Vítimas de abuso sexual querem ser ouvidas pela hierarquia da Igreja, diz Hans Zollner

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09 Setembro 2018

O presidente do Centro de Proteção Infantil da Pontifícia Universidade Gregoriana disse que a maior parte das vítimas de abuso sexual do clero com que ele se encontrou quer que a hierarquia da igreja as escute e entenda a profundidade de seu sofrimento.

A reportagem é de Catherine Sheehan, publicada por Catholic News Service, 06-09-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.

“Todos concordam com isso, de que o único elemento mais importante num possível processo de recuperação é ser ouvido… todos dizem que esse é o ponto de partida,” disse o padre jesuíta Hans Zollner ao The Catholic Weekly, jornal da Arquidiocese de Sydney, durante uma entrevista no fim de agosto.

O padre esteve na Austrália para uma conferência sobre os casos de abuso sexual no clero.

Zollner, que também é membro da Comissão Pontifícia para a Proteção de Menores, disse também que a Igreja Católica “jamais fará o suficiente” para resolver os problemas de abuso sexual por parte do clero.

Ele enalteceu a igreja da Austrália pelo seu esforço para responder às alegações de abuso e pelas suas medidas para prevenção do mesmo, apontando o desenvolvimento dos recursos, dos materiais de instrução e do desenvolvimento da equipe. Além disso, disse que a aceitação da Igreja Católica Australiana em relação a quase todas as recomendações da Royal Commission into institutional Responses to Child Sexual Abuse (Comissão Real para Repostas Institucionais para Abuso Sexual Infantil) foi um desenvolvimento positivo.

Os líderes da igreja aceitaram, no dia 31 de agosto, 98% das sugestões da comissão, mas disse que não poderiam concordar com as recomendações que violariam o segredo da confissão.

Nos últimos anos, a igreja australiana teve que lidar com as consequências das acusações criminais contra dois líderes de alto escalão da igreja em relação a casos de abuso sexual clerical.

O Cardeal George Pell, chefe da Secretaria de Economia do Vaticano, é o representante da igreja mais veterano envolvido com as acusações criminais relacionadas com o abuso de crianças. Ele tirou uma licença de seu cargo no verão de 2017 para lidar com acusações de abuso sexual de menores nos anos 70, quando era padre, e nos anos 90, quando era arcebispo de Melbourne.

Mesmo que Pell tenha negado consistentemente as acusações, no início de maio, uma magistrada australiana ordenou que ele fosse julgando, dizendo que ela acreditava que haviam evidências suficientes apresentadas que se conectavam com quase metade das acusações originais, e isso justificava que houvesse um julgamento completo.

No segundo caso, o Arcebispo aposentado Philip Wilson, de Adelaide, está cumprindo um ano de prisão domiciliar após ter sido considerado culpado em maio, por não ter denunciado alegações de abuso sexual de crianças nos anos 70.

Zollner disse que alguns estudos foram feitos para identificar a prevalência do abuso sexual na Igreja Católica, e que aqueles que existem, aconteceram em uma série de países, incluindo Austrália e os Estados Unidos.

“A extensão é mais ou menos consistentemente de cerca de 3 a 6% dos padres em um período de tempo específico… desde cerca de 1950 até 2010,” disse ele “considerando que ao longo dos últimos 10 a 20 anos, dependendo o país, os números caíram para quase zero.”

Ele disse que as dioceses do mundo inteiro que implementaram os programas de segurança, códigos de conduta e treinamento da equipe para consciência de abuso, crianças e voluntários descobriram que isso “funciona”.

As constatações da mídia de que os abusos sexuais são mais abundantes na Igreja Católica são imprecisos, acrescentou Zollner. Ele disse que maior parte dos abusos sexuais de menores, “de longe”, ocorrem dentro das famílias.

“Não podemos dizer que é mais provável (que aconteça no clero da Igreja) e as pessoas que dizem isto não conseguem apresentar estatísticas,” disse ele. “Não há outras instituições, não há outras denominações cristãs ou religiões que tenham sido investigadas tão a fundo como a Igreja Católica,” disse ele.

“E mesmo dentro de grupos profissionais, não há pesquisa que trate, por exemplo, professores de escolas públicas … psicólogos, médicos, policiais, músicos ou treinadores de esportes. Então não temos um número confiável para comparar com o número dos padres católicos, especialmente se você quer abranger toda a população de uma única profissão.”

De qualquer modo que o abuso ocorra, explicou Zollner, pode fazer com que qualquer vítima perca a fé nos outros e reconstruir essa fé é uma tarefa difícil para qualquer um.

“Destrói a fé a em si mesmo, nos outros e em Deus,” disse ele.

“Então, há muitas questões que aparecem em torno do distúrbio psicológico, dos sentimentos de culpa,” continuou o padre. “Há, muito frequentemente, algumas emoções e atitudes conflituosas em relação à sexualidade e a questão é, geralmente, como alguém pode colocar junto a sua própria identidade se tratando de “o que eu valho?” e “posso me aventurar numa vida que foi frequentemente prejudicada por esse tipo de abuso desde o início?”

Zollner também apontou perguntas que aparecem comumente sobre homossexualidade no sacerdócio, a prática do celibato pelo clero e o papel do clericalismo como possível fator contribuidor para casos de abuso sexual no clero.

Indicando que pesquisas independentes nos Estados Unidos mostraram que 81% das vítimas de abuso do clero são garotos adolescentes e homens jovens, Zollner disse que “a homossexualidade … não induz automaticamente ao comportamento abusivo, isso está claro.”

“Eu acrescentaria, pela minha experiência e pelo o que eu li, que nem todas as pessoas que abusaram, nem os padres, nem os homens que abusaram de garotos se identificam como homossexuais. Assim, eles atuam sexualmente, mas também têm tendências heterossexuais, ou não se identificam claramente e unicamente como pessoas de orientação homossexual,” disse ele.

Quanto ao celibato, Zollner disse que não há “efeito causal” entre a sua prática e o abuso sexual de crianças. “A Comissão Real constatou isso por si mesma,” disse ele.

“Pode se tornar um fator de risco quando o celibato não é vivido bem o suficiente ao longo dos anos, e pode induzir as pessoas a se tornarem abusadores de álcool, abusadores de pornografia na internet, abusadores de adultos ou abusadores de menores,” explicou ele.

O jesuíta acrescentou que “o ponto é que o celibato obrigatório não é um dogma, pode ser mudado.”

Ele também argumentou que 99,9% de todos os abusadores não são padres e não vivem uma vida de celibato.

“Em segundo lugar,” acrescentou, “95% de todos os padres não são abusadores, então o celibato obviamente não induz a tal comportamento abusivo.” Ele disse que estudos mostraram que padres que abusam o fizeram a primeira vez em média aos 39 anos, “que é em uma idade muito mais velha do que um treinador, um professor ou um psicólogo quando abusam pela primeira vez, sendo essa aos 25 anos.”

“Então, o celibato se torna um problema se não é vivido integrado a um estilo de vida saudável,” disse Zollner.

O padre afirmou que o clericalismo continua sendo um problema não só para o clero, mas, também, para os leigos.

“Eu fiquei muito surpreso e muito esclarecido pelos comentários vindo dos leigos com quem eu me encontrei nos últimos dias aqui, dizendo que o clericalismo não é só para o clero. Os leigos também demonstram atitudes clericalistas e que isso também é um problema. Quando eles se agarram ao prestígio e medem sua importância pelo número de secretários que têm, pelo tipo de carro que dirigem, etc.”

Zollner também parabenizou o grande número de mulheres em postos de liderança dentro da igreja e que ele espera que o Papa Francisco continue a indicar mulheres para cargos importantes na Santa Sé.

Ao mesmo tempo ele disse que ficou surpreso ao ouvir uma mulher que ele se encontrou durante a conferência que disse “’por simplesmente substituir homens por mulheres … você resolve os problemas de poder.’ Esse não é o caso.”

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