Vozes de Emaús: Sonhos que esse Natal provoca. Artigo de Marcelo Barros

Arte: Lauren Palma | IHU

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18 Dezembro 2025

"Em meio a essa noite escura da fé, acolhamos como boa nova o anúncio do Natal e o celebremos na comunidade, ou (e) na família. Os clássicos cânticos de Natal despertam em nós emoções e fazem parte do aconchego afetuoso que, em cada Natal, revivemos"

O artigo é de Marcelo Barros, monge beneditino, teólogo e escritor. É assessor de movimentos sociais e comunidades eclesiais de base, membro da Comissão Teológica da Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo.

Marcelo Barros. (Foto: Arquivo pessoal)

O presente texto integra a coluna Vozes de Emaús, que conta com contribuições semanais dos membros do Grupo Emaús. Para saber mais sobre o projeto, acesse aqui.

Eis o artigo.

O anúncio deste Natal de 2025 vem junto com sinais do agravamento da crise ecológica. Ocorre em meio a mais de 50 guerras no mundo e ameaças de novas intervenções do Império na América Latina e Caribe. Mistura-se com notícias de feminicídios e vitórias da barbárie nas eleições do Chile.

Ao mesmo tempo, no Brasil, apesar de todas as conquistas democráticas, grande parte do povo, e mesmo aquela mais oprimida, pela qual fiz opção de servir, ainda que pense estar votando pelo mais direito, opta pela direita.

Em meio a tudo isso, a maior tristeza é ver que as diferentes  Igrejas que formam o Cristianismo não têm, verdadeiramente, assumido a missão do evangelho: testemunhar o projeto divino de vida e libertação no mundo e para o mundo. Ainda dividem o sagrado e o profano, a vida e a fé. Imaginam aprisionar Deus na gaiola da religião e ensinam as pessoas que devem entrar na gaiola para se relacionarem com Deus. No evangelho, Jesus chama Deus de Papai e diz:  “Ele faz nascer o sol sobre as pessoas boas e as más. Faz a chuva descer sobre as pessoas justas e as injustas” (Mt 5, 45).

Ao contrário, disso, pregam um Deus mais patrão do que pai. Alguém que as pessoas precisam ser ameaçadas com o inferno eterno para serem amigas dele. E dizem ainda que ele é muito cruel com quem não aceita ser seu amigo.

Por trás desse mito de mau gosto, não poucos ministros e grupos pentecostais,  evangélicos e também católicos tentam desenterrar a velha Cristandade e reproduzem desse modelo de Igreja o que há de pior: o uso do nome de Deus para exercer poder, hegemonia política e acúmulo extorsivo de bens, sob o pretexto de missão.

No tempo da ditadura militar brasileira, lutamos para votar e protestávamos contra a nomeação de interventores para todas as capitais do país. Hoje, a maioria dos padres aceita tranquilamente que os bispos continuem a ser nomeados pelo Vaticano e não eleitos pela Igreja local, como era nos primeiros séculos. Enquanto, padres que são bons presbíteros aceitarem ser nomeados e as dioceses os receberem cantando “bendito seja aquele que vem em nome do Senhor”, persistirá sempre o modelo de Igreja Cristandade. A verdadeira sinodalidade, proposta pelo saudoso Papa Francisco, nunca ocorrerá em uma Igreja que se agarre ao velho princípio da hierarquia (poder sagrado), quando o que veio de Jesus foi o ministério do cuidado uns dos outros e do testemunho do projeto divino no mundo. Sinodalidade convive bem com ministérios, mas não com monarquia, absoluta ou mesmo parlamentar. Não se descobriu ainda o círculo quadrado.

Sonhemos com um Natal no qual, nas Igrejas, a ceia de Jesus possa voltar a ser refeição de comunhão e partilha. Aí, sim, a eucaristia será de novo profecia de um novo modo de organizar o convívio humano, em uma terra onde o amor vence o ódio e a paz surge como luta social e prioritária contra a fome, a miséria e as desigualdades sociais que as provocam.

Cada eucaristia encaminhará as pessoas que participam as “Belém” de nossos dias para libertar do extermínio o povo palestino, que representa, hoje, o antigo povo hebreu, na luta pela terra prometida. Como seria bom se, ao menos as religiões, implicadas nesse holocausto, o Judaísmo, o Cristianismo e o Islã, se unissem para fazer cessar o extermínio e possibilitar ao povo palestino a sua ressurreição e ao israelita, a libertação do veneno que o desamor e o racismo provocam.

Em meio a essa noite escura da fé, acolhamos como boa nova o anúncio do Natal e o celebremos na comunidade, ou (e) na família. Os clássicos cânticos de Natal despertam em nós emoções e fazem parte do aconchego afetuoso que, em cada Natal, revivemos.

No entanto, precisamos evitar uma espiritualidade que parece expressar certa regressão a uma religião puramente sentimental e meio infantil do aniversário do Menino Jesus. É dessa piedade ingênua, que o comércio se serve para transformar o Natal em maior ocasião de lucro. Esse Natal pede de nós evitarmos o fundamentalismo que confunde o belo conto poético e simbólico do nascimento de Jesus em Belém com uma reportagem histórica, como se o evangelho de Lucas fosse uma página de jornal daquela época.

Repitamos as belas leituras bíblicas do Natal para entrarmos na espiritualidade pascal que pede de nós novo nascimento no cotidiano de nossas vidas. Que possamos ver no Natal, a Páscoa, antecipada no presépio de Belém. Antigos pais da Igreja diziam que a madeira do presépio é a mesma da Cruz. E o texto evangélico proclamado na noite de Natal chama o menino recém-nascido de Senhor. É esse Senhor, sem patriarcalismos machistas, que pode fazer da celebração deste Natal de 2025, ocasião de profecia para o mundo e para a Igreja.

Que o nosso sonho, seja como no Xamanismo, sonho-profecia como o que, conforme o poema do evangelho de Mateus, o pobre José recebeu, para ser pai de Jesus e esposo de Maria. E assim, a todos nós, virá o Emanuel, Deus conosco, Deus em nós.

A filósofa espanhola Maria Zambrano afirmava que o ser humano não é apenas mortal. Isso não o caracteriza, já que todo ser vivo é mortal. O que constitui o ser humano é ser “natal”, ou seja, capaz de se renovar permanentemente.

Esse Natal torna verdadeira a canção de Milton Nascimento:

“Há um menino, há um moleque,

Morando sempre no meu coração

Toda vez que o adulto balança,

ele vem pra me dar a mão”.

Feliz Natal!

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