18 Dezembro 2025
Às vésperas do oitavo centenário da morte do Poverello, Alessandro Barbero dedica-lhe um novo livro que conta a sua história. Emerge uma figura terna e intransigente: "Ele deixou uma marca poderosa na história", afirma o historiador.
2026 será o ano dedicado ao oitavo centenário da morte de São Francisco de Assis. Um dos santos mais amados, mas talvez nem sempre conhecido em profundidade. Para tanto, pedimos ajuda a Alessandro Barbero, o mais renomado medievalista italiano, autor de um livro recente intitulado San Francesco (publicado pela Laterza). Ex-professor de História Medieval na Universidade do Piemonte Oriental, Barbero escolheu narrar a história de Francisco utilizando o método típico do historiador: ou seja, revisando as fontes (biografias, crônicas, documentos) que primeiro falaram dele.
A entrevista é de Roberto Carnero, publicada por Famiglia Cristiana, 27-11-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis a entrevista.
Professor Barbero, em seu livro, a imagem do Poverello se reflete nos diversos relatos sobre ele. Mas se, no fim de sua pesquisa, o senhor tivesse que descrever brevemente quem foi São Francisco, o que diria?
Um homem de extraordinária força de vontade e enorme carisma, que colocou uma energia sobre-humana e uma capacidade organizacional acima do comum a serviço de uma fé inabalável e uma visão de enorme amplitude. Um homem que impressionou profundamente todos que o conheceram e deixou uma marca tão forte que se tornou uma figura no imaginário coletivo até hoje.
Mas, ao mesmo tempo, era um homem atormentado, que vivenciou de forma conflituosa o enorme crescimento de seu movimento e morreu se perguntando se não teria feito tudo errado.
Como descreveria seu caráter?
Francisco é, na realidade, semelhante a outros santos que fundaram grandes movimentos, porque é ao mesmo tempo um místico, com uma relação pessoal com Deus, um líder que arrasta multidões e um grande organizador. Mas não é um homem de certezas; em vez disso, é um homem que busca continuamente – em diálogo com Deus – a confirmação de que está seguindo o caminho certo e que está constantemente dividido entre a necessidade de estar com os outros e guiá-los, e a necessidade igualmente forte de se isolar em busca de um contato místico com o divino.
Quais imagens estereotipadas de Francisco acha que chegou a hora de abandonar?
Primeiro, a ideia do santo da alegria, seráfico e sempre alegre: pelo contrário, Francisco foi, como já foi dito, um homem atormentado, até mesmo propenso a acessos de raiva. Depois, devemos, não digo abandonar, mas sim contextualizar aqueles aspectos que nos parecem antecipar as sensibilidades atuais: não que não haja conexões para ver em Francisco algo que remeta ao pacifismo, ao animalismo e ao diálogo inter-religioso, mas devemos saber que para ele esses impulsos tinham raízes diferentes das nossas.
Francisco amava os animais e a natureza, mas porque via neles a marca do Deus Criador e em polêmica com os cátaros, para os quais todo o mundo material era filho de um Deus maligno. Ele foi falar com o sultão, e foi um gesto extraordinário, retribuído pelo cortês acolhimento que recebeu, mas ele não foi para dialogar, foi para explicar-lhe que os muçulmanos estão errados e os cristãos estão certos!
Como a Igreja se relacionou com a figura de Francisco após a sua morte?
Eu não falaria da Igreja como um poder monolítico, de alguma forma contraposto a Francisco. A Igreja era então, ainda mais do que hoje, uma realidade complexa e conflituosa. Francisco estava inserido na Igreja, assim como estavam aqueles franciscanos que, após a sua morte, transformaram a Ordem em uma potência e se tornaram dignitários, bispos ou doutores, e aqueles outros franciscanos que viam essa evolução com consternação e afirmavam que Francisco não queria nada disso.
Foi a liderança da Ordem, certamente não obstaculizada por Roma, que administrou, e em certa medida distorceu, a memória de Francisco, para atenuar o contraste entre os seus ensinamentos (pobreza absoluta, trabalho manual, desconfiança em relação aos livros e ao estudo) e o que a Ordem havia se tornado.
Quais valores franciscanos lhe parecem que estão presentes na Igreja hoje?
Não é fácil dizer, porque uma coisa precisa ficar muito clara. Francisco nunca teve a pretensão de que toda a Igreja se adequasse ao seu exemplo e praticasse a pobreza franciscana. Ele nunca criticou as autoridades da Igreja nem, aliás, os leigos ricos e os poderosos.
Ele sempre deixou muito claro que queria obedecer à autoridade da Igreja e não era um rebelde no sentido social: ele se sentia chamado a imitar o ideal evangélico de pobreza absoluta, humildade e submissão a todos, e também acreditava que qualquer um que quisesse ser um frade franciscano deveria se esforçar para fazer o mesmo, mas ele não ia além disso e jamais cogitaria dizer ao Papa o que ele deveria fazer.
Estamos nos aproximando do Natal. A realização do presépio de Greccio, imortalizado pelo afresco de Giotto, é um fato historicamente comprovado? O que sabemos exatamente sobre isso?
A história do presépio de Greccio é contada na primeira biografia de Francisco, escrita por Tomás de Celano quando a memória de Francisco ainda estava fresca, sendo, portanto, muito provável que o episódio, tal como ele o narra, seja autêntico. Francisco estava em Greccio e, com a aproximação do Natal, decidiu comemorar o nascimento do Menino recriando uma verdadeira manjedoura, cheia de palha, com um boi e um jumento. E na véspera de Natal, a missa foi celebrada diante daquela manjedoura, não por Francisco, que não era sacerdote. Ele era diácono e, com os paramentos diaconais, primeiro cantou o Evangelho e depois pregou, lembrando o nascimento do Menino de Belém. Tomás acrescenta que ele balia como uma ovelha, prolongando afetuosamente aquele nome, e lambia os lábios de alegria ao pronunciar o nome de Jesus.
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