Graças à literatura, a fé amplifica a voz

Mais Lidos

  • “Os israelenses nunca terão verdadeira segurança, enquanto os palestinos não a tiverem”. Entrevista com Antony Loewenstein

    LER MAIS
  • Golpe de 1964 completa 60 anos insepulto. Entrevista com Dênis de Moraes

    LER MAIS
  • “Guerra nuclear preventiva” é a doutrina oficial dos Estados Unidos: uma visão histórica de seu belicismo. Artigo de Michel Chossudovsky

    LER MAIS

Revista ihu on-line

Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

Edição: 552

Leia mais

Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

Edição: 551

Leia mais

Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

Edição: 550

Leia mais

08 Janeiro 2020

"É uma responsabilidade urgente e muito séria da Igreja, de todos os crentes, reativar processos culturais que desemboquem na criação de códigos e chaves de leitura do presente, hermenêutica e simbolicamente consistentes e vitais, que respondam às sofisticadas solicitações feitas pela história contemporânea", escreve José Tolentino de Mendonça, cardeal arquivista e bibliotecário da Santa Sé, em artigo publicado por Avvenire, 31-12-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

La Civiltà Cattolica completa 170 anos e volta a publicar textos poéticos.

A literatura é um grande telescópio voltado para a vida, uma ferramenta prodigiosa para a leitura da experiência individual e coletiva, histórica e interior, tanto na dimensão particular quanto na universal.

Quem ignora sua literatura não entende verdadeiramente uma determinada tradição cultural. Não entende o ser humano, em sua universalidade, quem ignora os testemunhos poéticos pelos quais passou ao longo dos milênios.

Além do abismo temporal que os separa, o homem contemporâneo não deixa de se reconhecer na dor de Heitor e Gilgamesh, no amor apaixonado de Jacó por Raquel, na justiça do castigo cômico do Miles gloriosus.

Na concretude incomparável com a qual nos restitui a particularidade cultural, social e histórica dos mundos que explora, a arte dá expressão, com força igualmente incomparável, ao seu pertencimento a uma única grande família, evidenciando aquela unidade profunda da alma que faz da história humana um todo, tecido a partir de um único denominador comum, e não um aglomerado centrífugo e caótico de histórias incomunicáveis entre si. Para isso, ainda precisamos de literatura, não como um ornamento agradável porém, no final das contas, supérfluo, do nosso habitat espiritual, mas como uma estrutura de sustentação, um código de sobrevivência de nosso estar no mundo. Um dos dramas do cristianismo e das religiões do nosso tempo, é o crescente deslocamento de sua autocompreensão fora do horizonte da literatura: cada vez menos a prática religiosa contemporânea recorre à literatura para articular suas representações de fé, e cada vez menos a literatura recorre ao seu discurso como recurso de sentido.

Portanto, é uma responsabilidade urgente e muito séria da Igreja, de todos os crentes, reativar processos culturais que desemboquem na criação de códigos e chaves de leitura do presente, hermenêutica e simbolicamente consistentes e vitais, que respondam às sofisticadas solicitações feitas pela história contemporânea. É um problema de conteúdo, mas antes mesmo de racionalidade, de linguagens. E é um problema de discernimento, mas antes mesmo da maternidade. Somente se a Igreja conseguir recuperar a capacidade de ser uma fonte, em todos os campos da racionalidade humana, começando por aquela artística, será posta novamente em movimento a indispensável dinâmica criativa entre fé e cultura. Com muita frequência, no passado, a Igreja concebeu defensivamente a relação entre fé e cultura como a de uma hegemonia, de um direito de controle e sanção em nome de uma verdade de fé simplificada como verdade cultural. Recuperar a dinâmica generativa e não mecanicamente judicial dessa relação, restaurar a maternidade da Igreja, significa acolher incondicionalmente não apenas a reciprocidade dialógica, mas a assimetria do serviço, da iniciativa gratuita e eventualmente não correspondida, própria do amor.

Discernimento, escuta, proposta são todos momentos essenciais do diálogo entre fé e cultura, entre fé e literatura, que, para serem frutíferos, devem ser conjugados em uma disposição mais fundamental de amor, em uma vontade incondicional de encontro.

Quem ama busca a proximidade do outro, busca a sua presença. Amar a cultura, a criação artística, a literatura significa procurá-las lá onde estão, correr o risco do contato. Os textos são o corpo da literatura e, sem a presença direta e sem mediação, o diálogo permanece estéril e irreal.

Portanto, é muito importante que nas páginas de uma revista como a La Civiltà Cattolica, a mais antiga revista italiana - mais antiga do que a própria Itália politicamente unida – abra seu caminho, ao lado das tradicionais leituras de textos, também a textos a serem traduzidos em leitura, poesias e prosa curta: histórias para amar e, portanto, decifrar, palavras poéticas a serem convertidas em palavras hermenêuticas, na cadeia inesgotável do sentido. É um passo na direção correta, uma assunção de responsabilidade no grande empenho de fazer nascer algo de que não apenas a Igreja, mas toda a sociedade, desesperadamente precisa: não uma literatura cristã, que pertença a um modelo de civilização do passado, mas uma literatura que faça da fé cristã, em sua articulação eclesial - de fontes, de tradição e de comunidade - um recurso de sentido para a humanidade do nosso tempo.

 

Leia mais

Comunicar erro

close

FECHAR

Comunicar erro.

Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

Graças à literatura, a fé amplifica a voz - Instituto Humanitas Unisinos - IHU