Viagem do Papa aos olhos de pessoas LGBT

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25 Fevereiro 2016

Antes da visita do Papa Francisco aos confins entre o México e os Estados Unidos, a revista Borderzine publicou um artigo com entrevistas de católicos homossexuais, que vivem perto da fronteira, em seu entusiasmo por ver o papa em sua região.

A reportagem é de Bob Shine, publicada por Progetto Gionata, 23-02-2016. A tradução é de Ramiro Mincato.

Benjamin Alire Saenz, ex-padre, gay e católico, disse a respeito do papa: "Gosto que ele esteja vindo para cá... [Ele] representa o catolicismo, mas em toda sua diversidade... Não condena as pessoas simplesmente porque homossexuais, e isto certamente me faz sentir que, ao menos ele, pensa em nós. Ele não quer afastar as pessoas homossexuais e acho que tem muito a nos dizer".

Gilbert Lopez, estudante católico da Universidade do Texas, em El Paso, disse que as palavras compassivas do Papa Francisco, especialmente seu famoso "quem sou eu para julgar?" o ajudaram a sair do armário. Ele relatou ao Borderzine:

"Quando eu não aceitava minha sexualidade, quando encontrava outros homossexuais, sentia-me mal. Muitos homossexuais afastaram-se (da igreja), e é muito triste ver como se revoltam contra Deus e a religião por causa da violência que sofrem das pessoas cristãs".

Lopez tem esperança de que a atitude de Francisco, resumidos naquele "quem sou eu para julgar?" leve a Igreja Católica a uma maior aceitação das pessoas LGBT. Reiterou seu entusiasmo pela visita do Papa aos confins (do México), pois é o que teria esperado como "latino-americano, católico e gay". Esta experiência "reuniu estas diferentes partes de mim".

Apesar da recente e repetida condenação do Papa Francisco ao casamento homossexual, durante seu encontro com o Patriarca russo Kirill, e também no discurso à Rota Romana, em janeiro, por que alguns homossexuais católicos e pessoas transexuais permanecem entusiasmadas ou esperançosas diante deste Papa?

Acredito que a resposta, embora parcial, é evidente nestes exemplos que podemos tirar da visita apostólica ao México.

1. Papa Francisco exige bispos melhores

Ele compreende, num mundo onde muitos são céticos em relação a instituições religiosas, serve somente uma guia pastoral autêntica que coloque em primeiro lugar a misericórdia. Dirigindo-se aos Bispos do México o Papa afirmou que o momento atual "requer atenção pastoral às pessoas e grupos que buscam o Cristo vivo". E acrescentou "somente uma Igreja capaz de dar abrigo a mulheres e homens que batem à sua porta, será capaz de falar com eles sobre Deus. Se não soubermos decifrar seu sofrimento, se não soubermos entender suas necessidades, então não poderemos oferecer nada a eles".

Na comunidade LGBT e entre seus familiares e seus amigos, muitos procuram a Deus, mas são ainda obstaculizados por numerosos pastores e pela hierarquia da Igreja. Se durante décadas não foram capazes de ouvir ou não foram capazes de um espírito de encontro, muitos membros da hierarquia, infelizmente, são incapazes de expressar compaixão pelo sofrimento das pessoas LGBT e nem querem saber das suas necessidades. Esse problema incapacita a igreja de receber os dons das pessoas LGBT em sua inteireza. A nomeação, pelo Papa Francisco, de novos bispos está ajudando a renovar a orientação da Igreja, e nesta linha encontram-se também as exortações (do papa) aos seus irmãos bispos.

2. Papa Francisco vê a família num contexto mais amplo

Claramente (Papa Francisco) desaprova o casamento gay, e ele o diz, mas o papa Francisco diverge de outros líderes da igreja, recusando-se a focalizar-se unicamente nesta oposição ao discutir a família.

Falando às famílias no estádio de Tuxtla-Gutierrez, disse que a família "em diversos frontes... está enfraquecida e colocada em dúvida" e mais uma vez referiu-se à colonização ideológica em termos ambíguos.

Mas o Papa Francisco não vê o casamento gay como uma ameaça, colocando em vez em evidência tendências contemporâneas como o medo do amor, isolamento social e obsessão pela riqueza, como os três de principais danos para a vida da família. Antes de seu discurso, falaram à multidão um casal católico de divorciados recasados no civil, e uma mãe solteira. Suas reflexões foram ouvidas atentamente pelo Papa.

Eu e o Papa Francisco podemos não concordar sobre o que é exatamente uma família ou, o que ameaça o casamento, mas concordamos sobre a importância da família e sobre o mandato pastoral de prover o cuidado pastoral para todas elas. Acredito que este já seja um terreno comum, sobre o qual poderão surgir realmente novos discursos sobre a vida familiar, já vislumbrados durante o Sínodo sobre a família.

3. Papa Francisco se opõe à violência da exclusão

Ele reconhece o que o teólogo protestante Miroslav Volf chama de "violência da exclusão". Falando aos trabalhadores, rejeitou a economia moderna, excludente das pessoas e promotora da "cultura do descartável."

Ele disse:

"Nós todos temos que lutar para que o trabalho seja um momento de humanização, voltado para o futuro; que seja um espaço para construir a sociedade e a participação de todos... [Para] transformar a sociedade em vista de uma cultura capaz de promover um lugar digno para todos".

Mais de sessenta pastores foram "afastados" do ministério na Igreja, por causa da sua proximidade com a realidade das pessoas homossexuais. Estas injustiças privaram-nos do ministério que os plenificavam como pessoas e privou a Igreja da sua valiosa contribuição.

Papa Francisco pode não compreender totalmente os modos como a igreja fere as pessoas, mas não faz mal ver sua preocupação com a exclusão presente na Igreja, também à luz do que ele acabou de dizer. Na verdade, os milhares de católicos que se opõem as injustiças que sofrem os seus pastores testemunham isso.

4. Papa Francisco recusa-se a colocar limites no amor de Deus

Os católicos homossexuais e seus familiares experimentam demasiado frequentemente que, seus irmãos, católicos como eles, falam do amor de Deus de forma demasiado restritiva. Recusar os sacramentos ou negar-se a reconhecer a existência do amor divino num relacionamento, ou na santidade presente na identidade de cada um, são todos parâmetros falsamente impostos ao amor de Deus.

O Papa rejeita energicamente este modo de ser. Falando aos presos, disse novamente que o amor de Deus é vasto, sempre presente e existe para cada pessoa:

"junto com vocês e com vocês hoje, quero renovar mais uma vez a confiança que Jesus nos exorta a ter: a misericórdia que abraça todos e se encontra em todos os cantos do mundo. Não há lugar para além do abraço misericordioso [de Deus], não há espaço ou pessoa que ele não possa tocar".

Nas muitas viagens apostólicas, desde 2013, o Papa Francisco normalmente deu prioridade aos lugares e comunidades à margem, como a cidade de Ciudad Juarez, na fronteira entre Estados Unidos e México. Por sua própria determinação, o papa procura levar o amor de Deus e a atenção do mundo exatamente para essas realidades.

Talvez ainda não tenha prestado atenção suficiente para aqueles que vivem à margem da Igreja, como as pessoas homossexuais e os transexuais, mas está levando a Igreja a ser "uma Igreja pobre para os pobres", está criando as condições para os católicos irem às periferias da nossa Igreja, para lá poderem descobrir a experiência central daqueles que vivem às suas margens. É por isso que eu compartilho as esperanças de Lopez e Saenz, descritas no início deste artigo.

Para quem se ocupa em construir uma Igreja católica justa e inclusiva, há muitas razões de esperança no Papa Francisco. Subsistem, porém, problemas graves, feridas nunca curadas e novos sofrimentos impostos. Mas, cada vez que o papa viaja eu o sigo, assisto os vídeos e leio seus textos, e isso me deixa aliviado. Não é o tipo de papa que, de repente, quer celebrar um casamento gay no altar do São Pedro. Não ordenará mulheres padres. Mas é o papa que diz, "ide ao mundo, operai vosso ministério na realidade da vida!" E uma vez que isso aconteça, a Igreja, guiada pelo Espírito, não poderá deixar de mudar, pois encontrará a beleza do povo de Deus em todas as suas diferenças.

A renovação da Igreja sempre é reconhecida depois de feita. Por exemplo, a recente aprovação de lavar os pés das mulheres, na Quinta-feira Santa, mostrou uma mudança que era já uma realidade eficaz para muitos católicos. Também agora a igreja está mudando, mesmo se não podemos ver, apesar de muitos bispos se recusarem a ver tal transformação. Agora, mais do que nunca, é o momento de nós católicos entrarmos neste espaço de liberdade criado pelo Papa Francisco, para desenvolvermos nosso trabalho em vista de justiça na Igreja.

Um grupo de mulheres imigrantes, que caminhou cem milhas para ver o Papa, cantava ao longo do caminho: "Francisco, escucha! Estamos en la lucha!"

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