30 Dezembro 2025
Um relatório mostra que os advogados militares emitem ordens de deportação em 78% dos casos que julgam, em comparação com 63% para os juízes de imigração.
A reportagem é publicada por El País, 19-12-2025.
A reforma dos tribunais de imigração tem sido uma das medidas adotadas pelo governo Trump para acelerar as deportações, que não estão ocorrendo no ritmo desejado pelo presidente. Além de instruir os juízes a encerrarem os casos de asilo sem julgamento, ele buscou substituir juízes que considerava muito favoráveis aos imigrantes por advogados militares. O republicano demitiu aproximadamente 140 juízes de imigração nos últimos meses e, em seus lugares, contratou 36 advogados militares para exercerem suas funções. A iniciativa já apresentou resultados. Os juízes militares estão deportando imigrantes mais rapidamente do que os juízes de imigração tradicionais.
Isso é demonstrado por um relatório conduzido pela Mobile Pathways, uma organização sem fins lucrativos da Califórnia, que analisa os casos resolvidos em novembro, o primeiro mês em que os juízes militares estavam em atividade. Durante esse período, os juízes de imigração emitiram ordens de deportação em 63% dos casos que analisaram; enquanto isso, os juízes militares ordenaram a expulsão de 78% dos migrantes cujos casos eles julgaram. Os juízes militares examinaram 286 casos e emitiram decisões em 110, dos quais 86 migrantes foram expulsos e 14 se autodeportaram; 176 casos ainda estão pendentes.
“Os militares são muito bons em seguir as regras. E parece que a ordem que receberam é para tirá-los daqui”, diz Bartolomiej Skorupa, cofundador da Mobile Pathways. “Eles são mais rigorosos e aplicam as regras com mais rigor”, explica. Em 9 de cada 10 casos, os migrantes cujos casos foram tratados por juízes militares acabaram sendo deportados ou se autodeportando.
Em 24 de outubro, o Departamento de Justiça anunciou a contratação de 11 juízes de imigração permanentes e 25 temporários. A maioria não possui experiência em imigração, e aqueles que a têm a adquiriram como promotores ou por meio de trabalho na Patrulha da Fronteira ou no Serviço de Imigração e Alfândega (ICE), as agências responsáveis por prisões e deportações. Entre os juízes temporários, há advogados militares do Corpo de Fuzileiros Navais, da Marinha, do Exército e da Força Aérea.
Um deles já foi afastado do cargo. Trata-se de Christopher Day, tenente-coronel do Corpo de Advogados Militares da Reserva do Exército dos EUA. Day encerrou 11 casos e emitiu apenas uma ordem de deportação. "Do ponto de vista dos migrantes, ele agiu como um herói", observa Skorupa. Especialistas interpretam suas decisões favoráveis aos migrantes como o motivo de sua demissão.
A substituição de juízes de imigração por advogados militares sem experiência nessa área gerou considerável controvérsia entre organizações de defesa dos migrantes. "Essa medida sem precedentes levantou preocupações sobre imparcialidade e devido processo legal, dadas as grandes diferenças entre a legislação militar dos EUA e a legislação de imigração", afirma um relatório do Migration Policy Institute.
As novas nomeações substituíram alguns dos juízes que Trump havia demitido sem justificativa, todos com experiência anterior em casos de imigração. Dezenas de juízes de imigração foram demitidos com um simples e-mail, sem explicações, às vezes até mesmo no meio de uma audiência, que tiveram que suspender para deixar o tribunal imediatamente. As demissões agravaram ainda mais um sistema já sobrecarregado, com mais de três milhões de casos pendentes e apenas 800 juízes para analisá-los.
A substituição de juízes de imigração por militares começou no início do verão passado, quando o Pentágono autorizou cerca de 600 advogados militares a trabalharem para o Departamento de Justiça e modificou os requisitos para se tornarem juízes de imigração temporários, eliminando a necessidade de experiência prévia em direito de imigração. A análise da Mobile Pathways é o primeiro indício de alguns dos efeitos desse recrutamento.
Senadores e representantes democratas expressaram preocupação com o fato de que o uso das forças armadas para essa tarefa possa violar a Lei Posse Comitatus, que proíbe as forças armadas de exercerem funções de aplicação da lei na esfera civil.
“Juízes de deportação” são necessários
A escassez de juízes de imigração levou o Departamento de Justiça a anunciar uma vaga de emprego, que está disponível em seu site desde o mês passado. O título do cargo, no entanto, não deixa dúvidas sobre as intenções. Eles não estão buscando juízes de imigração, mas sim “juízes de deportação” para 70 localidades em todo o país.
Os funcionários federais contratados pela primeira vez para a cidade de Nova York e diversas cidades da Califórnia e de Massachusetts receberão um bônus de 25%. O salário oferecido varia de US$ 159.951 a US$ 207.500. O anúncio da vaga afirma que o candidato selecionado será responsável por “tomar decisões com consequências para as próximas gerações; garantir que apenas estrangeiros com solicitações legalmente justificadas tenham permissão para permanecer no país”.
A substituição de juízes é apenas uma das mudanças que o governo Trump introduziu nos tribunais para intensificar sua cruzada anti-imigração. Nos tribunais, os juízes foram instruídos a lidar com o acúmulo de pedidos de asilo negando alguns sem audiência, o que levou a processos judiciais alegando falta de devido processo legal nas deportações. Em abril de 2025, o Escritório Executivo de Revisão de Imigração emitiu um memorando instruindo os juízes de imigração a "indeferir", ou negar, pedidos de asilo considerados "juridicamente insuficientes" sem audiência, embora sem especificar o que se entendia por insuficiente.
Além disso, o governo cancelou a representação legal para menores e transferiu detidos para locais remotos, incluindo prisões fora da jurisdição dos EUA, moldando o sistema de justiça imigratória a seu bel-prazer.
Desvio do orçamento da Defesa
O plano do governo de contratar advogados militares como juízes faz parte de um relatório apresentado por 10 senadores democratas e três representantes, que denuncia o desvio de pelo menos US$ 2 bilhões do orçamento militar para a fiscalização da imigração. O relatório critica a priorização de iniciativas linha-dura na fronteira e manobras políticas em detrimento da capacidade das Forças Armadas de proteger a nação e responder a emergências.
“É uma afronta às nossas Forças Armadas que Pete Hegseth (Secretário de Defesa) e Kristi Noem (Secretária de Segurança Interna) estejam usando o orçamento da defesa como um fundo discricionário para manobras políticas. Cortar recursos militares para promover uma agenda política perdulária não fortalece nossas Forças Armadas nem aumenta a segurança dos americanos”, disse a senadora democrata Elizabeth Warren, de Massachusetts, uma das parlamentares que assinaram o relatório.
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