Mudança epocal. Com a abolição do segredo pontifício, documentos mais acessíveis para os magistrados e transparência para as vítimas de abuso sexual

Mais Lidos

  • Elon Musk e o “fardo do nerd branco”

    LER MAIS
  • O Novo Ensino Médio e as novas desigualdades. Artigo de Roberto Rafael Dias da Silva

    LER MAIS
  • “Um Netanyahu em plena fuga para a frente vai responder ao Irã, e apenas os EUA podem evitar o pior”

    LER MAIS

Revista ihu on-line

Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

Edição: 552

Leia mais

Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

Edição: 551

Leia mais

Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

Edição: 550

Leia mais

18 Dezembro 2019

A "virada que marca época" pretendida por Bergoglio ocorre após um longo período de gestação iniciado em fevereiro com a cúpula mundial sobre os abusos. Agora será mais fácil para as autoridades civis obter documentações das dioceses, assim como as vítimas terem informações sobre o resultado de suas denúncias.

A reportagem é de Francesco Antonio Grana, publicada por Il Fatto Quotidiano, 17-12-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.

Uma decisão histórica, resultado da cúpula mundial sobre pedofilia realizada no Vaticano. A escolha do Papa Francisco de abolir o segredo pontifício em casos de abusos sexuais do clero é sem precedentes. E está destinada a marcar para sempre o caminho da Igreja Católica, duramente provada pelos contínuos e graves escândalos de pedofilia espalhados em numerosos continentes do planeta, mas também de proporções imensas. Escândalos frequentemente acompanhados também pelas omissões da cúpula eclesiástica que há décadas encobre esses crimes muito graves. Agora Bergoglio tira o segredo pontifício não apenas das denúncias, dos processos e das decisões que dizem respeito aos que cometeram os abusos, mas também daqueles que sempre encobriram tudo isso, transferindo frequentemente os culpados de paróquia para a paróquia.

No entanto, esta não é uma providência tomada repentinamente após anos de encobrimento. Mas um longo caminho de conscientização de que a credibilidade da Igreja está fortemente comprometida pelo escândalo de pedofilia de seus membros, inclusive em níveis muito altos, como ensina a história do cardeal George Pell, e que slogans não são suficientes. As principais etapas do processo, de fato, começam com a cúpula mundial sobre os abusos organizada no Vaticano, em fevereiro de 2019, por Bergoglio. Uma cúpula da qual, por vontade do Papa, participaram todos os presidentes das conferências episcopais do mundo e também de algumas vítimas. Seus testemunhos foram muito significativos e alguns bispos tiveram que admitir que nunca as haviam encontrado e ouvido antes, como ao contrário havia pedido repetidamente o Papa na esteira do que Bento XVI havia feito.

Após a cúpula, Francisco imediatamente emitiu várias normas para fortalecer a linha da tolerância zero na luta contra os abusos e também para evitar novos encobrimentos. Uma linha que, depois de anos de oposição, na Itália foi totalmente implementada pela CEI, que finalmente introduziu a obrigação moral de denunciar às autoridades civis os padres pedófilos. Agora, mais um passo adiante muito importante foi fortemente desejado pelo Papa que, não por acaso, decidiu que as novas normas fossem publicadas no dia de seu 83º aniversário.

Mas por que havia até agora o segredo pontifício para casos de abusos sexuais? O ex-presidente do Tribunal do Vaticano, Giuseppe Dalla Torre, explicou que “as razões que no passado levaram o legislador eclesiástico a introduzir, entre as matérias submetidas ao segredo pontifício, os crimes mais graves contra os costumes reservados à Congregação para doutrina da fé, cedem com relação aos bens que hoje são percebidos como mais elevados e dignos de uma proteção específica. Em primeiro lugar, a primazia da pessoa humana ofendida em sua dignidade, ainda mais por causa de sua fraqueza por idade ou incapacidade natural. E depois aquela plena visibilidade das passagens nos procedimentos canônicos que visam punir o fato criminoso, o que contribui ao mesmo tempo para a ação judicial e para a proteção dos sujeitos envolvidos, inclusive aqueles que podem ser injustamente atingidos por acusações que depois se revelem infundadas”.

Para o diretor editorial do Departamento de Comunicação da Santa Sé, Andrea Tornielli, a decisão do Papa "significa que as denúncias, os testemunhos e os documentos processuais relativos aos casos de abuso mantidos nos arquivos dos dicastérios do Vaticano, bem como aqueles que se encontram nos arquivos das dioceses, e que até agora estavam sujeitos ao segredo pontifício, poderão ser entregues aos magistrados investigadores dos respectivos países que os solicitarem. Um sinal de abertura, disponibilidade, transparência e colaboração com autoridades civis.

No caso dos dicastérios do Vaticano, explicou Tornielli, o pedido deverá ser encaminhado através de rogatória internacional, habitual no âmbito das relações entre os estados. O procedimento é diferente nos casos em que os documentos exigidos são mantidos nos arquivos das cúrias diocesanas: os magistrados solicitantes dos respectivos países encaminharão a solicitação diretamente ao bispo. No entanto, permanecem a salvo regimes especiais, que podem ser previstos em acordos ou concordados entre a Igreja e o Estado”.

D. Charles Scicluna, arcebispo de Malta e secretário adjunto da Congregação para a Doutrina da Fé, não hesita em definir a do Papa como "uma escolha que marca época". E lembra que foi precisamente na cúpula sobre a pedofilia "que falamos repetidamente do segredo pontifício quase como um impedimento à informação justa dada à vítima e às comunidades". Mas o que muda na prática? "Vejamos os impedimentos - explicou o prelado - que existiam até este momento: a vítima não tinha a oportunidade de conhecer a sentença que acompanhava a sua denúncia, porque havia o segredo pontifício. Outras comunicações também eram dificultadas, porque o segredo pontifício é um segredo do mais alto nível no sistema de confidencialidade do direito canônico. Agora, a possibilidade de proteger a comunidade e falar o resultado de uma sentença também é facilitada".

Scicluna também especificou que, com a abolição do segredo pontifício, os documentos "não são de domínio público, mas, por exemplo, a possibilidade de uma colaboração mais concreta com o Estado é facilitada, no sentido de que a diocese que agora possui uma documentação que não está mais ligada ao segredo pontifício e pode decidir, como deve, colaborar bem, enviando uma cópia da documentação também às autoridades civis".

 

Nota da IHU On-Line:

O Instituto Humanitas Unisinos – IHU promove o seu X Colóquio Internacional IHU. Abuso sexual: Vítimas, Contextos, Interfaces, Enfrentamentos, a ser realizado nos dias 14 e 15 de setembro de 2020, no Campus Unisinos Porto Alegre.

X Colóquio Internacional IHU. Abuso sexual: Vítimas, Contextos, Interfaces, Enfrentamentos

 

Leia mais

Comunicar erro

close

FECHAR

Comunicar erro.

Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

Mudança epocal. Com a abolição do segredo pontifício, documentos mais acessíveis para os magistrados e transparência para as vítimas de abuso sexual - Instituto Humanitas Unisinos - IHU