Vaticano adiou novamente o tema das diáconas. Eles levaram a sério o discernimento das mulheres? Artigo de Mary McAuliffe

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18 Dezembro 2025

O relatório da comissão do Papa Francisco deixou muitos católicos decepcionados. Para aqueles que esperavam que a Igreja pudesse avançar no reconhecimento da dignidade batismal das mulheres, o resultado parece ser apenas mais um “empurrar com a barriga”.

Artigo de Mary McAuliffe, publicada por America, 16-12-2025. 

Eis o artigo. 

O relatório recém-divulgado da segunda comissão do Papa Francisco, encarregada de estudar as mulheres e o diaconato – apelidado de "Relatório Petrocchi", em referência ao cardeal que liderou a comissão –, deixou muitos católicos decepcionados, mas não surpresos. Para aqueles que esperavam que a Igreja pudesse avançar no reconhecimento da dignidade batismal das mulheres, o resultado parece ser apenas mais um “empurrar com a barriga”.

Mesmo assim, não é a última palavra. O relatório reconhece claramente a necessidade de mais estudos. Isto é, independentemente de como este novo relatório seja recebido, o documento final do Sínodo sobre a Sinodalidade — incluindo a afirmação do Parágrafo 60 de que “esse discernimento precisa continuar” — permanece parte do magistério da Igreja. O grupo leigo Discerning Deacons, que trabalha ativamente com católicos no discernimento sobre mulheres e o diaconato, lembrou aos fiéis, após o Relatório Petrocchi, que “este momento não deve ser lido como uma conclusão. Pelo contrário, é um chamado renovado para escutar mais profundamente e levar a sério os testemunhos de mulheres cujas vocações há muito tempo são reconhecidas em âmbito local”.

O Discerning Deacons realizou dois encontros virtuais de oração no dia seguinte à divulgação do relatório, oferecendo um espaço para partilhar tanto o lamento quanto a esperança. Ironicamente, no encontro do qual participei, várias mulheres chegaram atrasadas ou saíram mais cedo porque estavam ocupadas com tarefas pastorais semelhantes ao trabalho dos diáconos. Os encontros iluminaram algumas razões para a esperança: o Parágrafo 60 possui autoridade muito maior do que o relatório ou a comissão mais recentes do Vaticano; o Relatório Petrocchi foi publicado apenas em italiano; e a própria comissão ficou dividida sobre a ideia de que a masculinidade de Cristo seria uma razão para impedir mulheres de receberem o diaconato.

Ainda assim, Phyllis Zagano, integrante da primeira comissão de estudo do Vaticano sobre o tema, resumiu com eficácia a mensagem que muitas mulheres inevitavelmente tirarão deste relatório: “A Igreja Católica oficialmente vê as mulheres como ‘o outro’.”

O discernimento sobre diaconisas continua, mas o Relatório Petrocchi revela uma cultura eclesial profundamente enraizada que trata o discernimento das mulheres com suspeita — senão com desprezo. Uma tradução para o inglês do relatório, gerada pelo Google, afirma que as mulheres “falaram de um forte ‘sentimento’ de terem sido chamadas, como se fosse a prova necessária para garantir à Igreja a validade de sua vocação e exigir que essa convicção fosse aceita”. Para que serviriam as aspas em torno da palavra sensazione (presentes no original italiano) senão para diminuir as experiências das mulheres que constituem o início do discernimento vocacional?

A formulação sugere que o discernimento das mulheres é inerentemente pouco confiável por ser excessivamente emocional. No entanto, todo chamado — seja ao sacerdócio, à vida religiosa, ao matrimônio ou ao diaconato — começa com os movimentos interiores do Espírito Santo, que os seres humanos muitas vezes experimentam primeiro como sentimentos.

O duplo padrão é gritante. Quando homens descrevem uma inclinação interior para o ministério ordenado, a Igreja os recebe com reverência e cuidado pastoral. Seus sentimentos tornam-se o ponto de partida da formação, em vez de serem descartados como uma espécie de hiperemocionalismo. O Relatório Petrocchi levanta a possibilidade de que a Igreja considere suspeito e insuficiente o discernimento das mulheres que nomeiam esse mesmo movimento interior.

Durante o Sínodo sobre a Sinodalidade, ressoaram com força pedidos por maior atenção às vozes femininas e por sua maior visibilidade na liderança. Seu documento final cita especificamente a necessidade de “aumentar a participação de homens e mulheres leigos nos processos de discernimento e em todas as fases dos processos decisórios” (n. 77). Mas o Relatório Petrocchi pode ameaçar esse compromisso sinodal com a escuta. Se a Igreja continuar a receber o discernimento das mulheres com condescendência, e não com curiosidade, corre o risco de silenciar as próprias vozes que afirma querer ouvir.

O Papa Leão XIV disse recentemente a Elise Ann Allen, do Crux, que “precisamos mudar atitudes antes mesmo de pensar em mudar o que a Igreja diz sobre qualquer questão”. Nos meses que antecederam este relatório, houve sinais de que as atitudes do Vaticano em relação às mulheres poderiam estar mudando. O Papa Francisco nomeou mulheres para funções que nunca haviam ocupado, e o Papa Leão XIV escolheu a irmã Tiziana Merletti para secretária do Dicastério para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, sua primeira nomeação para a Cúria.

Num gesto menos formal, quando o conclave que elegeu o Papa Leão XIV estava prestes a começar, estudantes de uma escola católica em sua cidade natal, Chicago — meninas e meninos — se vestiram como cardeais e realizaram seu próprio conclave. Em outubro, essas mesmas meninas e meninos encontraram o novo papa na Praça São Pedro, novamente vestindo suas túnicas vermelhas.

Uma Igreja que sorri para meninas do ensino fundamental imaginando-se protagonistas de um discernimento que afeta todos os fiéis, mas que trata mulheres adultas que falam honestamente sobre o movimento do Espírito Santo em suas vidas com suspeita, precisa responder à pergunta: exatamente em que idade nos tornamos mulheres cujos incômodos “sentimentos” representam uma ameaça ao status quo?

Em um ensaio anterior, publicado na America, perguntei: “O que a minha Igreja acredita sobre mim? Ela realmente acredita que eu sou feita à imagem de Deus?” Essas perguntas parecem ainda mais urgentes agora.

Se acreditamos que o Espírito Santo realmente guia o povo de Deus, temos a obrigação de cultivar atitudes e estruturas que promovam o reconhecimento e a recepção da voz do Espírito — especialmente quando essa voz é ouvida na vida das mulheres. Se quisermos nos tornar a Igreja da escuta que o Sínodo sobre a Sinodalidade imagina, devemos confiar que o Espírito Santo fala por meio das mulheres com a mesma clareza e autoridade do que quando o Espírito fala por meio dos homens. Honrar essa realidade não é se curvar à modernidade, mas um ato de total fidelidade ao Deus que chama cada um de nós pelo nome.

Os católicos para quem esse discernimento importa observarão atentamente para ver se o Papa Leão XIV agirá para garantir que ele continue a se desenrolar em uma Igreja que ele descreveu, em sua homilia de outubro no Jubileu das Equipes Sinodais, como “uma que não se fecha em si mesma, mas permanece atenta a Deus para que possa, da mesma forma, escutar a todos.”

Eu encontro esperança no fato de que o Relatório Petrocchi tenha sido divulgado em meio ao Advento e ao Natal, época em que a Igreja celebra aquilo que Maria reconheceu como o papel de Deus para ela. Continuarei rezando e trabalhando pelo dia em que tratar a história vocacional de uma mulher como algo sagrado será a regra, e não a exceção.

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