18 Dezembro 2025
"Ex-morador de rua 'salvo' pelo religioso, Toninho Kalunga escreveu carta aberta afirmando que ele não está sendo perseguido pelo cardeal. Diz ainda que agentes internos da própria paróquia de Lancellotti, agora sob auditoria financeira, ameaçariam destruir a sua reputação."
A carta é de Toninho Kalunga, reproduzida na página do Facebook de Elenizia Bernardes.
Kalunga é militante dos Direitos Humanos no estado de São Paulo, bacharel em Direito, membro da Fraternidade Leiga Charles de Foucauld e participa da Paróquia São Miguel Arcanjo e do Núcleo Nacional da Teologia da Libertação Política E Religião.
A carta também foi publicada por UOL, 17-12-2025.
Eis a carta.
“Agora vemos como em espelho, de maneira confusa; mas chegará o dia em que veremos face a face.” (cf. 1Coríntios 13,12)
Meus irmãos e minhas irmãs de caminhada e fé e companheiros e companheiras de lutas e utopias. Diante dos fatos que estamos assistindo com relação a essa situação relacionada a Padre Júlio Lancellotti, me sinto no dever de apresentar meu ponto de vista e, a partir dele, dialogar com nossa gente!
Esta carta é direcionada, particularmente, aos militantes e agentes de pastoral que, pela distância, enxergam este momento como sendo uma perseguição política contra Padre Júlio em razão de sua atuação pastoral, por parte da Igreja. Não é!
O recente pedido de Dom Odilo Scherer para que Padre Júlio Lancellotti reduzisse sua exposição nas redes sociais não deve ser lido como debate político, censura ou recuo.
A chave correta de leitura é o cuidado com uma pessoa, que do alto de seus 77 anos precisa de proteção diante de riscos reais, de agentes internos que se aproveitam da imagem de Padre Júlio e externos que estão usando estas pessoas para atacar as obras sociais e atividades pastorais da Igreja e, por consequência, atacando padre Júlio!
Padre Júlio, em razão de sua coerência com a luta dos empobrecidos e com a pregação do evangelho, sempre foi, em razão de suas atividades pastorais, perseguido, caluniado e difamado. Todos nós somos sabedores e testemunhas disso!
Mais recentemente e pelas mesmas razões, tornou-se alvo de uma campanha de ódio organizada - esta sim politicamente - que visa criminalizar a ação da Igreja pela evangélica opção preferencial pelos pobres.
As redes sociais são, hoje, um território de linchamento simbólico, onde ameaças e incitações à violência se multiplicam e que não se sabe onde podem parar. A extrema-direita não tem limites, decoro e pudor em sua sanha para, uma vez identificada uma pessoa que consideram inimiga, a tratar como alvo a ser abatido.
Essa situação gera debates, divisões e confusão ao invés de gerar unidade e solidariedade. Estes ataques tem como finalidade um projeto de engajamento político e manutenção de poder de uma ideologia de extremistas católicos e políticos da extrema-direita, portanto, passam longe de ser uma atividade que queira buscar qualquer verdade ou que pretenda promover o bem e acolher as necessidades dos pobres.
Dom Odilo age como o pastor que conhece o uivar dos lobos que rondam o rebanho, inclusive alguns que estão dentro da própria comunidade e que são, neste último período, a base de conflito que sustenta essa situação!
Em meu ponto de vista, seu gesto é um ato de discernimento pastoral para preservar a vida e a integridade de um presbítero que é um símbolo vivo de uma Igreja samaritana, e que em razão de sua atividade, é alvo fácil de aproveitadores. E meu ponto de vista é de alguém que sabe o porquê está dizendo isso. Por esta razão, é crucial entender:
Dom Odilo *não* pediu a interrupção da missão de Padre Júlio, *não* questionou sua fidelidade ao Evangelho e *nem* o desautorizou pastoralmente.
Ao contrário, buscou protegê-lo de uma escalada de violência que só interessa a quem lucra com o ódio, pessoas que fazem a vida vendendo posts em redes sociais e jornais da extrema-direita, inclusive se fazendo próximo e agindo sorrateiramente contra a comunidade.
Assim, na proposta de Dom Odilo, o que se altera não é o conteúdo de sua missão – Padre Júlio continua celebrando missas na paróquia, continua com suas atividades nas ruas, junto aos pobres – o que muda é a forma de exposição desta ação em redes sociais, que, sabidamente é um ambiente comprovadamente hostil e que leva a uma guerra que serve apenas a quem a promove e ganha com ela.
Há momentos em que o cuidado silencioso é mais evangélico do que o confronto permanente. A Igreja não precisa de heróis sacrificados no altar do ódio, mas de pastores vivos, cuidados e protegidos, para continuar servindo.
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