17 Dezembro 2025
"O ateísmo de Marx, de Nietzsche e de Freud representam a morte do Deus metafísico e moral. Devemos levar a sério esse grande processo cultural que Nietzsche chamou de niilismo. Mas esse niilismo é o mesmo grande movimento de 'limpeza total' do qual Bonhoeffer fala aqui. Mais uma vez, devemos lembrar que Bonhoeffer, enquanto escrevia essas coisas, estava na prisão, isolado de tudo, confrontado com as possibilidades radicais do homem e diante de outros homens prestes a morrer. Foi nessa situação que ele teve a coragem de levar essa ideia até o fim".
O texto de Paul Ricoeur foi publicado por Avvenire, 14-12-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Paul Ricoeur (1913-2005) foi um especialista em hermenêutica e fenomenologia francês.
Eis o artigo.
Disso a expectativa de uma nova pregação que coloque em relação o Evangelho e o homem não religioso, para além da morte do Deus filosófico, para além do fim do discurso metafísico e individualista. Tudo isso é possível? É possível — estamos aqui apenas na ordem da possibilidade — se radicalizarmos para o século XX o que Lutero tentou radicalizar para o século XVI? A distinção entre o Evangelho e a Lei. De fato, Lutero havia iniciado essa radicalização, visto que São Paulo tinha em mente leis muito específicas quando afirmou que a circuncisão não é condição para a fé. Vamos transcrever isso para o século XX: a religião não é a condição da fé. [...] O que acontece com a palavra “Deus”, o nome de Deus? A resposta de Bonhoeffer é radical: o Deus da metafísica e da interioridade está morto.
Nesse sentido, Nietzsche está certo quando afirma “Deus está morto”: tudo o que nos resta é o Deus de Jesus Cristo. O que não podemos mais fazer é uma teologia, mas o que devemos fazer é uma cristologia, e é essa cristologia que pode nos devolver uma teologia. E o cristão, diz Bonhoeffer, não deveria ficar surpreso com isso. Não é verdade — e aprendemos isso com a Reforma e com Barth — que o Deus de Jesus Cristo não tem nada a ver com o que poderíamos pensar como Deus? E, no entanto, o cristão permanece surpreso.
Ele acredita que ao ouvir a frase “Deus está morto” esteja sendo proferida sua condenação. Por quê? Porque ele não ousou reconhecer o essencial, que tudo o que sabemos de Deus é a sua fraqueza na cruz. Só podemos conceber o poder de Deus apenas por meio da palavra que transforma a derrota da cruz em vida humana, em vida plena.
Mas essa palavra de vida não pode ser erigida em metafísica da onipotência, pois só existe se for pregada e se abrir à vida, se doar a vida. [...] Aqui, a meu ver, fé e ateísmo se encontram, se cruzam e, de certa forma, tornam-se indistinguíveis. Creio que caminhamos para um tempo em que a fé e o ateísmo não serão mais dois mundos, nem duas espécies de homem, mas produzirão algo novo: a fé no ateísmo do Deus metafísico.
O ateísmo de Marx, de Nietzsche e de Freud representam a morte do Deus metafísico e moral. Devemos levar a sério esse grande processo cultural que Nietzsche chamou de niilismo. Mas esse niilismo é o mesmo grande movimento de "limpeza total" do qual Bonhoeffer fala aqui. Mais uma vez, devemos lembrar que Bonhoeffer, enquanto escrevia essas coisas, estava na prisão, isolado de tudo, confrontado com as possibilidades radicais do homem e diante de outros homens prestes a morrer. Foi nessa situação que ele teve a coragem de levar essa ideia até o fim.
Talvez por muito tempo será absolutamente indiscernível esse entrelaçamento de uma fé problemática e um ateísmo que se tornou problemático, em vez de dogmático, de ser um ateísmo tranquilo. Nosso tempo é, sem dúvida, um tempo em que todos os homens estão em relação com Deus por meio de seu silêncio e sua ausência. Mas não é nos Salmos (35[34], 17) que se afirma: "Senhor, até quando verás isso?". Não é Jesus na cruz que clama: "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?" (Mc 15,34; Mt 27,46).
Se eu levar em consideração toda essa cultura moderna — habitada, ousaria dizer, pela ausência de Deus — então posso entender a expressão "Deus está morto" não como uma afirmação de um ateísmo triunfante, mas como a expressão moderna, que permeia toda uma cultura, daquilo que os místicos chamavam de "a noite do intelecto". "Deus está morto" não é o mesmo que "Deus não existe": é o oposto. Ou seja, o Deus da religião, da metafísica e da subjetividade está morto. O lugar está livre para a pregação da cruz e para o Deus de Jesus Cristo.
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