A inutilidade das megaobras para a população. Artigo de Raúl Zibechi

Fonte: Reprodução | Youtube

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10 Dezembro 2025

As megaobras “não são projetadas para as pessoas comuns, mas para a acumulação de capital”, escreve Raúl Zibechi, jornalista e analista político uruguaio, em artigo publicado por Desinformémonos, 08-12-2025. A tradução é do Cepat.

Eis o artigo.

Quando ocorreram os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016, o estado empreendeu a construção de diversas obras de infraestrutura, entre as quais se destacaram os teleféricos em algumas favelas, além da ampliação de aeroportos e rodovias, todas com verbas públicas.

“A Cidade Maravilhosa se tornou o lugar com a maior concentração de investimentos públicos e privados do mundo graças aos grandes eventos desta década: a Conferência Rio+20, realizada em 2012, o Mundial de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, além dos Jogos Mundiais Militares, de 2011, e da Copa das Confederações de 2013. Estima-se que até 2020 a cidade receberá um bilhão de dólares para obras de infraestrutura, serviços e indústria”, refletia-se naquele momento (Desinformémonos, 16/12/2012).

Milhares de famílias foram deslocadas à força para a periferia de uma cidade de 10 milhões, com suas estratégias de sobrevivência completamente desmanteladas, e precisaram recomeçar quase do zero. Inclusive, em algumas favelas, a instalação das torres dos teleféricos implicou em desabilitar o único espaço de socialização existente, onde as crianças jogavam futebol e os avós se reuniam à sombra das poucas árvores.

Os teleféricos foram obras de destaque, pois estavam localizados nas regiões de maior pobreza urbana e faziam parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do estado do Rio de Janeiro, promovido pela então presidenta Dilma Rousseff. Na favela do Alemão, para construir cada uma das seis estações, uma construção de um quarteirão, no alto dos morros, foi preciso demolir dezenas de casas, deixando centenas de famílias deslocadas.

“O teleférico foi inaugurado em julho de 2011. Os Jogos Olímpicos terminaram em agosto de 2016 e, em outubro, o teleférico parou de funcionar. As instalações estão se deteriorando e os equipamentos de transporte estão se transformando rapidamente em sucata: 80 milhões de dólares jogados no lixo. Quando Dilma Rousseff o inaugurou, em 2011, ao lado do governador Sérgio Cabral, do MDB, posteriormente preso na Operação Lava Jato, disse que o sistema transportaria 30 mil pessoas por dia. Nunca passou das 10 mil, mal chegando a 10% da população do Alemão” (Brecha, 21/12/2018).

Assim como o teleférico na favela do Morro da Providência, o do Alemão parou de funcionar logo após o término dos Jogos Olímpicos. Não consegue operar sem subsídios; cada viagem tem um custo de 6,7 reais (mais de dois dólares na época), o dobro do preço do metrô e dos ônibus, que percorrem trajetos muito mais longos do que os três quilômetros do teleférico. Os moradores questionam se não teria sido melhor investir em saneamento básico ou em obras de urbanização, apontando para as montanhas de lixo onde pombos se alimentam.

O jornal madrilenho El País publicou uma reportagem intitulada “Turismo e moradores ignoram o Trem Maia”, na qual afirma que “transporta apenas 5% dos passageiros projetados quando o megaprojeto foi aprovado” (El País, 01/12/2025). A reportagem analisou que “mesmo na alta temporada, os trens circulam quase vazios em alguns trechos, e nas estações costuma haver mais guardas nacionais e funcionários da limpeza do que visitantes”.

O jornal obteve um relatório confidencial do Fundo Nacional de Fomento ao Turismo que projetava que, em seu primeiro ano de operação, o Trem Maia transportaria pelo menos 74.000 pessoas por dia, mas transportou apenas uma média de 3.200 passageiros por dia, 5% do projetado.

Os argumentos dos moradores maias são muito semelhantes aos usados pelos moradores das favelas do Rio: o trem é caro, preferem se locomover de moto ou táxi. Além disso, o trem está longe de tudo, o que torna os preços mais caros do que viajando do modo tradicional. Apesar da campanha publicitária milionária do Exército para atrair passageiros, além dos descontos nas passagens, os trens continuam com baixíssima demanda.

É evidente que a utilidade dessas obras é o que menos importa para aqueles que as promovem e defendem. Não são projetadas para as pessoas comuns, mas para a acumulação de capital. O tempo dirá como ficará o Trem Maia; talvez até possa funcionar com metade da capacidade, mas o que já sabemos é que um punhado de empresas (vinculadas ao Exército) acumularam lucros enormes. Esse era o plano, e não outro.

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