Pe. Júlio Lancelllotti: um justo entre as nações, perseguido. Artigo de Leonardo Boff e Fernando Altemeyer Jr

Foto: Jose Cruz/Agência Brasil

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18 Dezembro 2025

"Nestas horas nos sentimos irmãos na tribulação, como tantos de nós que sofremos as consequências de nossas vidas em favor dos cristos sofredores de rua. Sua vida foi ajudá-los a carregar a cruz, a fazê-la o mais leve possível, levantá-la e até ressuscitá-la."

O artigo é de Leonardo Boff e Fernando Altemeyer Jr, teólogos e escritores.

Leonardo Boff é teólogo, filósofo e escritor. Escreveu A busca da justa medida (Vozes, 2023), Paixão de Cristo-paixão do mundo (Vozes, 1977), premiado como o livro religioso do ano nos EUA.

Fernando Altemeyer Junior é graduado em Filosofia, pela Faculdades Associadas do Ipiranga (1979), e em Teologia, pela Faculdade de Teologia N. Sra. da Assunção (1983). Tem mestrado em Teologia e Ciências da Religião pela Universidade Católica de Louvain-La-Neuve na Bélgica (1993) e doutorado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) (2006). É assistente doutor da PUC-SP e pertence ao Departamento de Ciência da Religião (Faculdade de Ciências Sociais). Exerceu o cargo de ouvidor público da PUC-SP entre 2005 e 2009.

Eis o artigo. 

Nos últimos dias, fomos surpreendidos por um fato que nos deixou estarrecidos: o Pe. Júlio Lancellotti, o cura d’Ars dos pobres e de gente de rua, que já há 40 anos cuida com ternura e amorosidade de centenas da população de rua, dando-lhes o pão, o abrigo, a biblioteca, a escola e tantas obras de genuína misericórdia bíblica, foi-lhe imposta, de repente, a proibição de transmitir pela mídia sua missa dominical. Frequentavam a missa, bem no sentido tradicional, portanto, livre de qualquer censura canônica, pessoas de sua paróquia de São Miguel Arcângelo, gente de toda a cidade de São Paulo, gente vinda de todos os estados da federação, missa seguida até no estrangeiro, na América Latina e na Europa. Não só. Foi-lhe vedado o acesso à mídia virtual na qual era frequente com sua presença profética e profunda sabedoria.

Irradiava bondade e esperança. Sempre terminava com estas palavras-geradoras: “Força! Coragem! Ninguém desanime!”

Foi perseguido e caluniado por políticos que abominam a população de rua. Ele tudo suportou com o espírito das bem-aventuranças evangélicas. A ordem destas suspensões veio do Cardeal Dom Odilo Scherer, possivelmente por forças mais altas e poderosas da própria Igreja hierárquica ou de opulentos da cidade de São Paulo. Não é o caso de entrar nos méritos desta verdadeira punição que, na verdade, ofende os direitos humanos fundamentais.

O bom odor de sua prática para com os mais vulnerados e feitos invisíveis chegou até aos ouvidos do Papa Francisco, que o chamou ao telefone para abençoá-lo e dar-lhe irrestrito apoio. Há alguém acima do Papa da ternura para com os humildes e desamparados?

O que queremos é afiançar-lhe a nossa solidariedade. Por isso expressamos publicamente nosso apoio, sem esconder certo desapontamento.

Eis o texto:

Querido irmão Pe. Júlio, companheiro na tribulação: Ainda ressoam aos nossos ouvidos o que você proclamava a cada um de nós e ao mundo: “Força! Coragem! Ninguém desanime!” Estas suas palavras nós as repetimos para você: querido Pe. Júlio, Força! Coragem! Não desanime!

Nestas horas nos sentimos irmãos na tribulação, como tantos de nós que sofremos as consequências de nossas vidas em favor dos cristos sofredores de rua. Sua vida foi ajudá-los a carregar a cruz, a fazê-la o mais leve possível, levantá-la e até ressuscitá-la.

Nesse momento me vêm à mente as palavras do Livro dos Provérbios: “o irmão que ajuda o irmão é como um castelo bem fortificado” (frater qui adjuvatur a fratre, quasi civitas firmissima). Queremos ser esse castelo e o irmão que está a seu lado. Acolha irmãos e irmãs que possam falar com você, dar-lhe força e coragem. O pior do sofrimento não é o sofrimento, mas a solidão no sofrimento. Por isso cerque-se de irmãos e irmãs que possam acompanhá-lo e mostrar-se verdadeiros companheiros e companheiras.

Todos e todas que seguiram suas missas dominicais, do Brasil inteiro e até do exterior, rezaram com você e ouviram suas sábias e proféticas palavras, estão unidos a você. Não sabemos quais são os desígnios de Deus. Apenas sabemos que são semelhantes àquele do Jesus histórico, que teve que sofrer e “que passou pelas mesmas provações que nós” (Hebr 4,14), mas que ressuscitou na plenitude da vida. Você está passando pela sexta-feira santa de Jesus. Mas Deus vai mostrar em você a sua força de ressurreição.

Em momentos de conflito, busque uma sincera autocrítica dos equívocos que porventura tenha cometido. É sempre aconselhável escutar os amigos mais queridos ao invés de voltar-se sobre si mesmo. Desta forma você mesmo cresce e se torna melhor do que já é. Seus mestres Dom Paulo Evaristo Arns e Dom Luciano Mendes de Almeida vão iluminá-lo e fortalecê-lo.

A causa dos pequeninos, que Jesus chamou de seus irmãos menores e que você tão firmemente assumiu, é do domínio do Reino de Deus e, por isso, maior que qualquer pessoa. Siga com coragem e serenidade. “A vida quer da gente coragem”, dizia um famoso escritor. E Deus lhe deu esta coragem. Confiamos muito nas decisões que tomar, sempre inspirado no seguimento de Jesus de Nazaré.

Então, querido Pe. Júlio: “Ânimo! Coragem! Força! Não desanime diante desta tribulação. Estamos contigo e o Espírito Criador vai mostrar-lhe a sua luz. A você atribuímos a mais alta distinção que a tradição bíblico-judaica confere a poucas pessoas: você é um justo entre as nações.”

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