Refugiados. "Eu tratei 300 mil pessoas, e eu digo que a Líbia é um porto de morte"

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31 Agosto 2018

Ele foi o primeiro a ver aquelas imagens que falam de violência, tortura e abuso: foram entregues a ele por alguns dos milhares de migrantes que nos últimos anos estiveram em Lampedusa. E ele, o Dr. Pietro Bartolo, chefe do centro de saúde da ilha no meio do Mediterrâneo, protagonista do filme de Rosi "Fuocoammare", que em 2016 ganhou o Urso de Ouro em Berlim, repassou os vídeos ao Cardeal Francesco Montenegro, Arcebispo de Agrigento, que por sua vez os fez chegar à Santa Sé. Assim, os testemunhos dos horrores na Líbia chegaram diante dos olhos do Papa Francisco: "Aqueles que fogem daquele país não fogem de um porto seguro, como diz Salvini. Fogem de um porto de morte".

A entrevista é de Emanuele Lauria, publicada por La Repubblica, 29-08-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis a entrevista.

Doutor, como você conseguiu essas imagens?

Foram entregues a mim por migrantes de que eu tratei, em várias ocasiões, quando tentei entender de onde se originavam as feridas que eu estava vendo.

O que você viu?

Queimaduras, esfolamentos, tortura com paus, decapitações. São cenas impossíveis de olhar. E veja bem, eu ajudei 300 mil migrantes e provavelmente tenho outro triste primado: eu sou o médico que teve que fazer mais inspeções em cadáveres. Mas, na verdade, é impossível permanecer impassível diante dessas imagens. É realmente demais.

Em que ocasião você entregou os arquivos ao cardeal Montenegro?

Em várias ocasiões. O cardeal, aliás, também tinha outro material similar. Com Montenegro, pessoa de extraordinária sensibilidade, tenho um ótimo relacionamento. Ele veio a Lampedusa várias vezes e testemunhou os desembarques, nós nos encontramos em uma conferência na Sardenha há algumas semanas. Dei-lhe os vídeos que estavam nos celulares dos migrantes, juntamente com outras fotos que tirei no hospital para documentar a condição física destes desesperados: as queimaduras com combustível, em particular, são terríveis. Eu vi pessoas desfiguradas, irreconhecíveis.

Você sabia que esses testemunhos seriam enviados ao Vaticano?

Não. Honestamente, sinto muito que até mesmo o Papa tenha sido traumatizado por imagens como essas. Espero, no entanto, que, através do Papa possa haver uma maior sensibilidade ao sofrimento dessas pessoas - nigerianos, eritreus, somalis - que se tornam mercadoria de troca dos traficantes líbios.

O ministro Salvini afirma que a Líbia é um refúgio seguro.

Aquele é um porto de morte. Acredite em mim, esses migrantes fogem justamente do seu horror, dos centros de detenção da Líbia, onde os traficantes fazem de tudo como punição ou diversão especialmente contra os negros, os subsaarianos. O navio Diciotti antes de ir para Catânia, ficou quatro dias em Lampedusa, onde desembarcaram 13 crianças e doentes. Quando souberam do risco de um retorno para a Líbia, começaram a chorar, me implorando ajuda.

O que você pensou depois de ver o navio trancado em Catânia?

Foi desumano manter a bordo todos aqueles dias migrantes vindos dessas experiências dramáticas. Eu havia assinado uma petição ao chefe de Estado e a Salvini para tirá-los do Diciotti.

Muitos apóiam a linha dura Salvini. Você acha que existe um clima de intolerância no país?

Os italianos não são maus, estão mal informados. Eles são vítimas de um bombardeio contínuo da mídia daqueles que falam desses migrantes como violentos, doentes e ladrões de trabalho. Existe uma campanha de ódio baseada em mentiras. É justo lutar contra aqueles que especulam sobre o acolhimento, não contra essas pessoas que também geram renda, infelizmente informalmente, e acabam nas mãos do submundo. Vamos falar claro: quem fez desaparecer os postos de trabalhos não foram os imigrantes, mas os governos - mesmo o anterior - que pressionaram os empresários fazendo fechar muitas empresas.

Lampedusa, um ano após o fracasso à reeleição da prefeita Nicolini, continua a ser um modelo?

Olha, fora seus administradores, esta ilha representa um povo extraordinário, que sempre está de porta aberta. O nosso lema está escrito na parede do cais de Favaloro: proteger as pessoas, não as fronteiras.

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