Terras indígenas do Amazonas e Roraima são ameaçadas, diz indigenista

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29 Junho 2016

Entre denúncias e preocupação com a exploração mineral em terras indígenas, Egydio Schwade, um dos fundadores do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e da Operação Amazônia Nativa (Opan), e atualmente ativista da causa indígena, faz um raio X da atual situação de áreas afetadas. Só para ter uma ideia, desde a década de 1940 países desenvolvidos como Estados Unidos da América e Japão estão de olho nos minérios estratégicos presentes em grande quantidade e de fácil exploração nas áreas Waimiri-Atroari e Yanomami.

Documentos do DER/AM comprovam que a construção da BR-174 não tinha como primeiro objetivo ligar Manaus (AM) à Boa Vista (RR), mas para dar acesso às minas do Pitinga e saqueá-las. Já a Funai (Fundação Nacional do Índio) impede os índios de revelarem ao mundo o genocídio do seu povo e o crime da espoliação de seu território. Schwade, também, dedica-se ao Projeto Cacuí (Casa da Cultura do Urubuí) em Presidente Figueiredo, município da RRM (Região Metropolitana de Manaus), distante 107 km da capital amazonense.

A entrevista é de Tânia Maria, publicada por Jornal do Commercio, 28-06-2016.

Eis a entrevista.

Quais são as principais ações do Cimi Regional Norte I em relação à exploração mineral em terras indígenas, na sua área de abrangência (Amazonas e Roraima)?

O Cimi Regional Norte I é um órgão ligado à Igreja Católica que acompanha os acontecimentos da questão indígena no Amazonas e Roraima desde 1974. No caso da exploração mineral que interfere nas terras indígenas, impacta e prejudica a vida e o bem viver dessas populações, o Cimi denuncia com frequência a ameaça à sobrevivência desses povos e exige do Estado a observância da Carta Magna.

Por isso chamo, inicialmente, atenção à continuidade do saque dos recursos naturais, patrimônio indígena, que vem ocorrendo há 500 anos e hoje se abate de forma cruel sobre a região amazônica. E com agravantes. A cada ano se acrescentam novos instrumentos para a efetivação do saque mineral que já tem dimensões incalculáveis. Você não precisa ir muito longe para ter uma ideia evidente do saque mineral.

Venha a Presidente Figueiredo, acomode-se em frente ao prédio da Sefaz (Secretaria da Fazenda), que fica a 20 metros da BR-174, e conte quantas caçambas de minério desfilam durante 24 horas pela rodovia. Conte quantas declaram ao órgão responsável o seu conteúdo e valor. Nem uma só. (Consulte a propósito o livro do Prof. Dr. José Aldemir de Oliveira, CIDADES NA SELVA, Editora Valer/2000, pgs 175-179).

Por esta razão, com relação à mineração em geral, em solo brasileiro, sou de opinião que seja interrompida totalmente para ser replanejada em vista dos benefícios que deve trazer ao povo brasileiro e em especial ao povo da área onde é explorada. E o povo não fique apenas com as estradas esburacadas, as águas poluídas, enfim com os prejuízos, como acontece hoje aqui no município de Presidente Figueiredo e na área Waimiri Atroari, em Mariana e no Vale do Rio Doce em Minas Gerais.

Durante toda a História do Brasil, a mineração foi e é uma atividade que favorece apenas uma classe de corruptos nacionais e estrangeiros.

Em relação às terras Waimiri-Atroari, quais foram os principais eventos que envolveram a exploração mineral e causaram prejuízos à comunidade? Como por exemplo, a construção da Usina Hidrelétrica de Balbina e a Mineradora Taboca. Hoje em dia, ainda existem conflitos relacionados a esse assunto?

A exploração mineral na área Waimiri-Atroari é um caso exemplar. Desde os anos de 1940 os norte-americanos e outros países ricos como o Japão, estão de olho grande nos minérios estratégicos ali presentes em grande quantidade e de fácil exploração. Já em outubro de 1944 os Waimiri-Atroari mataram dois oficiais americanos e seus integrantes brasileiros, que estavam pesquisando na área. E a construção da BR-174, não foi feita tendo como primeiro objetivo ligar Manaus a Boa Vista, mas para dar acesso às minas do Pitinga e saqueá-las. Documentos do DER/AM das origens da rodovia o comprovam.

Sobre os prejuízos para o povo Waimiri-Atroari? O genocídio. De 3000 passaram a 332 em pouco mais de uma década. Veja o livro A DITADURA MILITAR E O GENOCÍDIO DO POVO WAIMIRI-ATROARI. (pode adquirir no Cimi Norte I). A invasão e esbulho do seu território que continua. O isolamento e cerco do povo indígena e o domínio da política indigenista pelas empresas de exploração energética e mineral, (com acordada ausência da Funai, única responsável pela política indigenista oficial) impede os índios de revelarem ao mundo o genocídio do seu povo e o crime da espoliação de seu território.

A construção do Linhão de Tucuruí também passa pelas terras Waimiri-Atroari, legalmente como está tramitando esse assunto? Em 2015 houve ampla repercussão na imprensa local e nacional envolvendo a Funai e o Incra.

O Linhão de Turcuruí tem o mesmo objetivo que a BR-174. Trata-se de um novo instrumento para tornar mais eficiente o saque mineral em toda a região Norte de Manaus e Roraima. Analise-se, por exemplo, a que servirá a Subestação do Linhão prevista no km 152 da BR-174? É óbvio que servirá quase exclusivamente às mineradoras atuantes naquela área.

Infelizmente, os órgãos públicos como Funai, Incra e Ibama, transformados hoje em meros instrumentos de “monitoramento”, perderam os seus objetivos (defesa dos indígenas, pequenos agricultores e da vida animal e vegetal) para serem uma maneira discreta e elegante de colaboração e oficialização da exploração ilícita das riquezas naturais do país, quando deveriam ser pioneiros na defesa dos interesses das riquezas naturais em prol das populações e dos viventes da região.

Atualmente, como estão as comunidades indígenas no Amazonas? Quais são as suas principais reivindicações?

Perplexas, denunciando como profetas no deserto, os crimes acobertados por políticos corruptos e pelo Estado. Há dois anos, aos 79 anos de idade, acompanhei um grupo de indígenas Yanomami, três funcionários da Funai, e pessoas de um canal de TV pelos rios Mucajaí e Couto de Magalhães em Roraima rumo a localização e destruição de dois garimpos, próximo à fronteira da Venezuela. Os indígenas, empunhando seus arcos e flechas, prenderam os garimpeiros de dois garimpos. Os levaram à aldeia, advertiram e orientaram para que não voltassem ao crime. E em contato com a Polícia os levaram até a fazenda mais próxima, onde seriam recebidos pela mesma. Entretanto, a Polícia nem sequer compareceu ao local combinado.

Assim fui testemunha da atitude dos funcionários do Estado frente à grave questão mineral na terra Yanomami. Não há vontade política alguma em combater a espoliação mineral ilegal em nosso país. Se índios de arco flecha conseguem desativar um garimpo, mas o Estado com Exército, Polícia, aviões de guerra e batalhões de selva treinados, não conseguem. A corrupção e a falta de vontade política saltam aos olhos!

Esta falta de vontade política do Estado frente a este que é hoje o mais grave problema da Amazônia, o saque mineral, é claro indício da inutilidade de todo o aparelhamento do Estado na defesa da vida amazônica. Se há um crime de lesa pátria ocorrendo nesta parte do país, prejudicando o povo radicado nestas terras, este é a exploração mineral. As comunidades indígenas da Amazônia pedem hoje do governo, justiça e sossego e não (des)envolvimento à custa do seu futuro.

Como o senhor avalia o Programa Waimiri-Atroari e política da Funai?

Em 1985, com os auspícios de uma nova era para o país, a Funai organizou um Grupo de Estudos e TrabalhoGET visando uma nova política indigenista para o povo Waimiri Atroari. O GET além de lideranças Waimiri-Atroari e pessoas da Funai integrou pessoas ligadas a órgãos de Pesquisa, Museu Goeldi, Universidade de Brasília, Unicamp e órgãos indigenistas independentes de conhecida atuação na área como o Cimi e a Opan. Após um levantamento exaustivo, o grupo definiu e iniciou um trabalho sério e conjunto, como alfabetização na língua do povo Waimiri-Atroari e pesquisa linguística e antropológica. Tudo estava caminhando para novos rumos quando abruptamente os rumos da política indigenista voltaram à velha rotina.

O presidente da Funai foi mudado e o novo –Romero Jucá–homem até hoje conhecido como envolvido com as mineradoras, tratou devolver os rumos na velha política repressiva da Ditadura, principalmente contra qualquer indigenismo novo e alternativo. Toda a equipe posta, colaboradora e efetivadora dos novos rumos do indigenismo junto aos Waimiri-Atroari, foi afastada, de forma abrupta e caluniosa. (Veja O ESTADO DE SÃO PAULO/agosto de 1987).

Como consequência, no início de 1987, a Funai abdicou, contra a lei, da sua responsabilidade sobre Política Indigenista na área Waimiri-Atroari e mediante um acordo a transferiu ao Programa Waimiri-Atroari-PWA, subordinado à Eletronorte, hoje Eletrobras. A condução do PWA foi entregue ao ex-responsável pela Coama (Coordenação da Amazônia) na área Waimiri Atroari, organismo da Ditadura Militar, que ora respondia como órgão da Funai, ora como se fosse do PIN (Plano de Integração Nacional).

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