Pampa pode ser exemplo de pecuária sustentável, mas caminha a passos lentos na conservação

Foto: Diego Pereira | Dbio Sema Rio Grande do Sul

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18 Dezembro 2025

Manejo sustentável do gado vem perdendo espaço para monoculturas de soja, pinus e eucalipto

A informação é de Bettina Gehm, publicada por Sul21, 17-12-2025. 

O Pampa pode ser um laboratório para a conservação da natureza aliada à produção de carne, leite e derivados de qualidade. No entanto, caminha a passos lentos para se tornar exemplo de pecuária sustentável: faltam políticas públicas para organizar o uso do solo e para reconhecer os povos tradicionais que ajudam a preservar o bioma característico do Rio Grande do Sul.

Essa realidade é retratada no documentário Pampa: a força do bioma invisível, que estreia nesta quarta-feira (17), data em que se comemora o Dia do Bioma Pampa. O filme, produzido pelo Observatório do Código Florestal (OCF), é resultado de dias percorrendo o território e ouvindo histórias da população local. “A invisibilidade é muito presente”, pondera o especialista em direito ambiental Marcelo Elvira, secretário executivo do OCF. “Seja dos povos tradicionais do bioma – quilombolas e pecuaristas familiares, por exemplo – mas também de sua riqueza ecológica. Um metro quadrado de Pampa pode ter até 60 espécies diferentes de gramíneas”, exemplifica.

O professor da Faculdade de Agronomia da UFRGS Carlos Nabinger, mestre em Fitotecnia e doutor em Zootecnia, explica que a presença do gado em campos nativos manejados de forma sustentável contribui para manter abertas as formações campestres. Essa utilização sustentável é feita através do controle de carga animal no campo – um cálculo de quantas cabeças de gado podem habitar o terreno sem prejudicar o desenvolvimento das espécies de flora presentes.

Essa técnica permite que “sobre” uma parcela do pasto, o suficiente para captar o máximo possível de energia solar e fixar o gás carbônico, que com a fotossíntese é transformado em matéria vegetal e parte devolvida como oxigênio. Isso compensa a emissão de gases do efeito estufa pelo gado, gerando equilíbrio, e em muitos casos fixando mais carbono do que é emitido.

O ajuste da carga animal também permite que o gado se alimente melhor, com mais disponibilidade de pasto. E, quando o boi é alimentado com a biodiversidade oferecida pelo campo, sua carne e seu leite ganham em qualidade. “Os produtos desse gado podem ser considerados alimentos nutracêuticos – que fazem bem –, e isso precisa ser valorizado”, afirma Nabinger.

As formações campestres do Pampa sempre coexistiram com a presença de herbívoros. Até 8,5 mil anos atrás, animais da megafauna, como os dinossauros, já se alimentavam da vegetação presente no bioma. A flora evoluiu junto do pastejo. Quando os dinossauros foram extintos, as emas, veados, antas, capivaras e outros herbívoros substituíram seu papel; com a chegada dos colonizadores, vieram os rebanhos de herbívoros domesticados, como os bovinos, ovinos, caprinos e equinos, que substituíram parte da fauna de herbívoros selvagens.

“Houve uma substituição da herbivoria, que sempre existiu, e que é necessária para manter os campos. Como houve grande redução da fauna selvagem de herbívoros, é necessário manter a herbivoria através dos herbívoros domésticos”, resume Nabinger. “Fazer isso de forma sustentável é ajustar a carga de modo que não ultrapasse aquilo que a ciência denomina capacidade de suporte – em que crescimento do pasto e alimentação do gado mantenham os serviços ecossistêmicos”, acrescenta.

Enquanto a ciência reforça que esse equilíbrio é possível, a vegetação característica do Pampa vem cada vez mais sendo substituída pela monocultura de soja, pinus ou eucalipto. A supressão do bioma se concentra na formação campestre, composta por vegetação rasteira que perdeu mais de 130 mil hectares entre 2023 e 2024. O Pampa foi o bioma brasileiro proporcionalmente mais devastado nos últimos 40 anos e sofreu as maiores perdas justamente na última década, conforme o MapBiomas.

“Precisa haver um planejamento de uso do território que não está havendo nas políticas atuais”, alerta Nabinger. “É necessário o ordenamento territorial: fazer um levantamento das paisagens para poder dizer quais partes devem permanecer nativas. Além disso, políticas de manutenção do negócio pecuário – não adianta dizer para o produtor não plantar soja e ficar com a pecuária se a pecuária que ele faz não dá dinheiro”.

O professor afirma que é possível mais do que triplicar a produção de carne sem investimento de insumo externo, desde que ajustada a carga animal usando técnicas como o diferimento do pasto. Essa prática consiste na retirada do gado de uma parte da pastagem em determinada época do ano, deixando a vegetação crescer sem distúrbio. Com isso, melhora a capacidade de cobertura do solo e a produção de sementes. Mais importante, fica uma reserva de pasto para o período seco do verão ou para o período frio do inverno.

Parte das políticas necessárias passam pelo reconhecimento de quem realmente preserva o Pampa. “O pecuarista familiar ainda não é considerado um povo tradicional. Essas comunidades produzem do modo tradicional e estão protegendo o campo. O reconhecimento dos direitos é importante”, afirma o secretário executivo do OCF.

“A manutenção do Pampa significa a manutenção da nossa cultura de gaúcho”, afirma Nabinger. “Precisamos de uma política direcionada para dar maior assistência aos pecuaristas familiares e aos povos tradicionais no sentido de valorizar sua cultura, seu artesanato, sua capacidade de preservação da natureza. Outra coisa que não temos como política é o pagamento de serviços ambientais. O sujeito que preserva a natureza está prestando um serviço para a sociedade como um todo”.

Além disso, um dos maiores desafios do Pampa é a efetivação do Cadastro Ambiental Rural (CAR). Dos mais de 650 mil cadastros no Estado, apenas 5.510 passaram por alguma análise e apenas 14 foram concluídos. A média nacional de cadastros com alguma análise é de 34%, enquanto no RS não chega a 1%.

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