma encarnação no tempo. Como filósofo da história, esse ponto de inflexão, essa inversão me interessa. Eu vejo nisso um sintoma.

Mas é um progresso?

Não tenho certeza. Idealizar, até mitologizar, a natureza não me parece promissor. Certamente, todos concordamos em dizer que devemos limitar os gases de efeito estufa ou usar a água com moderação quando escovamos os dentes. Mas o culto ao verde não é necessariamente branco-azul. Sem insistir no fato de que, entre as primeiras leis do nazismo, existem aquelas que visam a proteger os animais. Quando analisamos a história das ideias políticas, o retorno à natureza deve incentivar a reflexão. Se você assistir aos documentários sobre animais, verá que na savana ou na selva não há liberdade, igualdade e fraternidade. O grande elogio da floresta, da vida ao ar livre também pode ser o da força. O que acontece com o homem em tudo isso?

Você escreve que a ecologia é a nossa nova religião.

Mais bem uma religiosidade.

Qual é a diferença?

Uma religião é instituída. Ela pressupõe um texto sagrado, um clero, uma hierarquia, um calendário, uma organização do tempo e do espaço. Uma religião é a criação de uma geografia, com peregrinações e lugares santos. Ainda não estamos nisso. De qualquer forma, se o retorno à natureza é religioso, é sem revelação. Nisso, é uma religião secular. A religião profana do nosso tempo. Ela tem um caráter de universalidade. Ela tem os jovens para isso, e todas as religiões seculares começam com a juventude, como foi o caso do comunismo. É uma ortodoxia sem doutrina, o que é uma vantagem, mas tem seus cismáticos, seus hereges e seus descrentes. Finalmente, ela tem uma base científica, como tinham antes dela o positivismo e o marxismo. Nós, simplesmente, mudamos a ciência. As ciências da Terra e da vida substituíram a física de Newton.

Vamos desfazer um possível mal-entendido. Tranquilize-nos: você não é um cético do clima?

Mas em absoluto! Eu penso que o perigo é real e obviamente não nego as desregulações climáticas. O alarme é justificado. Mas não podemos torná-la um terror. E não devemos fazer disso uma religião. Especialmente porque, no longo prazo, muitos dos apocalipses anunciados não ocorreram. E se reconheço as virtudes da mobilização, desconfio do temperamento apocalíptico. As previsões catastróficas do Clube de Roma não se realizaram. O ambientalista René Dumont não é o único a anunciar há 40 anos desastres que não aconteceram.

E se ocorrer uma catástrofe?

Um pré-histórico diria que um terrível aquecimento climático ocorreu por volta de 10.000 a.C. Isso mudou completamente a ecologia do planeta e a economia humana. Os caçadores-coletores ficaram muito perturbados em seus hábitos. Eles aproveitaram a oportunidade para plantar trigo e outros cereais. Como não havia mais mamutes, passaram a criar coelhinhos. Não foi um absurdo. Eles continuaram a comer e até deixaram suas cavernas para fazer cabanas. É possível sobreviver!

Seu livro destaca um tipo de inversão no curso da história humana. O que está acontecendo então?

O homem foi, e é uma longa história, do culto aos animais até o culto a Deus. Agora voltamos de Deus para o animal. A divindade estava no céu. De repente, está aqui no chão. A terra assume uma dimensão sagrada. E ao divinizar a terra, feminizamos o divino. É o retorno de Gaia. Deus tinha barba, era pai. Nós encontramos a Mãe-Terra. Os cristãos correm um certo risco ao continuar a recitar “Pai-nosso que estais no céu”. Teremos que corrigir e dizer “Mãe-nossa, que estais sob nossos pés”. No entanto, esse retorno às deusas-mãe não estava presente no programa!

A grande história da emancipação prometeu deixar a sujeição à natureza, e até à família biológica, para formar famílias espirituais, criando um vínculo que não é biológico. A religião cristã é uma família que não se baseia em laços de sangue, mas naqueles do espírito. A Sagrada Família é uma família combinada! No entanto, voltamos em todos os lugares à lei do sangue. Seja na Índia, no Egito ou em Israel, você precisa ressaltar sua genealogia, seu DNA. O vínculo cívico é cada vez mais substituído pelo vínculo étnico. É preocupante, não?

Desde Deus, um itinerário (2001), você segue o fio da religião. No ano passado, em Du génie français, você lembrou que “nasceu na religião cristã, aquela dos últimos e dos perdedores”.

Originalmente, comecei a refletir sobre o que é o comum. Como criar vínculos entre pessoas que não se conhecem e que não se amam? Para que este vínculo exista, deve haver algo acima dele. E o religioso faz o comum, de acordo com uma de suas duas etimologias, mas o religare latino, “religar”, e o relegere, “reler”, se complementam. É assim que me situo de um ponto de vista puramente filosófico. Eu acrescentaria que, culturalmente, sou de cepa cristã.

Cepa, você disse cepa? No entanto, a palavra tem uma má impressão. Pedem-nos para não nos chamarmos de “franceses de cepa”...

Estamos falando de “células-tronco”, certo? É um termo da biologia... E como meu amigo Aimé Césaire disse: “mergulhia sim, decepamento, não”. Podemos acrescentar, podemos enxertar, mas a cepa permanece. Para mim, o cristianismo é a célula-mãe. Algo que pode se metamorfosear, se ramificar, mas, em todo caso, pode servir de tronco comum para muitas reflexões. Não necessariamente na moral, mas também na pintura ou na política. Este é o meu parâmetro antropológico.

A cepa é o que resta quando a árvore é cortada.

A questão é saber se ela brota novamente.

Então, ela brota novamente?

Não faço ideia, mas como vivemos na era dos “revivals”, das reciclagens, dos retornos, dos reusos em todas as áreas, não me parece excluído que o cristianismo possa renascer. De qualquer forma, uma religião é um pertencimento e, portanto, um meio de autodefesa. A globalização está provocando insurgências identitárias que trazem à tona aquilo que pensávamos ter desaparecido. Eu não gostaria de me tornar identitário, mas é bom ser despertado por elementos externos. Um dia, nos lembraremos que éramos cristãos.

Como lembramos que éramos gregos? Como se visita o Fórum e as ruínas da Roma antiga?

Quando o passado não tem futuro, nós o colocamos em um museu. Portanto, devemos evitar a museificação. Infelizmente! A Europa tende a se tornar seu próprio conservatório, foi o que tentei explicar em Contre Venise. Não nos tornemos Veneza! É preocupante ver que a França quase não existe hoje, exceto pelo luxo e o turismo. É uma maneira de lucrar com a globalização, mas não é uma maneira de existir.

Com outras palavras, culturalmente nós recebemos mais do que transmitimos. No entanto, as grandes civilizações adicionam o maior poder transmissivo e o maior poder absorvente possível, como disse Paul Valéry. A civilização romana foi o próprio exemplo disso. A força dos Estados Unidos consiste em ter absorvido etnicamente, antropologicamente, culturalmente muitos europeus, asiáticos, latinos, africanos, o que lhes dá uma capacidade extraordinária de transmissão. Ao contrário da crença popular, o cosmopolitismo não é a negação da identidade; ela pode ser sua repercussão e sua força. Tudo isso para dizer que você não deve fechar sua porta.

Certa vez você disse que as fronteiras devem ser peneiras!

As fronteiras devem ser peneiras controladas, portas entreabertas. Como a pele. A pele filtra e recebe.

Recebemos muito, por exemplo, soft power cultural americano!

Sim, demais, mas o que transmitimos?

Você acha que paramos de transmitir?

Não: teve os “coletes amarelos”. Eles mandaram uma mensagem para todo o mundo. É o único sintagma, a única expressão que a França disseminou nos últimos 40 anos em todo o mundo. Se você fala dos “coletes amarelos” na Tunísia e na Tailândia, no Peru, sabemos o que são. Também sabemos lá que nós sabemos o que é o Gay Pride e o #MeToo ou as primárias presidenciais, porque são provenientes dos Estados Unidos. Os “coletes amarelos” são um fenômeno cultural cujo simbolismo viajou por toda parte.

Um sinal também. Mas é positivo ou negativo? Podemos ver uma França que não se ama, um país que se preocupa com os ricos...

Absolutamente não! Não é assim que é percebido. Vemos uma França que tem a coragem de protestar, de se expressar na rua. Isso une um certo imaginário francês insurrecional, revolucionário e popular. Se o simbolismo dos “coletes amarelos” circula tão bem, é porque tem algo de positivo.

Os “coletes amarelos” constroem comuns.

Os “coletes amarelos” são a recriação do comum por pessoas que não os possuíam mais e que de repente se descobriram uns nos outros. É difícil analisar o fenômeno, mas havia algo de efervescente, de bastante alegre. Eu via isso mais como saúde, talvez não como salubridade pública.

Você tem a nostalgia da História, com H maiúsculo...

Sou muito sensível à perda da cultura histórica. O recuo, se não o colapso da consciência temporal, parece-me preocupante, especialmente se relacionarmos esse presentismo com o mercado e a imagem onipresentes. Nós vivemos na esfera do vídeo. Mas não existe vídeo do futuro, e existe apenas para o passado recente. Nós estamos colados à nossa tela como os nossos narizes no vidro do presente. O campo da consciência está encolhendo. No entanto, é sempre a tradição que nos empurra para a frente.

Saint-Just disse que o mundo está vazio desde os romanos. Ele pode ter errado, mas ele tinha consciência de que era o herdeiro de alguma coisa. Se nós não somos mais os herdeiros de nada e de ninguém, nos tornamos animais. Certamente, para os antiespecistas e os animalistas, é uma coisa boa! Mas a veneração do animal não me agrada, e por uma única razão: os animais não têm história. Isso faz uma diferença fundamental entre eles e nós. Nós, humanos, rompemos o ciclo das estações e da reprodução. Nós temos uma origem, estamos caminhando para um fim sonhado ou pensado.

Não é a tradição bíblica que nos inscreve na história?

Claro! O cristianismo nos jogou na história, com uma encarnação que é datada e com uma dupla ideia, depois retomada pelos progressistas: o Espírito caminha na história, e há mais espírito na história do que na natureza. Era o nosso código de base. Nosso DNA civilizacional. Existe uma ascendência, uma descendência. Nós temos uma dívida com aqueles que nos precederam. É por isso que você não faz compostagem com o seu avô. Nós o colocamos em uma sepultura e a visitaremos de tempos em tempos. É uma atitude em relação à vida e à morte, a de uma transmissão garantida.

Por que essa evidência, essa consciência de ter uma história que desmorona tão rapidamente?

Os técnicos não têm história, nem os animalistas. Eles também podem se aliar.

Hoje, a frase de René Char “Nossa herança não é precedida de nenhum testamento” é frequentemente citada. Eu admito que não gosto muito dela.

Eu também não. Ela é um dos muitos apotegmas de René Char que se destacam por seu lado misterioso ou paradoxal, mas que não requerem aquiescência automática. Não é na La Vie que eu devo lembrar que temos um Testamento e até dois, o Antigo e o Novo. Nossa herança vem daí. Não apenas, é claro, mas é difícil cobrir isso com um pano.

No entanto, nós nunca falamos sobre emancipação, de saída do biológico. Todo mundo quer ter sua própria origem. Todas as leis da sociedade vão nessa direção.

O homem não pode ser filho de si mesmo. Ele não se dá a vida, ele a recebe. Nós não somos consultados sobre o nosso nascimento. Substituir o que cresce pelo que é produzido é uma loucura antropológica. Sylviane Agacinski foi muito corajosa em dizer isso.

Mas você permaneceu discreto sobre esse debate...

Na agitação, alguém é rapidamente caricaturado ou classificado. O midiático me cansa. Prefiro pensar menos nos eventos do que nos processos.

Seu estilo sempre foi cáustico e sua reflexão andou na contracorrente, com paradoxos. Mas ainda podemos brincar levemente e pensar livremente?

Eu receio que não. A paródia, o humor, o piscar de olhos não são mais compreendidos. O sentido irônico é proibido. O temperamento secundário é mal visto. O córtex neofrontal, o da introspecção, é posto de lado. Nós voltamos ao mesmo tempo ao primário e aos primatas. No império do imediatismo, o recuo necessário exige que você passe por um cara mau ou um cara pobre.

Às vezes faço piadas, piruetas e de repente as pessoas se sentem ofendidas. Essa é uma das razões pelas quais eu não gasto muito tempo nas mídias. Quanto às redes sociais, elas são a democratização do julgamento. Todo mundo coloca todos sob investigação. Faz-se justiça a si mesmo, como no Far West. Esse retorno ao primeiro grau faz parte da nossa desculturação. Nos encerramos em pequenas bolhas grupais. Verdadeiramente, há selvageria no ar!

Hoje, todo mundo vai lá com seu protesto de compromisso ecológico. Você não acredita nessas profissões de fé e nesses catecismos obrigatórios. O Século Verde faz sobre isso uma crítica irônica e displicente.

Tomo a palavra crítica no sentido de estudo social. Não quero me colocar em uma posição de desvio. A ecologia é importante, pois vai além da ecologia. O fenômeno é cultural e não apenas climático. Diz respeito ao inconsciente coletivo, que sempre deve ser levado a sério. Eu tento nos colocar de volta no tempo longo, o da história das mentalidades. Como disso emerge uma nova consciência coletiva? O burguês boêmio do centro que come iogurte orgânico é apenas um sintoma.

A ecologia não é uma moda nem um complô. Eu gostaria que discutíssemos entre historiadores das mentalidades. Mas, às vezes, de fato, eu me entrego a alguma ironia. Primeiro, porque o culto da natureza é próprio de um homem desnaturado, ou urbanizado, se preferir. Podemos protestar contra o aquecimento global e não saber distinguir uma faia de um carvalho, uma rosa de um cravo. Quanto mais você se afasta da natureza, mais sente saudade dela; é por isso que desfilaremos mais por produtos orgânicos nas ruas de Paris do que nas ruas de Vendeia [departamento da França localizado na região do País do Loire, no Golfo da Biscaia]. Então, ainda é muito engraçado esse tipo de unanimidade, essa obrigação social de unir-se ao concerto! Raramente vimos tanta pressão social para fazer coro. Certamente, sempre houve religiões seculares. Em 1950, o marxismo estava em alta. Mas você ainda podia não ser vermelho. Hoje, se você não é verde, está de castigo. Especialmente se você é atriz ou cantor.

Sua geração se rebelou contra uma certa ordem moral. Agora ela volta na forma de um novo puritanismo.

Sim, mas antes era vinculada a instituições. A nova ordem moral está bastante ligada à afetividade, aos sentimentos e aos medos. Muito mais difusa, menos estruturada, é uma ordem moral de estado gasoso. Nós realmente não conhecemos bem os seus contornos, mas sentimos bem o que não é. Somos forçados a nos restringir em nossas observações. Para mim, que não sou do tipo muito sério, a impossibilidade de fazer piadas é muito irritante. O fato de eu às vezes sorrir para certos eventos ecológicos pode ser criticado. No entanto, eu não sou um menino mau! Você não pode mais dizer a uma mulher que ela tem um vestido bonito sem se arriscar a ser convocado perante um tribunal. Todo sorriso é a construção de um caso. Desculpe-me por sorrir!

Ainda podemos amar as pinturas de Gauguin sem emitir as reservas agora requeridas?

Gauguin também não estava limpo. Mas a pele áspera biográfica elimina a obra. Não criticamos mais as pinturas, mas os homens que as pintaram, os livros, mas seus autores. Por isso, não restarão muitas pessoas na história das artes e da literatura. Desculpe-me por gostar das telas de Gauguin ou, no cinema, do caso Dreyfus visto por Polanski. Um homem não é o que ele esconde, é o que faz e, se violar as leis ou a simples decência, deve responder perante a lei, mesmo que se considere um artista. Mas a obra de arte exige um julgamento estético – o belo filme que fez, o belo poema que escreveu. A redução biográfica é bárbara. É uma forma de vandalismo. Como muitos, me sinto mal.

Não temos mais religião, mas ainda temos a culpa. Nossa época não estaria sob a influência de um judeu-cristianismo enlouquecido?

A ideia de um pecado original para expiar não desapareceu. No mundo ecológico, nós somos pecadores. Somos acusados de nossa inconsciência, de nossa impertinência. Essa sensibilidade é, sem dúvida, herdeira de um reflexo ligado à ideia de expiação. O ambientalismo também tomou emprestado da religião suas liturgias, essa atmosfera encantadora, oracular e místico-milenar. Nenhuma sociedade pode viver sem enquadramento simbólico. A ecologia será o novo quadro. Ela chega para preencher um vazio, porque estávamos sem profecia. No entanto, enquanto o milenarismo está à espera de um melhor, as teorias do colapso tendem a se inclinar para um milenarismo sombrio. O Apocalipse segundo São João para os pobres. Finalmente, temos necessidade de uma moral. E, como ela estava em falta, precisávamos de uma substituição.

Em Du génie français, você fala da alma, a alma de um país a procura de si mesmo. O que resta dela na época do sarkozysmo, do hollandismo e do macronismo?

A França costumava ser experimentada como uma pessoa. E uma alma é um corpo. Uma alma é até algo que é maior que esse corpo e que o guia. É isso que faz um corpo ter vida, anima, o sopro, o princípio motor, o que faz você se mover. Eu não tenho uma concepção especulativa. A alma é um princípio espiritual, certamente, mas para mim é acima de tudo um princípio vital, vivificante e dinâmico.

Você, nascido de cepa cristã, tem uma alma?

Eu não ousaria dizer isso. Eu me sentiria bem pretensioso. Uma alma é também algo que atravessa o tempo, uma insistência, uma persistência. Eu não tenho certeza de que algo de mim vai sobreviver. Eu tenho medo de ter apenas um espírito. É mais simples, mais fácil. Veja Sacha Guitry [nome artístico de Alexandre Georges-Pierre Guitry, ator e cineasta de filmes nascido na Rússia, mas radicado na França]: ele tinha espírito, mas não tenho certeza se ele tinha uma alma! Não me sinto grande o suficiente para ter uma alma. Eu gosto de estar em contato com o que me excede, mas dificilmente me supero. O que é um pouco triste!

Mesmo escrevendo?

Escrever é uma tentativa de prolongamento, mas logo os homens vão parar de ler apenas para ouvir ou assistir. Ou então, na melhor das hipóteses, eles lerão legendas debaixo das fotos! Eu acredito que a alma é a de uma comunidade, de um povo, de um futuro. Eu preferiria me conectar com a alma da Europa, se ela tivesse uma ou se não a tivesse perdido. Por outro lado, tenho certeza de que a França sempre terá uma alma, porque sempre haverá uma língua, uma história e uma geografia, rios, montanhas, um cenário físico, monumentos que perdurarão no tempo.

 

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